01/10/2011 - 0:00
Estamos cercados por plantas. Mesmo na cidade, é fácil encontrar árvores nas calçadas, casas com jardins e apartamentos repletos de samambaias, violetas e orquídeas. Elas fornecem decoração, sombra para um dia de verão, frutos e muitos artigos deliciosos para uma salada. É muito comum enxergá-las como um recurso natural existente para o nosso deleite. Quando um proprietário derruba uma árvore porque ela enche seu quintal de folhas secas, ninguém reflete sobre a morte. “Matar é um ato, por si só, violento. A cultura ocidental ignora a violência contra as plantas. Se houvesse uma conscientização disso, talvez pudéssemos incentivar a redução da matança desnecessária”, afirma o biólogo Matthew Hall, do Jardim Botânico Real de Edimburgo, no Reino Unido, autor do livro Plants As Persons: A Philosophical Botany (Plantas Como Pessoas: Uma Botânica Filosófica).
Segundo os botânicos norte-americanos Elisabeth Schussler e James Wandersee, sofremos de plant blindness, algo como “daltonismo de plantas”. Trata-se da incapacidade de enxergá-las como parte importante e fundamental da biosfera, tornando-as inferiores aos animais e desmerecedoras da consideração humana. A principal hipótese para o fenômeno é que humanos tendem a prestar menos atenção nas plantas devido às diferenças em sua distribuição espacial, movimentação, coloração e percepção de perigo, além de pouca familiaridade com elas. “Os animais estão mais próximos dos humanos e podemos ver algumas das nossas características neles”, argumenta Hall. Isso não ocorre com as plantas.
Para alguns botânicos, somos “daltônicos” em relação às plantas por não enxergá-las como parte fundamental da biosfera.
Sim, elas são muito diferentes de nós, a começar por suas prioridades na vida. O botânico Francis Hallé, que também estuda o comportamento humano em relação a plantas, argumenta que prestamos pouca atenção a elas por vivermos em sociedades zoocêntricas ou antropocêntricas. Identificamo-nos com os animais, uma vez que as plantas parecem viver alheias a nossa realidade. Pensando desse modo, o cientista francês acha que o caminho para reverter tal situação é aumentar o conhecimento acerca da fisiologia das plantas, enfatizando como elas são totalmente diferentes dos humanos e do resto dos animais e que, por isso, merecem admiração e respeito.
Em seu livro, Hall pesquisou diferentes culturas ao redor do mundo para analisar a relação do homem com o meio ambiente. Ele constatou que desde a Antiguidade já se notava a exclusão das plantas do pensamento moral humano. As sociedades zoocêntricas datam de milênios, desde a Grécia Antiga. No entanto, o autor vai mais fundo nessa percepção e conclui que, em muitos casos, o zoocentrismo também é usado como um método político para justificar a dominação humana sobre a natureza. Afinal, não se pode viver sem a agricultura e a pecuária. Considerações éticas acerca da vida das plantas romperiam com o status quo.
O cipó-chumbinho é um parasita que escolhe o hospedeiro que pode lhe dar mais nutrientes.
Senciência não comprovada
O argumento mais comum do porquê de as plantas não serem incluídas no pensamento moral é que elas não são sencientes, capazes de sentir. Tendo isso em vista, vários cientistas tentaram provar a senciência das plantas e até mesmo suas propriedades paranormais. O pioneiro foi o indiano Jagadish Chandra Bose (1858-1937), cujos experimentos mostraram que as plantas crescem mais rapidamente ao som de música calma e mais devagar quando expostas a ruídos. Ele também estudou como as estações do ano e estímulos químicos influenciavam as plantas. A partir da análise da variação da membrana celular das plantas em situações diferentes, advertiu que os vegetais podiam sentir dor e entender o afeto.
As plantas têm mecanismos sofisticados de percepção ambiental e de defesa.
Embora Bose fosse um dos primeiros a estudar senciência, o nome mais conhecido nessa área é o do norte-americano Cleve Backster, especialista na detecção de mentiras por meio do polígrafo, um aparelho que mede pressão, batimento cardíaco e nível de umidade nas pontas dos dedos, para analisar o grau de nervosismo de uma pessoa. Nos anos 60, ele colocou sensores em uma Dracaena massangeana, a dracena, com o objetivo de saber quanto tempo a água demorava para subir das raízes às folhas. Backster esperou durante um tempo, mas não obteve resposta. Pensou então em mergulhar uma das folhas da planta no café quente, e o polígrafo começou a mostrar reações.
Espantado, o pesquisador fez diversos experimentos em seu escritório e concluiu que as plantas podiam ler pensamentos, saber das verdadeiras intenções do agressor e até mostrar preocupação. Seu estudo Evidence of Primary Perception in Plant Life (Evidência sobre a percepção primária na vida vegetal), publicado em 1968 no periódico The International Journal of Parapsychology, sustenta que as plantas são sencientes e teriam uma percepção mais aguçada que a dos animais.
Vários cientistas tentaram reproduzir o “efeito Backster”, como foi chamado o fenômeno, mas poucos conseguiram. Além disso, o experimento foi severamente contestado, pois, segundo os cientistas, Backster não o realizara em laboratório e, portanto, muitos fatores externos ambientais poderiam ter contribuído para os resultados, como outras pessoas entrando e saindo da sala. Desse modo, o que Backster constatara seria mera coincidência. A comunidade científica descartou esses resultados, bem como a suposta senciência das plantas, por falta de provas e porque os vegetais são desprovidos de um sistema nervoso semelhante ao dos animais.
“Acho que Backster tinha boas intenções, mas, assim como os outros cientistas, não consigo ver muito valor científico em conectar plantas a polígrafos. Além do mais, por que as plantas precisam ter ‘sentimentos’ para serem respeitadas?”, pondera Hall.
moderna
Em 2008, a “dignidade” das plantas entrou em discussão após o Comitê Federal Ético para Biotecnologia em Não Humanos, da Suíça, publicar o relatório intitulado The dignity of living beings with regard to plants: moral consideration of plants for their own sake (Dignidade dos seres vivos em relação às plantas: consideração moral das plantas para seu próprio bem). O documento reconhece os vegetais como seres dotados de “dignidade”.
A dracena foi usada por Cleve Backster em experimentos para sustentar a hipótese de que as plantas são sencientes.
Em um artigo publicado no periódico Plant Signaling and Behavior, Florianne Koechlin, integrante do Comitê, defende que após os últimos estudos sobre o crescimento das plantas, bem como os seus sistemas de comunicação, não se pode mais olhar para elas como “máquinas passivas que seguem uma programação”. Tendo isso em vista, o comitê atribuiu-lhes “dignidade” para designar que as plantas devem ser respeitadas. A autora enfatiza que atribuir esse conceito às plantas não implica redução ou proibição de seu cultivo ou de pesquisas científicas. O objetivo é que haja maior conscientização, para evitar a morte ou os maus-tratos às plantas sem justificativa plausível.
Seguindo raciocínio semelhante, Hall defende a autonomia das plantas por elas conseguirem manter sua integridade e existência. O cientista chama atenção para uma série de estudos que mostram como o universo das plantas é complexo e fascinante. Anthony Trewavas, do Instituto de Biologia Celular e Molecular da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, propôs uma analogia entre o crescimento das plantas e o movimento dos animais. Ele argumenta que, tal como os animais, as plantas estão sempre em movimento, mas em ritmo diferente. Elas crescem conforme as condições ambientais, podem ultrapassar obstáculos e aumentar o número de raízes, ramificações e folhas para captar mais nutrientes e energia solar. Essa habilidade de mudar morfologicamente em resposta ao meio, com o objetivo de maximizar o crescimento, a reprodução e a sobrevivência, é chamada de “plasticidade fenotípica”.
Os vegetais podem mudar morfologicamente em resposta a estímulos, como a luz do sol, para maximizar o desenvolvimento.
Colleen Kelly, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, estudou o comportamento da planta parasita Cuscuta europaea, mais conhecida como cipó-chumbinho, e notou que ela “escolhia” suas presas. A cientista observou que a cuscuta é capaz de avaliar se o hospedeiro lhe gerará muito ou pouco nutriente. “A parasita tem essa resposta de aceitação e rejeição antes de consumir o alimento do hospedeiro. Então, é possível dissociar a escolha ativa dos efeitos passivos de crescimento e mortalidade”, escreve Colleen, em artigo publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences.
Monika Hilker, da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, estudou o sistema de defesa das plantas. Ela verificou que o ulmeiro, Ulmus minor, reage ao depósito de ovos feitos pelo besouro da espécie Xanthogaleruca luteola. Como suas larvas comem as folhas do ulmeiro, este lança no ar substâncias químicas voláteis que atraem a vespa Oomyzus gallerucae, predadora dos ovos do besouro. Por analogia, podemos dizer que a planta age “pedindo socorro”.
Inteligência em xeque
Cada vez mais, os estudos em botânica evidenciam comportamentos “inteligentes” em plantas, mostrando que elas estão longe da antiga concepção de serem seres com respostas simples a estímulos. Por sua complexidade de desenvolvimento, alguns autores, como Trewavas, lhes atribuem o adjetivo “inteligente”. “Elas são autônomas. Percebem seu ambiente e interagem inteligentemente com ele. Vivem de forma ativa e são fundamentais para a sobrevivência humana. A vida das plantas não é ‘nada’. Então, por que tratamos como se fosse?”, argumenta Hall.
Richard Firn, do Departamento de Biologia da Universidade de York, no Reino Unido, critica a comparação entre as habilidades das plantas e as dos animais. Para ele, essa associação deveria ser feita entre espécies de vegetais e não entre organismos distintos. Além disso, a atribuição de características animalescas e humanas pode ter sentido distorcido quando dirigida às plantas. Uma de suas críticas é contra a afirmação de que as plantas são inteligentes. Em seu ponto de vista, o conceito de inteligência popularmente aceito se refere à mentalidade, à razão e ao poder de escolha. Ao usar essa nomenclatura, com outra definição implícita, causa-se um ruído na comunicação. Trewavas usa o conceito de inteligência proposto por David Stenhouse, que remete à capacidade de ser flexível e se adaptar ao meio durante a vida, uma denotação que pode se adequar às plantas.
“Preste atenção nas plantas em volta. Note como crescem, mudam de forma, se ajustam à hora do dia e à estação do ano. Elas vivem, se reproduzem, ficam doentes e morrem. Não é preciso esperar que provem sua senciência para respeitá-las.” Matthew Hall
Firn defende que faltam termos de linguagem que especifiquem corretamente o que as plantas fazem. Como estamos limitados à língua, fazemos associações indevidas. “Se novas palavras são necessárias para descrever como as plantas vivem, então, talvez devêssemos inventar novos termos em vez de tentar redefinir os já existentes”, escreve em Plant Intelligence: an Alternative Point of View.
Alternative Point of View. Independentemente da nomenclatura e do desenvolvimento das pesquisas biológicas no futuro, as plantas são seres mais complexos e mais flexíveis do que imaginamos. Elas têm mecanismos sábios para lidar com predadores e conseguir nutrientes. Uma vez que não podemos viver sem matá-las, já que nos são essenciais, Hall propõe que pensemos sobre nossa responsabilidade com elas.
O objetivo é diminuir os maus-tratos e a matança desnecessária, que destrói hábitats e põe em risco não só a flora, mas a fauna. “Para mim, é preciso haver respeito e responsabilidade sobre a vida das plantas. Evitar atitudes que possam causar mais desmatamento. Planejar melhor nossos sistemas de produção de alimento. Talvez não seja necessária tanta destruição. A agricultura gera grande impacto na vida das plantas e, consequentemente, na saúde dos hábitats que sustentam a nossa vida”, reflete Hall.
Inspiração dos anos 60
Apesar de ter sido rejeitado pela comunidade científica, o estudo de Cleve Backster que sustenta a senciência das plantas foi acolhido por diversos autores e artistas da época. Os jornalistas norte-americanos Peter Tompkins e Christopher Bird escreveram o livro A Vida Secreta das Plantas, lançado em 1973, no qual reuniram estudos que sugeriam a capacidade intelectual vegetal. Na mesma linha, em 1979, o cantor Stevie Wonder lançou o álbum cult Journey Through the Secret Life of Plants e, em 1998, o celebrado pintor e escultor alemão Anselm Kiefer publicou um livro com título homônimo.