A palavra por si só já desperta curiosidade: taketina. O que é? No original, as consoantes em maiúscula nos induzem a ler separando as sílabas: TaKeTiNa. Sentiu o ritmo? Essa é uma técnica que utiliza o ritmo pelo corpo, envolvendo ao mesmo tempo palmas, passos e vocalizações, com o intuito de transformar a mente – um misto de música, educação e terapia sem ser musicoterapia, new age, ritual xamânico ou de candomblé. Trata-se de um processo original para acessar o ritmo que todos temos, relaxando e revitalizando o corpo, criando música natural e orgânica.

A técnica, que já tem 40 anos, é o resultado de décadas de pesquisas do músico austríaco Reinhard Flatischler, aluno de mestres de grandes tradições rítmicas, como a cubana, a africana, a coreana, a japonesa, a brasileira, a árabe, a indiana e a tailandesa. Fundador e líder do grupo MegaDrums, que agrega percussionistas como o brasileiro Airto Moreira, ele foi um dos primeiros a reconhecer que os ritmos neurológicos vegetativos controladores das nossas funções essenciais podem ser influenciados por movimentos externos.

Ao pesquisar os elementos básicos do ritmo, Flatischler descobriu a possibilidade de cultivar uma mente mais estável e um corpo mais presente por meio de ritmos complexos e musicalmente desafiadores. Em 1989 e 1999, o artista realizou, junto com a Associação Alemã para a Terapia da Dor, o TaKeTiNa Rhythm Research Project, que contribuiu para vá rios pacientes mostrarem melhoras inesperadas.

Desde 1970 muitas pessoas têm experimentado o impacto do processo rítmico na mente, no corpo e na alma, traduzido em alegria, presença, complexidade e intensidade. Com o interesse de médicos e cientistas em pesquisar os efeitos da terapia sobre o sistema nervoso e a consciência, a aplicação dos resultados em cardiologia, medicina esportiva de alto desempenho, fisiologia, medicina geral e pesquisa do estresse já está acontecendo.

O som do surdo marca o ritmo inicial da técnica, em workshop da professora Ana Thomaz.

Os primeiros seminários de taketina ocorreram na Índia e na Europa. Ainda nos anos 1970, no Pan Music Festival, em Seul, a técnica entrou no currículo do Centro de Drama da capital sul-coreana. Hoje, Flatischler oferece workshops regulares na Europa, na Austrália e nos Estados Unidos, onde mantém um curso de formação de professores em Portland, no Estado do Oregon. Há mais de 200 professores de taketina trabalhando no mundo em diversas áreas. Atualmente, o músico austríaco conduz uma pesquisa com a Sociedade de Investigação Cronobiológica, em Viena (Áustria), para documentar os efeitos da técnica sobre a ritmicidade (qualidade do ritmo) do corpo. Os resultados preliminares revelam que é possível estimular frequências cardíacas que também ocorrem durante o sono profundo e a meditação profunda.

Percepção ampliada A professora paulista Ana Thomaz – que conheceu a taketina na Inglaterra, onde fez dois workshops – é a responsável pelas vindas ao Brasil do psicólogo alemão Henning von Vangerow, professor avançado de taketina. Surpresa com os resultados corporais conquistados na primeira vivência, Ana sentiu que havia atingido outra relação com o ritmo, com a coordenação e com o tempo: “Continuei sentindo aquele trabalho reverberando no meu dia a dia, senti que algo transmutara minha percepção.” Ela retornou para o Brasil e desde 2009 realiza workshops anuais de taketina no seu espaço, localizado no bairro paulistano da Aclimação. Ana descreve assim a técnica:

“Em uma roda, somos convidados a desenvolver um ritmo, tendo como base o som do surdo. Uma vez que esse ritmo esteja bem estabelecido no grupo, o que já cria uma sensação incrível, partimos para a polirritmia: mantemos o ritmo inicial e adicionamos outro com uma parte diferente do corpo. Com isso o sistema nervoso central entra em um estado singular. São dois ritmos diferentes ao mesmo tempo, no mesmo corpo, junto com um grupo, um surdo dando a base e um berimbau nos apresentando outros caminhos! Então partimos para um terceiro ritmo.”

Segundo Ana Thomaz, quando mãos, pés e voz produzem ritmos diferentes ao mesmo tempo, a taketina chega ao auge. “Nesse momento já não podemos estar em nenhum outro lugar além do estado presente; o presente se amplia e ganha passado e futuro. O corpo todo desperta, os dois hemisférios do cérebro sintonizam a mesma frequência, vive-se um estado de meditação ativa!”

A finalidade da polirritmia é forçar a mente analítica a relaxar o controle propondo-lhe uma tarefa complexa demais para administrar. “Você está num reino onde a mente não tem chance – não existe forma pela qual você possa controlar e monitorar todas essas batidas”, diz Flatischler. Com o tempo, afirma o músico austríaco, a prática “estabelece o vazio e o profundo silêncio na mente que o zen, a ioga e todos esses caminhos estão procurando”.

 

O paulista Gustavo Gitti conheceu a técnica em um workshop realizado perto de Portland. Entre 2008 e 2010, acompanhou, tocando surdo, o psicólogo Von Vangerow nos workshops que o alemão conduziu em São Paulo. “Durante o processo de taketina, os participantes aprendem a criar ritmos diferentes em vários níveis”, afirma. “O racional e o emocional, o som e o silêncio, a ação e a pausa, o caos e a ordem são experimentados simultaneamente.” Mas o caos não sugere perigo? Nenhum, diz Flatischler: “O caos é essencial para permitir que a sabedoria interior emerja.”

O criador da taketina, Reinhard Flatischler.

Gitti planeja ser o primeiro instrutor de taketina da América Latina. Para isso, busca concluir seis módulos do treinamento intensivo, que acaba em 2012, e depois trazer “a brincadeira” de vez para o Brasil. Ele afirma que a técnica tem o potencial de nos alinhar com a vida e nos despertar de forma divertida para o momento presente.

“Tentamos acertar os passos assim como tentamos controlar a vida. Surge frustração, medo de errar, raiva, ansiedade, porém nada está acontecendo além de passos e palmas. Você começa a entender que a única coisa que o está travando é sua mente, é o jeito com que você enrijece, se tensiona, tenta acertar, parecer que está bem. Já que o controle não funciona diante de uma polirritmia, aprendemos, sem querer, com o corpo, um outro modo de viver” – diz o músico.

Aplicações variadas Como não requer conhecimento musical, a taketina pode ser praticada por qualquer pessoa motivada pelo seu lado meditativo e psicológico, o foco no corpo e na dança, a música e a polirritmia, a liderança e o trabalho em grupo ou a faceta terapêutica.

Para músicos iniciantes e intermediários, o principal foco do aprendizado é abrir mão do controle, desenvolver a orientação rítmica profunda, usá-la como ferramenta de crescimento pessoal e transformação.

Para os profissionais – compositores, professores de música, regentes, músicos, bailarinos -, a técnica permite desenvolver a capacidade de executar ritmos complexos com naturalidade e relaxamento.

Pesquisas indicaram que pessoas com problemas como zumbido no ouvido, arritmia cardíaca, pressão arterial alta ou asma encontraram alívio após sessões de taketina. Flatischler afirma que se livrou de uma persistente asma graças à técnica.

Ela também é eficaz em várias terapias, como tratamentos psicológicos e contra a dor, no trabalho com a toxicodependência e na ressocialização de presos. A prática realça ainda a competência em lidar com situações complexas, a gestão eficaz do caos e a percepção de múltiplas camadas num tema específico – qualidades necessárias no cotidiano de qualquer tomador de decisão.

 

Na vida diária, a taketina pode ajudar a:

■ Relaxar mais profundamente

■ Permanecer concentrado por períodos excepcionalmente longos

■ Lidar de modo criativo e efetivo com fases caóticas

■ Reduzir a ansiedade relativa a erros e, assim, errar menos

■ Perceber várias coisas simultaneamente

Os músicos podem usar a taketina para:

■ Ficar no ritmo

■ Desenvolver orientação rítmica profunda

■ Conhecer as células rítmicas universais

■ Desenvolver habilidades de composição e improvisação

■ Aumentar competência na bateria e em instrumentos de percussão

Mais informações: taketina.com (em inglês e alemão)