01/02/2012 - 0:00
O que parecia ficção científica virou realidade. A tecnologia futurista já foi provada com sucesso, em 2011, na Consumer Electronics Show, de Los Angeles, a maior feira mundial eletroeletrônica. Lá, os visitantes puderam ver liquidificadores, batedeiras, tevês e computadores que funcionam sem estar ligados numa tomada. Para recarregar o celular, basta colocá-lo sobre uma base transmissora de eletricidade sem fio.
Os pesquisadores da “nova” tecnologia da eletricidade sem fio, na verdade, resgataram o conceito de indução magnética, descoberto por Michael Faraday em 1831. Segundo ele, a corrente elétrica que corre por um fio pode fazer o mesmo acontecer num fio próximo. Baseando-se no princípio de Faraday, o sérvio Nikola Tesla construiu, em 1890, duas enormes torres que transmitiriam corrente elétrica dos Estados Unidos pelo ar, capaz de ser recebida por aparelhos do mundo todo. Isso não aconteceu, mas Tesla conseguiu acender lâmpadas a distância.
Em 1988, o professor John Boys, da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), construiu o primeiro protótipo de fonte de alimentação elétrica que dispensava contato físico com os equipamentos alimentados. A tecnologia foi patenteada pela empresa da universidade onde foi criada. Em 2008, a Intel Corporation conseguiu reproduzir os modelos de Tesla e do grupo de John Boys, acendendo uma lâmpada sem usar fios, com luminosidade satisfatória. Nos EUA, o vanguardista Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) lidera as pesquisas no campo. Um invento do professor croata Marin Soljacic faz funcionar uma tevê colocada a 1,5 metro do transmissor.
Para carregar o celular, basta colocá-lo sobre o braço da poltrona.
Tecnologias distintas
Já existem empresas oferecendo ao mercado tecnologias capazes de transmitir, com segurança, a energia pelo ar. O objetivo principal é desobrigar aparelhos criados para ser portáteis – como celulares, tablets e notebooks – de recarregar as baterias constantemente.
Os experimentos atuais se baseiam em três tecnologias: acoplamento indutivo, radiofrequência e ressonância acoplada magneticamente. A Fulton Innovation, de Michigan (EUA), criou o sistema eCoupled, já disponível para a polícia, o corpo de bombeiros e equipes de resgate. Trata-se de um aparelho de acoplamento indutivo sobre o qual podem ser colocados artefatos móveis para ser recarregados magneticamente.
O sistema de radiofrequência, por sua vez, tem a vantagem de trabalhar com distâncias maiores, de até 26 metros, pois a eletricidade é transformada em ondas de rádio captadas por um receptor, que as converte novamente em corrente de baixa voltagem. A radiofrequência já está sendo usada pelo Departamento de Defesa dos EUA e em breve estará disponível em pequenos aparelhos domésticos.
Nikola Tesla, o pioneiro
Precursor da eletricidade sem fio, Nikola Tesla, nasceu em Smiljan (atual Croácia), em 1856, e naturalizou-se norte-americano. Só agora, 100 anos depois, suas invenções estão sendo reconhecidas. Tesla aperfeiçoou o sistema de transmissão de energia por cabos, criando a corrente alternada em substituição à corrente contínua, estabelecida por Thomas Alva Edson. Também contribuiu para o desenvolvimento da robótica, do controle remoto, do radar e da ciência computacional. Foi um homem de personalidade excêntrica e adiantada demais para seu tempo. Morreu pobre e esquecido aos 86 anos, em 1943.
Já a ressonância acoplada magneticamente foi inventada por Soljacic, que a denominou WiTricity. Ela é capaz de fornecer eletricidade para um aposento no qual haja aparelhos com receptores próprios para captála. Tanto o sistema eCoupled quanto o WiTricit usam duas bobinas, uma energizada e outra não. A vantagem do sistema WiTricit é que elas não precisam estar próximas para a transferência de energia, pois este utiliza o princípio da ressonância magnética. O objeto a distância, porém, precisa estar corretamente sintonizado com o transmissor para funcionar. Nesse sistema, apenas uma bobina energizada pode fornecer eletricidade sem fio para toda a residência.
A ressonância magnética energiza mesas de escritório e vários tipos de aparelhos, como liquidificadores, celulares, tablets e furadeiras.
Outras empresas, como a WiPower, da Flórida, e a Powercast, de Pittsburgh, também pesquisam usos práticos para essa tecnologia. A fim de que a energia não vaze de uma residência para outra, estão em estudo formas de controlar o alcance e a intensidade do campo magnético e o uso de metais para bloquear a transmissão.
Novidades
Já estão disponíveis produtos que usam energia sem fio. Um deles é o carregador Palm do smartphone HP Pre Touchstone. O usuário só precisa colocar o dispositivo em cima do carregador, pois ímãs posicionam corretamente o aparelho, que é carregado sem qualquer fio conectado a ele.
A Sanyo desenvolveu para a estação de jogos eletrônicos Nintendo Wii um carregador que dispensa o contato com a bateria para carregá-la. A Fu Da Tong Technology, de Taiwan, oferece produtos que funcionam com eletricidade sem fio, entre eles chinelos que se conservam aquecidos – quando esfriam, basta deixá-los em cima do tapete carregador.
A Fulton Innovation produz o eCoupled, aparelho com duas bases para carregar celulares e outros aparelhos móveis. Uma delas, ligada à tomada, transmite energia à outra, instalada em um ponto qualquer da casa ou do escritório. Para carregar, basta colocar na segunda base. A empresa já licenciou a tecnologia para grandes fabricantes e possui 300 patentes de equipamentos, aprovadas ou em estudo.
Chinelos sempre aquecidos e o Nintendo Wii, que carrega sem bateria. Abaixo, a sopa aquecida na embalagem e os cereais que brilham para o consumidor.
Uma tevê que funciona por ressonância magnética foi mostrada pela empresa japonesa Sony na CES de 2011. Ela dispensa o uso de fios alimentadores e cabos de aparelhos acoplados a ela, como DVDs. A holandesa Philips também já possui produtos que aproveitam a tecnologia de energia elétrica sem fio para carregar a bateria dos aparelhos. Barbeadores e escovas de dente elétricas já estão disponíveis com a nova tecnologia. Já existem sopas que podem ser aquecidas na própria embalagem: a energia elétrica enviada pelo ar é recebida por uma pequena espiral de metal, instalada na base do copo e transformada em calor. Até caixas de cereais podem usar indução magnética: quando o consumidor se aproxima, o magnetismo faz acender LEDs e a embalagem chamar a atenção com efeitos de luz.
A Philips pretende criar um sistema universal, padronizando a faixa de transmissão dos dispositivos Wi- Tricity e dos aparelhos eletroeletrônicos e eletrodomésticos, desenvolvendo as determinações do Wireless Power Consortium, criado em 2008 a fim de regular os padrões para essa nova tecnologia.
Pesquisadores também estudam a transmissão da eletricidade sem fio em aparelhos maiores, como veículos. Um instituto de tecnologia sulcoreano desenvolveu o protótipo de um ônibus que capta a energia pelo ar fornecida por fibras subterrâneas. O veículo chegou a percorrer mais de dois quilômetros usando apenas 400 metros de pontos de energização.
A montadora japonesa Nissan está investindo num sistema de energia por indução capaz de carregar seus automóveis elétricos. A ideia é pôr fibras emissoras de campos eletromagnéticos sob o asfalto para energizar os carros. A Toyota também está formando parcerias com empresas que desenvolvem eletricidade sem fio. A empresa londrina HaloIPT, por sua vez, desenvolveu um carregador sem fio para carros elétricos que deverá estar à venda em até três anos.
Cautela
No Brasil, a eletricidade sem fio é vista com cautela. Embora haja teses universitárias sobre o tema, o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, ligado à Eletrobras, ainda não realiza nenhum trabalho nesse campo. Os cientistas brasileiros estão esperando os resultados sobre a viabilidade econômica das pesquisas lá fora.
Há dúvidas quanto à confiabilidade da nova tecnologia e aos efeitos do campo eletromagnético na saúde, embora os fabricantes internacionais garantam segurança total. O MIT ainda não detectou em seus testes danos a celulares e outros aparelhos eletrônicos portáteis ou em cartões com tarja magnética, mas admite que o assunto deve ser mais estudado.
O professor José Roberto Cardoso, especialista em eletromagnetismo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, considera que a transmissão da eletricidade sem fio ainda esbarra em fatores limitantes: custo (viabilidade econômica), grande perda da energia gerada (que chega a ser de até 40% em alguns casos) e impossibilidade de se gerar campos eletromagnéticos de grande potência. “Esse último fator”, especula, “pode impedir que a energia magnética seja usada em projetos maiores, como baterias dos carros elétricos”.
Cardoso explica que o sistema funciona bem com baixa potência, como em celulares e notebooks. Para gerar grande volume de energia, o campo magnético teria de ser intenso, o que ocasionaria descargas elétricas no ar, pondo em risco a saúde humana. No caso dos campos de baixa frequência, eles podem ser adaptados de modo a respeitar as recomendações e os limites de radiação para os seres humanos fixados pela Organização Mundial da Saúde.
Os fabricantes internacionais contra-argumentam dizendo que os campos magnéticos têm força semelhante à dos que existem naturalmente na Terra. Por isso, a baixa densidade dos sinais emitidos pelos dispositivos quase não interage com organismos vivos.
Outra questão é o baixo rendimento do processo: é preciso gastar quase 2.100 watts na emissão para gerar apenas 10 watts na recepção. Cardoso vê pouca utilidade no uso para eletrodomésticos, pois o gasto com a instalação de grandes bobinas geradoras limitaria o processo. “Por enquanto é mais econômico ligar liquidificadores, torradeiras e tevês na tomada”, afirma. Mas tudo indica que a eletricidade sem fio veio para ficar e irá conviver com a conexão tradicional nos próximos anos.