Este texto é baseado em documentos de propriedade do Movimento de Consciência Krishna que registram o memorável encontro de três estrelas da música pop com o famoso swami indiano Srila Prabhupada. Esses documentos – um amontoado de fitas e anotações guardadas na sede do Movimento, em Berkeley, Califórnia – foi transformado em um livro,
“Em Busca da Libertação”, lançado pelos Hare Krishna. O livro, assim como esta matéria realizada especialmente para PLANETA*, mostra alguns tópicos que fizeram parte da reunião de Lennon, Harrison e Yoko Ono com Srila Prabhupada: os caminhos da liberação pessoal, a eternidade da alma, reencarnação, a natureza de Deus, a função do guru e a autoridade do “Bhagavad-Gita”, uma obra clássica da literatura indiana considerada sagrada por 600 milhões de pessoas.

Prabhupada – Que tipo de filosofia vocês estão seguindo?

Lennon – Seguindo?

Yoko – Não seguimos nada, apenas vivemos.

Harrison – Fazemos meditação. Quer dizer, eu faço meditação em mantra.

Yoko – Você diz que o mantra Hare Krishna é muito forte e poderoso, mas existem outros mantras…

Prabhupada – Sim, existem outros mantras, mas Hare Krishna é o mais recomendável para esta era de hipocrisia e desavença.

Lennon – Em que você acredita? Qual é a filosofia do Movimento de Consciência Krishna?

Prabhupada – O primeiro passo para entender esse movimento é saber reconhecer a diferença entre um corpo vivo e um corpo morto. A diferença é que, quando alguém morre, o espírito (a força da vida) abandona o corpo. Por isso se diz que aquele é um corpo morto. Portanto, há duas coisas: uma delas é o presente corpo, a outra é a força viva que existe dentro dele. O Movimento de Consciência Krishna trata da força viva dentro dos nossos corpos. Essa é a diferença entre a ciência de Krishna (uma ciência espiritual) e a ciência comum. No começo, é muito difícil para as pessoas aceitarem o nosso movimento. Antes de tudo, é preciso entender que somos mais do que simples corpos.

Corpo velho, corpo novo

Lennon – Quando vamos entender isso?

Prabhupada – A qualquer momento. Tudo depende apenas de um pouquinho de inteligência. Por exemplo: o bebê vira um menino, o menino vira um rapaz, o rapaz torna-se adulto e o adulto vira um homem velho. Durante todo esse processo, embora esteja caminhando da infância para a velhice, a pessoa é uma só, com a mesma identidade. O corpo está se transformando, mas o ocupante desse corpo continua o mesmo. Quando finalmente nosso corpo morre, recebemos outro corpo. Isso se chama “transmigração da alma”.

Yoko – Então, quando uma pessoa morre é apenas o corpo físico que morre?

Prabhupada – Sim, isso está explicado com muita clareza no “Bhagavad-Gita”: “Para o espírito não existe nascimento ou morte. Nunca tendo sido, ele jamais deixará de ser. O espírito é não nascido, eterno, sempre existente, imortal.”

Lennon – Muito obrigado por ler esse trecho para mim. Quer dizer que se a alma é imortal, todos nos juntaremos a Deus quando morrermos?

Prabhupada – Não necessariamente. Se a pessoa está qualificada, se durante a vida se preparou para voltar para casa, para Deus, então ela se libertará. Caso contrário, reencarnará noutro corpo material. Há 8.400.000 diferentes formas corpóreas. A próxima reencarnação de uma pessoa é decidida por seus desejos e seu carma. É difícil entender isso?

Lennon – Sim.

Prabhupada – Suponha que alguém contraiu varíola. Depois de sete dias, a pessoa desenvolverá os sintomas da doença. Como você chama esse período?

Lennon – Incubação.

Prabhupada – Exato. Não é possível evitar o período de incubação. Se você contrai uma doença, ela seguirá um curso determinado pelas leis da natureza. Da mesma forma, durante a vida as pessoas se apegam a muitas coisas. Isso é que vai determinar o tipo de corpo que elas terão na próxima encarnação. Esse processo ocorre rigorosamente sob as leis da natureza. Todos os seres estão sob o controle das leis da natureza. Por ignorância, muitos pensam que são livres.

Harrison – Você diz que ninguém é livre. Quer dizer que, se vivemos uma vida correta, determinamos um bom futuro para nós mesmos?

Prabhupada – Sim.

 

Crença e lei

Yoko – Isso significa que somos livres para escolher o que achamos mais importante. Religião é importante porque, se acreditamos em Deus e vivemos uma vida correta…

Prabhupada – Não é uma questão de crença. É uma lei. Por exemplo: existe um governo. Você pode acreditar no governo ou não. Mas se você violar as leis, será punido pelo governo. Da mesma forma existe Deus, não importando se você acredita ou não. Se você não acredita em Deus e faz apenas o que quer, será punido pelas leis da natureza.

Lennon – Faz alguma diferença a religião na qual a pessoa acredita? Se ela é um devoto de Krishna?

Prabhupada – Não é uma questão de religião. É uma questão científica. Você é um ser espiritual. Mas, pelo fato de estar condicionado por este corpo, você vive sob as leis da natureza material. Você pode acreditar em cristianismo e eu posso acreditar em hinduísmo. Mas isso não quer dizer que você vai envelhecer e eu permanecerei jovem. Todos estamos envelhecendo. É uma lei natural.

Lennon – Você está dizendo que existe um Deus controlando todos nós?

Prabhupada – Há um Deus e uma lei da natureza. Todos nós somos controlados pelo supremo. A única tolice é ignorar que não fazemos parte do supremo.

Lennon – Que diferença faz ser um devoto de Krishna?

Prabhupada – Esse movimento é dirigido àqueles que decidiram entender a ciência de Deus. Não somos um grupo sectário. Qualquer um pode fazer parte: cristãos, judeus, universitários, economistas,… qualquer um.

Lennon – O que seu movimento ensina às pessoas?

Prabhupada – Primeiramente, elas têm de entender que são um espírito, razão pela qual mudam de corpo em cada encarnação. Esse é o ABC da compreensão espiritual. Quando seu corpo chega ao fim, você não chega ao fim. Você ganha um novo corpo, como se passasse a vestir uma nova roupa. Se amanhã você vier me visitar vestindo uma nova roupa, isso não quer dizer que você será uma pessoa diferente. Da mesma forma, toda vez que morre, você muda de corpo. Mas você – o espírito dentro do seu corpo – permanece o mesmo.

Lennon – Por que os Hare Krishna vendem livros nas ruas?

Prabhupada – A literatura que vendemos visa convencer as pessoas sobre a necessidade de uma vida espiritual. As pessoas vivem num paraíso de ignorantes e acham que quando seus corpos chegarem ao fim, tudo chegará ao fim. Isso é tolice.

Migração das almas

Lennon – Você diz que nossa próxima vida é determinada por leis naturais. Como funciona o processo de transmigração da alma?

Prabhupada – O processo é muito sutil. Depois da destruição do corpo físico, o corpo sutil (e invisível) da inteligência, mente e ego, encarrega-se de transferir a alma para um novo corpo. O processo é invisível, como o do ar carregando uma fragrância. Ninguém vê esse perfume de rosas que está no ar, mas todos sabemos que ele está sendo transportado pelo ar. De acordo com o estado da mente no momento da morte, o espírito penetra um novo corpo, que poderá ser tanto um ser humano quanto um gato, um cachorro, qualquer coisa.

Lennon – Quer dizer que éramos algo diferente em nossa vida anterior?

Prabhupada – Sim.

Lennon – E continuaremos a voltar em diferentes formas?

Prabhupada – Sim, porque somos eternos. Mas talvez você queira aprender como sair fora desse círculo vicioso [lê um trecho do “Bhagavad-Gita”]: “Aquele que conhece a natureza transcendental de Deus liberta-se do círculo de nascimento e morte”.

Lennon – Qual é o objetivo final da vida? Por que existimos?

Prabhupada – O objetivo da vida é a felicidade. Mas a maioria das pessoas está sofrendo e nem sequer sabe disso. Elas sofrem porque acham que são apenas o presente corpo. Toda a civilização moderna funciona com base no (falso) princípio de que o corpo é tudo. Em toda parte, o que se vê é luta pela existência. Todos estão lutando pela vida. Mas e a felicidade, onde está? As pessoas estão apenas sofrendo e morrendo num oceano de ignorância. A felicidade só vem quando se descobre a verdadeira plataforma da vida, a plataforma espiritual. Mas o universo espiritual é como uma fronteira. Só é possível entendê-la quando a cruzamos.

 

* O texto aqui reproduzido é um excerto de “Beatles na Índia: diálogos inéditos com o Swami do Hare Krishna”, publicado em PLANETA 117, de junho de 1982.