01/06/2012 - 11:16
Por milênios as aparições bruxuleantes da aurora boreal permaneceram insondáveis, mas a ciência, aos poucos, vem dissecando o fenômeno.
As auroras boreais têm sua origem na atividade solar. Na superfície do Sol, erupções gigantescas, ejeções de plasma, expelem labaredas colossais, com centenas de milhares de quilômetros de extensão, cuja temperatura ronda os 20 milhões de graus Celsius. Essa atividade é constante e acontece em todas as direções. O Sol alterna períodos de maior e menor atividade a cada 11 anos, aproximadamente. Em 2011, uma dessas erupções alcançou 800 mil km de extensão. Além de calor, são expelidas enormes quantidades de partículas atômicas – elétrons, prótons e partículas alfa, que vagam como radiação solar, ou vento solar, em nossa direção.
No norte, as auroras são boreais, e no sul, austrais. São mais vistas no norte, uma vez que há mais ocupação humana até as proximidades do Polo Norte, enquanto no sul, devido à vastidão de águas abertas ao redor do polo, há menos gente para observá-las. Quando ocorre no norte, está acontecendo igualmente no sul. O que pode fazer a diferença entre vê-las ou não é o céu nas regiões polares, frequentemente encoberto.
Foi Galileu quem cunhou a expressão Aurorae borealis, em 1619, em referência a Aurora, a deusa romana do amanhecer, e a seu filho, Bóreas, o representante dos ventos do norte. Já a expressão Aurora australis foi cunhada um século depois pelo navegador inglês James Cook (1728-1779), ao observar as intrigantes luzes durante sua circum-navegação global a bordo das naus Resolution e Adventure, quando alcançou a mais baixa latitude até então (70°10”S), cruzando pela primeira vez o Círculo Polar Antártico.
Observatório gelado
No fim do século 19, o cientista norueguês Kristian Birkeland construiu um dispositivo formado por uma câmara a vácuo e uma esfera e provou que os elétrons eletricamente estimulados eram guiados para as regiões polares da esfera. Hoje, cientistas como os holandeses Rob Stammes e Therese van Nieuwenhoven perscrutam o céu dia e noite para analisar o fenômeno, instalados na pequena vila pesqueira de Laukvik, nas Ilhas Lofoten, localizadas dentro do Círculo Polar Ártico, no norte da Noruega.
Rob e Therese são responsáveis por um centro de vanguarda de monitoramento, pesquisa e observação de auroras boreais, o Polar Light Center. Mesmo a luz do dia, que impossibilita a observação visual do fenômeno, não é problema para a dupla de pesquisadores, amantes inveterados da “grande dama da noite” – como diziam os samis, os povos indígenas na Lapônia, no norte da Escandinávia.
Os cientistas podem verificar se uma aparição ocorre, com ou sem luz, através de uma parafernália de equipamentos. Mesmo à noite, a intensidade do fenômeno pode ser baixa ou o tempo pode estar fechado, mas os instrumentos sempre permitem saber se algo está ou não ocorrendo. “Viemos da Holanda para Laukvik por conta das particularidades geográficas e climáticas deste local. Este é um posto de observação estratégico privilegiado”, diz Therese. Para financiar a base, os pesquisadores oferecem uma modesta estrutura de hospedagem aos viajantes e aos aficionados nas luzes mágicas. Afinal, a ciência das auroras boreais ainda tem que avançar.
Didático, Rob explica que “as partículas atômicas deslocam-se muito mais lentamente do que a luz solar, que se move a 300 mil km/segundo, levando, todos os dias, oito minutos para alcançar a Terra. O vento solar precisa de mais tempo: em média, três dias para atingir nossa atmosfera”, diz. Ao se aproximarem da Terra, as partículas colidem com a atmosfera, se dispersam, são imediatamente atraídas pelo magnetismo dos polos e “reorganizadas” em forma de anéis em torno das regiões polares. Com o impacto, é liberada energia luminosa. Processo semelhante se dá nos antigos tubos de televisão. Rob explica também que, quando um de seus instrumentos detecta uma explosão solar mais ou menos alinhada em direção à Terra, ele sabe que em aproximadamente 72 horas haverá uma aurora boreal.
Analisando a intensidade da explosão solar, ele pode deduzir a magnitude aproximada da aurora e classificá-la em uma escala de intensidade de 0 a 9. O efeito luminoso ocorre geralmente em torno de 200 km de altitude, mais comumente na coloração verde, devido à emissão de átomos de oxigênio nas altas camadas atmosféricas. Quando a tempestade é mais intensa, camadas mais baixas da atmosfera são atingidas, em torno de 100 km acima da superfície do planeta, produzindo a tonalidade vermelho-escura pela emissão de átomos de nitrogênio.
Quanto mais intensa a erupção solar, maior a ejeção de partículas, mais potente é o vento solar e maior magnitude tem a aurora boreal. E, quanto maior sua magnitude, mais o anel formado em torno das regiões polares se alarga – nessas circunstâncias, a aurora pode ser vista de latitudes mais baixas. Há poucos meses ela foi observada de lugares incomuns, na Alemanha, Bélgica, Dinamarca e norte dos Estados Unidos, em uma das maiores erupções solares dos últimos seis anos. Em 1956, uma aurora boreal teria sido supostamente avistada no Egito.
Luzes humanas
Nas manifestações mais intensas, as auroras podem causar danos a instrumentos eletrônicos, interferindo em sua precisão e causando possíveis riscos em setores sensíveis, como a navegação aérea e as telecomunicações, através de alteração do movimento de bússolas, da ação de radares e da queima de células solares em satélites artificiais. No entanto, até hoje são raros os danos significativos relatados. A atividade humana também é lamentavelmente capaz de desencadear o fenômeno: um teste atômico denominado Starfish Prime, realizado pelos Estados Unidos em 9 de julho de 1962, que detonou uma bomba nuclear a aproximadamente 400 km de altitude, gerou uma aurora artificial que iluminou durante sete minutos o céu sobre o Oceano Pacífico.
A aurora não é exclusividade terrestre, ocorrendo em Vênus, Marte, Júpiter e Saturno e até mesmo em luas de Júpiter. Apesar de Vênus ser destituído de campos magnéticos, assim mesmo o fenômeno ocorre, a partir da ionização de partículas da atmosfera venusiana pelos ventos solares, que assolam a fervente superfície do planeta a mais de 400 km/h. Em 2004, uma sonda espacial detectou uma aurora boreal em Marte.
A observação gerou uma interessante pesquisa e o material foi publicado no ano seguinte. O campo magnético de Marte é notadamente mais fraco que o terrestre, e havia certo consenso de que a ausência de um campo forte tornaria impossível a ocorrência do fenômeno – assim como em Vênus, que nem campo magnético tem. O consenso era equivocado: verificou-se que tanto em Marte como em Vênus a dinâmica do fenômeno é bastante semelhante à terrestre. Como Marte tem sempre seu lado diurno voltado para a Terra, a aurora boreal marciana jamais pode ser observada daqui; isso é possível somente por meio de sondas espaciais que vasculharam a face noturna do Planeta Vermelho.
As auroras de Saturno podem se estender por vários dias, ao contrário das terrestres, que duram um punhado de horas. Júpiter e Saturno são planetas com campos magnéticos muito mais fortes do que os da Terra, o que potencializa o fenômeno. Por meio do telescópio Hubble vêm sendo observadas auroras em ambos os planetas. Algumas luas de Júpiter, especialmente Io, são fontes poderosas de auroras, através de correntes elétricas que transitam pelo campo magnético, geradas pelo mecanismo de dínamo relativo ao movimento contrário entre a rotação do planeta e a translação de suas luas.
Além de ser um palco privilegiado de observação de auroras boreais, o arquipélago de Lofoten é um dos centros mais antigos da pesca de bacalhau, devido à Corrente do Golfo, que nasce no Golfo do México, atravessa o Atlântico como um rio dentro do oceano e se dispersa na costa da Noruega. Suas águas, muito mais quentes do que as do Mar do Norte, deslocam também enormes massas de ar quente, que aquecem toda a região. Essas condições únicas tornam as ilhas o destino migratório milenar do bacalhau do Atlântico.
Lofoten também é um paraíso cênico cuja beleza selvagem encanta navegadores e turistas descolados que se aventuram naquelas paragens. A beleza dos barcos coloridos ancorados nas vilas pesqueiras, a luz quente e oblíqua e os picos pontiagudos dão ao arquipélago uma atmosfera bucólica e marinheira. Grandes picos rochosos em toda parte completam a paisagem grandiosa, às vezes ameaçadora. Uma linha costeira caprichosamente recortada forma incontáveis baías, ilhas, istmos e estreitos, que em conjunto oferecem abrigo para a fixação do homem defronte de um mar por vezes assustador.
Em 1981, um agricultor descobriu cacos de louça enterrados numa ilha. As escavações dos arqueólogos revelaram a maior moradia viking já descoberta, hoje reconstruída e transformada no Museu Lofotr, que mantém vivas algumas tradições da época, como a produção de pães, a forja de espadas e a tecelagem, sempre sob a precária luz amarelada de lamparinas alimentadas por óleo de fígado de bacalhau. Foi com os barcos abarrotados de bacalhau seco que os guerreiros vikings, exímios negociantes e (hoje se sabe) hábeis fazendeiros, se lançaram em grandes conquistas, cortando mares desconhecidos, sob um céu onde bruxuleavam luzes misteriosas.