05/03/2020 - 13:10
A economia histórica da Mongólia (país do centro-leste da Ásia, pátria de Gêngis Khan) está entre as menos compreendidas em qualquer região do mundo. Os ventos extremos e persistentes da área eliminam os sinais de atividade humana e evitam o acúmulo de sedimentos nos quais os arqueólogos se baseiam para preservar o passado. Atualmente, o cultivo agrícola compreende apenas uma pequena porcentagem da produção de alimentos da Mongólia, e muitos estudiosos argumentam que o país apresenta um exemplo único de populações humanas adensadas e sistemas políticos hierárquicos formados sem agricultura intensiva ou armazenamento de grãos.
Um estudo recente, liderado por Shevan Wilkin, do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana (MPI SHH, da Alemanha), forneceu, pela primeira vez, uma visão detalhada das dietas e vidas dos mongóis antigos. Os pesquisadores ressaltam a importância dos milhetos (variedade de milho com grãos pequenos, também chamada de painço) durante a formação dos primeiros impérios nas estepes.
O trabalho foi apresentado em artigo publicado na revista “Scientific Reports”.
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Importância imperial
Colaborando com arqueólogos da Universidade Nacional da Mongólia e do Instituto de Arqueologia de Ulaanbaatar, Wilkin e seus colegas do MPI SHH testaram amostras de pedaços de dentes e ossos das costelas de 137 indivíduos previamente escavados. Os fragmentos foram levados a um laboratório de isótopos em Jena, Alemanha, onde os pesquisadores extraíram o colágeno ósseo e o esmalte dental para examinar as proporções de isótopos estáveis de nitrogênio e carbono.
Com essas proporções em mãos, os cientistas conseguiram reconstruir as dietas de pessoas que viveram, comeram e morreram centenas ou milhares de anos atrás. Os pesquisadores acompanharam as tendências da dieta ao longo dos milênios, criando uma “paisagem” que mostrou claramente diferenças significativas entre as dietas dos povos da Idade do Bronze e as adotadas durante os impérios mongol e Xiongnu.
Uma dieta mongol típica da Idade do Bronze se baseava em leite e carne e provavelmente era complementada com pequenas quantidades de plantas naturalmente disponíveis. Mais tarde, durante o Império Xiongnu, as populações humanas exibiram uma gama maior de valores de carbono, mostrando que algumas pessoas permaneceram na dieta comum na Idade do Bronze, mas muitas outras consumiram uma alta quantidade de alimentos à base de milho.
Curiosamente, aqueles que viviam perto das regiões centrais do império pareciam consumir mais alimentos à base de milheto do que aqueles que moravam mais longe. Isso sugere um apoio imperial aos esforços agrícolas nas regiões políticas mais centrais.
História repensada
As novas descobertas apresentadas neste artigo mostram que o desenvolvimento dos primeiros impérios na Mongólia, como em outras partes do mundo, estava ligado a uma economia diversificada que incluía a produção local ou regional de grãos. Bryan K. Miller, coautor que estuda os registros históricos e arqueológicos dos impérios da Ásia Central, observou que “esses regimes eram como a maioria dos impérios, na medida em que dirigiam intrincadas redes políticas e procuravam acumular um excedente estável – nesse caso, principalmente pastoril, que foi aumentado por outros recursos, como o milho”.
“A esse respeito”, acrescentou Miller, “este estudo nos aproxima um passo da compreensão dos processos culturais que levaram a humanidade ao mundo moderno”.
A visão de que todos na história da Mongólia eram pastores nômades distorceu as discussões sobre o desenvolvimento social nessa parte do mundo. Wilkin observou que “deixar de lado nossas ideias preconcebidas de como era a pré-história e examinar o registro arqueológico com abordagens científicas modernas está nos forçando a reescrever seções inteiras do passado da humanidade”.