Um homem do estado do Arizona (EUA) morreu e sua esposa foi hospitalizada depois de tomar uma forma de cloroquina, que o presidente Donald Trump considerou um tratamento eficaz para a Covid-19. O casal decidiu se automedicar com fosfato de cloroquina, que eles tinham à mão para matar parasitas em seus peixes, depois de ouvir o presidente descrever a droga como uma “mudança de jogo”.

Anthony Fauci, chefe do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos Institutos Nacionais da Saúde (NIH, na sigla em inglês), corrigiu rapidamente a declaração, explicando que os comentários de Trump eram baseados em histórias e não em um ensaio clínico controlado.

Sou uma química medicinal especializada em descoberta e desenvolvimento de medicamentos antivirais e trabalho ativamente com coronavírus há sete anos.

LEIA TAMBÉM: Coronavírus: análise de genoma sugere combinação de dois vírus

No entanto, como sou cientista e trato de fatos e medicina baseada em evidências, estou preocupado com as declarações gerais que o presidente vem fazendo sobre o uso de cloroquina ou a hidroxicloroquina intimamente relacionada, ambas as drogas antimaláricas, como cura para a Covid-19 Então, vamos examinar os fatos.

O que são cloroquina e hidroxicloroquina?

Esses são os dois medicamentos antimaláricos aprovados pela FDA que estão em uso há muitos anos. A cloroquina foi originariamente desenvolvida em 1934 na empresa farmacêutica Bayer e usada na Segunda Guerra Mundial para prevenir a malária.

Embora a Food and Drug Administration (FDA, agência governamental dos EUA que regula alimentos e remédios) não tenha aprovado seu uso para essas condições, a cloroquina e a hidroxicloroquina também são usadas no tratamento da artrite reumatoide e lúpus.

O que provocou a conversa de que este medicamento pode funcionar?

Após o surto inicial da MERS (a síndrome respiratória do Oriente Médio), em 2012, os cientistas realizaram exames aleatórios de milhares de medicamentos aprovados para identificar um que pudesse bloquear a infecção por MERS. Vários medicamentos, incluindo a cloroquina, mostraram a capacidade de bloquear os coronavírus de infectar células in vitro. Mas esses medicamentos não foram amplamente utilizados porque, em última análise, não mostraram atividade suficiente para serem considerados mais adiante.

Quando o novo coronavírus apareceu, muitos medicamentos que haviam demonstrado alguma promessa inicial contra os coronavírus relacionados MERS e SARS (a síndrome respiratória aguda grave, de 2002-2003) estavam no topo da lista como válidos para avaliação adicional quanto a possíveis tratamentos.

Portanto, a ciência é real e vários laboratórios em todo o mundo estão agora investigando esses medicamentos e testando-os em ensaios clínicos nos EUA, França  e China. Até agora, porém, não há consenso sobre se os medicamentos são seguros e eficazes para o tratamento da Covid-19, pois ainda é muito cedo no processo de teste.

Por que os medicamentos antimaláricos funcionariam em um vírus?

Ainda não está claro como as cloroquinas (ou qualquer medicamento antimalárico) funcionariam contra a Covid-19, que tem um vírus como origem. A malária é causada por parasitas do Plasmodium, que são transmitidos por mosquitos, enquanto a Covid-19 é causada pelo vírus SARS-CoV-2.

As infecções virais e parasitárias são muito diferentes e, portanto, os cientistas não esperariam que o que funciona para um funcionasse para o outro. Foi sugerido que as cloroquinas podem alterar a acidez na superfície da célula, impedindo o vírus de infectá-la.

Também é possível que as cloriquinas ajudem a ativar a resposta imune. Um estudo recém-publicado testou a hidroxicloroquina em combinação com um medicamento antibacteriano (azitromicina), que funcionou melhor para impedir a disseminação da infecção do que a hidroxicloroquina sozinha. No entanto, é apenas um estudo preliminar que foi realizado em um grupo de teste limitado.

Outros medicamentos são promissores?

Que eu saiba, nenhum outro medicamento antimalárico demonstrou atividade significativa contra o tratamento de coronavírus. No entanto, outro medicamento em potencial chegou à vanguarda. O remdesivir, desenvolvido pela Gilead Pharmaceuticals [empresa da qual a autora do artigo foi consultora – N. da R.], parece ser altamente eficaz na prevenção de vírus – incluindo coronavírus como SARS e MERS e filovírus como o ebola – de se replicarem.

No final de fevereiro, o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID, na sigla em inglês) lançou um ensaio clínico para o Remdesivir. E agora em março a Gilead lançou dois ensaios de fase III do medicamento em centros médicos na Ásia.

Devo começar a tomá-los para afastar o coronavírus?

Absolutamente não. A cloroquina e a hidroxicloroquina não foram adequadamente avaliadas em estudos controlados, sem mencionar que apresentam efeitos colaterais numerosos e, em alguns casos, mortais.

Ninguém deve tomar um medicamento que não tenha sido comprovadamente seguro e eficaz para uma doença ou condição para a qual não foi aprovado. Existem muitos problemas que podem surgir, desde efeitos colaterais a toxicidade grave e morte devido a possíveis interações com outros medicamentos e outras condições de saúde subjacentes.

Portanto, até que estes ou quaisquer medicamentos se mostrem eficazes contra o SARS-CoV-2 em ensaios clínicos e tenham sido aprovados pela FDA, ninguém deve se automedicar.

 

* Katherine Seley-Radtke é professora de Química e Bioquímica da Universidade de Maryland em Baltimore (EUA) e presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa Antiviral

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.