13/04/2020 - 10:58
Quando a agricultura surgiu nas primeiras civilizações, as culturas foram domesticadas em quatro locais ao redor do mundo – arroz, na China; grãos e leguminosas, no Oriente Médio; milho, feijão e abóbora, na Mesoamérica; e batatas e quinoa, nos Andes. Agora, uma equipe internacional de pesquisadores liderada por Umberto Lombardo, da Universidade de Berna (Suíça), confirmou uma quinta área de domesticação no sudoeste da Amazônia, onde mandioca, abóbora e outros alimentos comestíveis se tornaram plantas de cultivo durante o início do Holoceno, há mais de 10 mil anos.
“Nossos resultados confirmam os Llanos de Moxos como um ponto de acesso para o cultivo precoce de plantas e demonstram que, desde a sua chegada, os seres humanos causam uma alteração profunda das paisagens da Amazônia, com repercussões duradouras na heterogeneidade de habitat e conservação de espécies”, relataram os pesquisadores em artigo na revista “Nature”.
Llanos de Moxos é uma savana de aproximadamente 126 mil quilômetros quadrados (mais ou menos os territórios de Pernambuco e Alagoas somados), localizada no departamento de Beni, na Bolívia, no sudoeste da Amazônia. A paisagem é pontilhada por trechos com características de terraplanagem, incluindo campos elevados, montes, canais e ilhas da floresta. Os pesquisadores analisaram as ilhas da floresta localizadas dentro da vasta savana em busca de sinais antigos de agricultura.
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Moldagem mais antiga
“A área da savana de Llanos de Moxos inunda de dezembro a março e é extremamente seca de julho a outubro, mas os montes permanecem acima do nível da água durante a estação chuvosa, permitindo que as árvores cresçam sobre elas”, escreveram os cientistas no artigo.
“Os montes promoveram a diversidade da paisagem e mostram que comunidades em pequena escala começaram a moldar a Amazônia 8 mil anos antes do que se pensava anteriormente. (…) Nossa pesquisa confirma que essa parte da Amazônia é um dos primeiros centros de domesticação de plantas do mundo.”
José Capriles, professor assistente de antropologia da Universidade Estadual da Pensilvânia (Penn State, dos EUA) e coautor do estudo, afirmou: “Basicamente mapeamos grandes seções das ilhas da floresta usando sensoriamento remoto. (…) Levantamos a hipótese de que as ilhas florestais de formato regular tinham origem antrópica.”
No entanto, Umberto Lombardo fez uma ressalva importante: “A maioria das ilhas florestais circulares é de fato artificial, e as irregulares, não. Não existe um padrão claro”.
Há mais de 4.700 ilhas florestais artificiais na savana de Llanos de Moxos, de acordo com os pesquisadores. Eles confirmaram sua hipótese em aproximadamente 30 dessas ilhas e mostraram que muitas podem ter servido como áreas de plantio humano.
Análise de fitólitos
“As evidências arqueológicas para a domesticação de plantas estão muito mal disponíveis, especialmente na Amazônia, onde o clima destrói a maioria dos materiais orgânicos”, disse Capriles. “Não há pedras nessa área porque se trata de uma planície aluvial (água depositada) e é difícil encontrar ali evidências de caçadores-coletores primitivos.”
Os pesquisadores (além de Lombardo e Capriles, Heinz Veit, da Universidade de Berna; Jose Iriarte e Lautaro Hilbert, da Universidade de Exeter, no Reino Unido; e Javier Ruiz-Pérez, da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, na Espanha) analisaram fitólitos, minúsculas partículas minerais que se formam no interior das plantas, a partir de amostras datadas de radiocarbono, extraídas de escavações arqueológicas e núcleos sedimentares das ilhas da floresta.
A forma dos fitólitos baseados em sílica depende das plantas em que se formam, permitindo que os arqueólogos identifiquem as plantas que foram cultivadas nas ilhas da floresta. A equipe encontrou evidências de mandioca 10.350 anos atrás, e abóbora, 10.250 anos atrás. O milho precoce (híbridos que se desenvolvem em um menor período de tempo) aparece há 6.850 anos.
Domesticação precoce
Mandioca, abóbora, milho e outros alimentos ricos em carboidratos, como batata-doce e amendoim, provavelmente compuseram a maior parte da dieta em Llanos de Moxos, complementada por peixes e grandes herbívoros.
“Arqueólogos, geógrafos e biólogos argumentam há muitos anos que o sudoeste da Amazônia era um provável centro de domesticação precoce de plantas, porque muitas cultivares importantes como mandioca, abóbora, amendoim e algumas variedades de pimenta e feijão são geneticamente muito próximas das plantas selvagens que vivem ali”, disse Lombardo, principal autor do artigo. “No entanto, até este estudo recente, os cientistas não haviam pesquisado nem escavado antigos sítios arqueológicos nessa região que pudessem documentar a domesticação pré-colombiana dessas culturas importantes em todo o mundo.”
Os pesquisadores sugerem que seus dados indicam que os primeiros habitantes do sudoeste da Amazônia não eram apenas caçadores-coletores, mas envolvidos no cultivo de plantas no início do Holoceno. As pessoas mais antigas da região podem ter chegado lá já capacitadas para praticar uma economia mista.