16/04/2020 - 17:17
Em uma megalópole complexa como São Paulo, com enormes desigualdades econômicas, sociais e culturais, a definição de estratégias de ação e a eficácia de medidas de combate à pandemia da covid-19 constituem um formidável desafio.
As diferenças que distinguem grupos sociais em uma cidade de mais de 12 milhões de habitantes ficam evidentes no estudo “Os padrões urbano-demográficos da capital paulista”, produzido por Marcelo Nery, Altay de Souza e Sérgio Adorno.
A pesquisa, que teve apoio da Fapesp, foi realizada no âmbito do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela Fundação.
“Enfrentar a pandemia em São Paulo é algo extremamente desafiador devido à heterogeneidade. Não existe um único corte, entre centro e periferia ou entre ricos e pobres, mas uma situação muito mais complexa”, diz Adorno à Agência Fapesp. Professor titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ele é o coordenador científico do NEV-USP.
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Adorno cita como exemplo a alta concentração de pessoas em moradias precárias (leia mais em http://agencia.fapesp.br/32874). “Por mais necessário que seja o confinamento, é muito difícil que ele seja cumprido à risca nos agrupamentos urbanos onde predominam trabalhadores de baixa renda e escolaridade, e elevada densidade demográfica por cômodo de residência, o que dificulta o isolamento social. Além do mais, a maior parte das pessoas passa o dia em atividades fora de casa, o que intensifica o contato interpessoal. Grande parte dos trabalhadores informais depende de sair à rua diariamente para se sustentar. A pandemia ressalta, de maneira dramática, toda a escandalosa desigualdade social do país”, diz.
Agrupamentos urbanos distintos
O artigo publicado por Adorno e outros pesquisadores é parte de um grande survey longitudinal (método de pesquisa que analisa a evolução das mesmas variáveis nos mesmos grupos de indivíduos ao longo de um largo período de tempo) iniciado em 2013.
A pesquisa identificou oito agrupamentos urbanos, muito diferentes uns dos outros, que se constituíram ao longo do processo histórico de urbanização e expansão da cidade. “Não são agrupamentos urbanos definidos por um recorte espacial preciso, mas por 19 variáveis econômicas, sociais e culturais, submetidas à análise fatorial”, explica Adorno.
Para identificar esse mosaico que compõe a cidade, o estudo levou em conta dados habitacionais, populacionais e de condições sanitárias e de higiene dos últimos quatro censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (1980, 1991, 2000 e 2010), pesquisa origem destino do Metrô de São Paulo de 2007, informações da prefeitura do município de São Paulo e da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa) para compor um conjunto de 19 indicadores sobre condições ambientais, habitacionais, sanitárias e de higiene, mobilidade urbana, padrões criminais, perfil populacional, dados habitacionais, entre outros.
A análise desses dados revelou uma São Paulo dividida em oito agrupamentos. O grupo A se concentra na área central da cidade – inclui as regiões das avenidas Paulista e Engenheiro Luís Carlos Berrini, por exemplo –, tem bons índices de condições sanitárias e higiene, possui a mais alta variação de domicílios particulares permanentes e a maior proporção de verticalização, com alta proporção de chefes de família alfabetizados (99,3%) e de alta renda (8,6%) e vários setores sem registro de homicídios dolosos.
Urbanização irregular
O grupo B, também localizado na região central, se assemelha ao grupo A no que se refere às condições sanitárias e de higiene e de domicílios particulares permanentes, mas tem maior proporção de domicílios improvisados, baixa densidade demográfica e maior proporção de população masculina jovem.
Com reduzido número de aglomerados subnormais (ocupações irregulares) e boas condições sanitárias e de higiene, também o grupo C se destaca pela grande proporção de chefes de família alfabetizados (98,9%) e de alta renda (5,5%). Já o grupo D tem índice de verticalização baixo, baixa proporção de domicílios com instalação sanitária e infraestrutura menos adequada, em comparação aos grupos A, B e C.
O grupo E se caracteriza por aglomerados subnormais (25,5%), domicílios improvisados e menor índice de chefes de família com renda alta. As análises indicam que o grupo está entre os mais atingidos por migrações e demanda por habitações nos anos 1950, registra saturação viária e formação de cortiços e favelas.
Nos limites extremos da cidade, em zona de proteção aos mananciais e em áreas de risco, a pesquisa identifica o grupo F, com baixa variação relativa do crescimento populacional e de domicílios particulares permanentes.
O grupo G é resultado da urbanização desordenada e do processo de favelização, caracterizando-se como área particularmente vulnerável, marcada pela insegurança habitacional e má qualidade dos serviços públicos.
Nas “franjas da Serra da Cantareira”, nos subúrbios de São Paulo, a pesquisa identificou o grupo H, instalado em área de risco, com os piores índices de atendimento de água, esgoto e coleta de lixo, alta taxa de homicídios e atividade agrícola consolidada.
Espaço heterogêneo
“As análises descritas neste trabalho salientam com clareza o fato de que o espaço urbano é heterogêneo”, afirmam os autores, sublinhando que a dicotomia centro-periferia não dá conta de explicar a diversidade social, econômica e os usos do tecido urbano da cidade de São Paulo.
Eles concluem que a “identificação do conjunto de padrões urbanos coloca-se como estratégia para pesquisa e intervenções” e sublinham que esses padrões “podem formar a base de uma administração pública mais bem embasada na estrutura do município, promovendo assim políticas públicas melhor fundamentadas e efetivas”.
“O Estado está defasado em relação à dinâmica social. Mesmo em São Paulo, a cidade mais desenvolvida do país, a divisão político-administrativa não corresponde à cidade real. E beneficia uns em detrimento dos outros”, conclui Adorno.