01/06/2012 - 15:21
O político que morreu pelos seus ideais é um dínamo de convicção e de energia em tempos difíceis
Se o general Charles de Gaulle é considerado o libertador da opressão nazista na França, Jean Moulin é o herói que deu a vida pela liberdade do seu povo. Em meio à polarização recente das eleições presidenciais, à economia ameaçada e à crise de identidade da França, a celebração unânime da memória do líder da Resistência emerge como um catalisador de energia cívica. Símbolo da retidão e do patriotismo, o nome Jean Moulin batiza centenas de escolas, ruas, praças e uma movimentada estação de trem em Paris. O Museu Jean Moulin, que perpetua a história do líder, é um dos totens da educação pública francesa.
Essa é uma história de bravura que inspira todas as correntes políticas francesas, à direita, à esquerda e ao centro. Nascido em Béziers, em 1899, o jovem advogado Jean Moulin pretendia seguir a carreira política. Eleito em 1937, por L’Aveyron, foi o mais jovem prefeito da França, elegendo-se também em 1939 pela cidade de Chartres. A guerra, entretanto, interrompeu uma carreira promissora.
Depois da Primeira Guerra Mundial, a França construíra na fronteira com a Alemanha um sistema de fortalezas interligadas por túneis que supunha suficiente para barrar qualquer invasão, a inexpugnável “Linha Maginot”. Vencida em 1918 e humilhada pelo draconiano Tratado de Versalhes, a Alemanha preparou-se abertamente para a desforra. Mas em 10 de maio de 1940, às 4h45, quando a ofensiva eleito em 1937, por L’Aveyron começou, todos os observadores foram supreendidos pela invasão da Bélgica e da Holanda, nações declaradas neutras, e pelo aparecimento de uma maneira desconcertante de guerrear. A superioridade bélica não foi o único motivo da derrocada em 40 dias da França: os alemães inventaram uma guerra sob o signo da velocidade, a blitzkrieg, enquanto os franceses pretendiam reeditar, em 1940, os combates de 1915-18.
A ocupação que veio a seguir é assunto indigesto até hoje, pois toca no âmago de dois grandes tabus franceses: o antissemitismo e a política colaboracionista com os alemães conduzida pelo governo do marechal Philippe Pétain, herói da guerra anterior. Com o armistício, a França se viu dividida em três partes: a região de Alsácia-Lorena, anexada à Alemanha; o centro-sul, administrado por Pétain, em Vichy; e o norte e a costa atlântica, incluindo Paris, sob a custódia direta da Wermacht.
Para se ter uma ideia da dimensão da colaboração com o inimigo, mais de 100 mil franceses concordaram em trabalhar nas fábricas alemãs. Entretanto, nos quatro anos de duração do regime de Vichy, cerca de 30 mil foram fuzilados como reféns em represália a atos de resistência, tanto pela Gestapo como pelos miliciens, a milícia francesa de Pétain. Algumas aldeias, como Oradour-sur-Glane, foram destruídas, e a população, massacrada. Ao mesmo tempo, milhares de judeus franceses foram sumariamente deportados para a morte em campos de concentração, sob a vista de todos.
“Abdique de sua liberdade ou aceite o massacre.” Essas palavras duras ecoaram no espírito dos franceses que nao aderiram à Resistencia por medo ou oportunismo, preferindo resguardar a vida e o patrimônio. Os insurgentes não davam trégua à conciliação e perguntavam: “Que golpe poderia atingir mais profundamente a liberdade intelectual, a cultura e a moral do que a derrota?” Depois da vitória dos aliados, em 1945, a cooperação com os alemães virou um estigma doloroso. Muitos franceses foram perseguidos por isso.
Homem da sombra
A ação dos grupos de guerrilha – os maquis – salvou a nação de sucumbir política e moralmente durante a ocupação, e magnetizou o nome e a trajetória de Jean Moulin. Em 1939, já como prefeito de Eure-et-Loir, Moulin foi preso pelos alemães por se recusar a assinar um documento falso e racista que culpava tropas senegalesas do Exército francês pelo massacre de civis. Interrogado e torturado, tentou o suicídio cortando a garganta com um pedaço de vidro quebrado. Sobreviveu e, desde estão, passou a usar um cachecol para esconder a cicatriz no pescoço. A vetimenta acabou incorporada à sua imagem e consagrada na efígie da moeda de 2 francos, lançada em 1993.
Enquanto convalescia, Moulin foi deposto por Pétain do cargo de prefeito, junto com dezenas de outros prefeitos de esquerda, sob acusação de comunismo, embora tivesse diferenças com esses. Depois disso, mudou-se para Saint-Andiol e, em novembro de 1940, passou à clandestinidade, com os codinomes Regis, Max e Rex. Foi um dos responsáveis pelo lançamento do jornal clandestino Combat, para propagar a resistência ao governo colaboracionista de Vichy e à ocupação germânica.
Em 1941, os insurgentes formavam grupos como o Combat; o Exército Secreto, do general Charles Delestraint; o Libération, de Emmanuel d’Astier; o Comité d’Action Socialiste, de Pierre Brossolette; a Frente Nacional, de Pierre Villon; e os Francs-Tireurs (franco-atiradores), de Marc Bloch. Todos realizavam ações incitando à luta e atacavam os alemães com sabotagens e guerrilhas. Viviam escondidos na clandestinidade e protegidos por redes de apoio.
Em setembro de 1941, Moulin e seus companheiros foram a Londres para encontrar o general De Gaulle e tentar a unificação dos movimentos de resistência numa frente única de libertação. De Gaulle incumbiu o ex-prefeito de intensificar a guerrilha e designou-o chefe da Resistência na França. Em 1942, Moulin retornou ao país clandestinamente, saltando de paraquedas em Salon-de-Provence. No ano seguinte, conseguiu unir três grupos no Movimento Unido da Resistência (MUR). Em 1943, voltou à Inglaterra e recebeu ordens de criar o Conselho Nacional da Resistência, para atrair os demais grupos e dinamizar a luta. A essa altura, o movimento já recebia apoio estratégico, financeiro e armas dos exércitos aliados.
Capital da resistência
Lyon, a segunda cidade mais importante da França depois de Paris, virou a capital da insurreição. O centro medieval da cidade, com suas vielas estreitas e traboules (300 escadarias e passagens labirínticas, construídas em pátios e edifícios do século 18, interligando ruas), facilitava os enconderijos de armas, as reuniões secretas e as fugas de guerrilheiros. Foi de Lyon que a Resistência preparou planos bem-sucedidos para apoiar o desembarque dos aliados no norte da África, em novembro de 1942.
Os nazistas reagiram instalando o quartel-general da Gestapo na cidade. O famigerado Klaus Barbie, chefe da repressão e das atrocidades cometidas em Dijon, foi enviado para lá como a missão de quebrar o movimento. Em 21 de junho de 1943, Moulin e uma dezena de líderes da Resistência foram presos espetacularmente pelos nazistas. Interrogado e torturado por Barbie, o líder não abriu a boca e não revelou nada aos captores. “Há um momento em que o ser humano se aniquila sob tortura”, escreveu o companheiro franco-atirador Marc Bloch, fuzilado em 1944 pelos nazistas. “Só verdadeiros combatentes têm o direito de falar de perigo, de coragem e das hesitações de coragem”, ressaltou. Moulin não se deixou quebrar em 17 dias de tortura.
Até hoje, a França debate as circunstâncias da captura do líder. Uma teoria sustenta que o companheiro Henry Hardy teria delatado Moulin sob tortura, mas a família Hardy já processou os divulgadores da “calúnia”. Outra versão afirma que Hardy teria sido ingênuo ao ser libertado da prisão, guiando inadvertidamente a Gestapo até a reunião do Conselho Nacional da Resistência no subúrbio de Caluire-et-Cuire, onde toda a cúpula foi presa.
Transferido para Paris, Moulin voltou a ser torturado. Em 8 de julho de 1943, em consequência dos ferimentos, morreu ou suicidou-se, perto de Metz, a bordo de um trem que o levava para a Alemanha, onde mais sofrimentos o aguardavam. Seus biógrafos tentam até hoje esclarecer as circunstâncias da sua morte.
Em dezembro de 1964, as cinzas do herói foram transferidas para o Panteão da França, em Paris. O escritor André Malraux, então ministro da Cultura, fez, na ocasião, um discurso famoso em que definiu o herói com poucas palavras: “Jean Moulin não era um sabotador que descarrilhava trens ou explodia pontes. Não usava armas, mas era um exército.”