01/06/2012 - 15:35
O acesso à água tende a se tornar cada vez mais complicado nas próximas décadas, conforme a população humana crescer, ficar mais urbana e afluente. Além disso, outras variáveis, como a mudança climática, devem interferir com mais frequência na questão, aumentando o risco de escassez desse bem comum. A quarta edição do relatório Managing water under uncertainty and risk, produzido pelo Programa de Avaliação Mundial da Água (WWAP, na sigla em inglês), da ONU, aborda a situação atual e as perspectivas futuras de diversas regiões do planeta em relação ao tema.
África
Na África Subsaariana apenas 5% da água doce renovável é utilizada anualmente. O abastecimento de água potável nas áreas rurais cresceu para 47% até 2008, mas estagnou em 80% nas áreas urbanas desde 1990. Só 31% da população usa instalações sanitárias adequadas.
Entre meados da década de 1990 e 2008, o número de pessoas desnutridas aumentou de 200 milhões para 350-400 milhões. Desde meados dos anos 1960, a produção agrícola aumentou em média menos de 2% ao ano, enquanto a população cresceu 3%. A falta d’água e a seca afetam o crescimento do PIB em um terço dos países.
Apenas um em cada quatro africanos tem acesso à eletricidade. A energia hidrelétrica fornece um terço da energia do continente, mas poderia suprir todas a sua necessidade de eletricidade. Apenas 3% dos recursos hídricos renováveis são atualmente explorados para a hidreletricidade. Mas os países africanos já começaram a abordar as questões transfronteiriças da água, relacionadas ao desenvolvimento hídrico, por meio de consórcios multinacionais de energia como o South African Power Pool e o West African Power Pool.
Países árabes e Ásia Ocidental
Cerca de dois terços da água de superfície disponível na região provêm dela, alimentando conflitos com os países a montante. No passado, disputas criaram hordas de pessoas deslocadas internamente e destruíram a infraestrutura de água em países como Iraque, Kuwait e Líbano, esgotando recursos necessários para a recuperação. A fim de neutralizar o conflito potencial sobre os recursos hídricos, foram feitas tentativas de compartilhar a água escassa. A Liga dos Estados Árabes criou o Conselho Ministerial de Água Árabe e elaborou uma Estratégia de Segurança Árabe da Água.
A escassez tem gerado preocupações sobre a segurança alimentar. Gêneros alimentícios importados, especialmente grãos, respondem por uma quantidade considerável do consumo de água virtual na região. A produção local de cereais foi impulsionada pelo aumento do uso de águas subterrâneas para irrigação. No entanto, como os aquíferos sofrem rebaixamento, o bombeamento de água está se tornando cada vez mais caro e insustentável. O custo econômico da água de má qualidade no Oriente Médio e Norte da África varia de 0,5% a 2,5% do PIB. A governança da água precisa urgentemente de reforço para lidar com esses desafios.
As mudanças climáticas devem elevar a temperatura, aumentar a aridez do solo e mudar os padrões sazonais de chuva. Isso já pode ser visto na Síria e na Tunísia, por exemplo. A região também deve esperar inundações e secas mais frequentes, menos neve e derretimento em algumas regiões montanhosas e ao nível do mar e salinidade em aquíferos costeiros. O cenário é de alto risco.
Ásia e Pacífico
A região está passando por rápida urbanização, crescimento econômico, industrialização e desenvolvimento agrícola extensivo. Dois terços dos famintos do planeta vivem na Ásia.
Entre 1990 e 2008, 1,2 bilhão de pessoas ganharam acesso à água potável, elevando a proporção de 73% para 88%. da população. Juntas, China e Índia respondem por três quartos desse total. No entanto, a Ásia é também o lar de 72% dos 2,6 bilhões de pessoas no mundo que não utilizam instalações sanitárias adequadas.
A região é muito vulnerável a desastres naturais, com grande parte da população vivendo em áreas costeiras e sujeitas a inundações. Pequenas nações insulares do Pacífico são particularmente vulneráveis a furacões, ciclones tropicais e terremotos e estão expostas à elevação do nível do mar decorrente do aquecimento global. Alguns países da região estão mudando de uma ênfase no desenvolvimento de curto prazo da infraestrutura de água para uma abordagem mais estratégica, que reconhece o impacto ecológico do desenvolvimento econômico.
Europa e América do Norte
Os norte-americanos são os maiores usuários per capita de água do mundo, consumindo 2,5 vezes mais do que os europeus. Cerca de 3,5 planetas Terra seriam necessários para sustentar uma população global que imitasse o atual estilo de vida do europeu ou norte-americano. No entanto, bolsões de carência de água existem, particularmente entre os povos indígenas: mais de 10 mil residências em reservas do Canadá não têm água encanada e os sistemas de água ou esgoto são precários em uma de cada quatro reservas. Na Europa, cerca de 120 milhões de pessoas não têm acesso à água potável, muito menos a saneamento.
Um problema importante na Europa e na América do Norte é a poluição dos cursos-d’água por agrotóxicos, ou seja, nitrogênio, fósforo e pesticidas. Embora haja arcabouços legais para regular esse problema, nas bacias de drenagem do Mar Mediterrâneo, do leste do Oceano Atlântico e do Mar Negro a aplicação das medidas antipoluição está atrasada.
Em termos de gestão de águas transfronteiriças, a Diretiva-Quadro da Água da União Europeia (2000) e iniciativas mais recentes sobre as normas e as águas subterrâneas representam os únicos acordos de água supranacionais do mundo.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) prevê que o volume de água no verão irá diminuir em até 80% no sul da Europa e em algumas partes da Europa Central e Oriental nos anos 2070. O potencial de energia hídrica deverá cair em média 6% durante esse período. Na América do Norte, a mudança climática causará aumento da competição entre os usuários para recursos de água.
América Latina e Caribe
A população da região cresceu mais de 50% entre 1970 e 2009, embora as taxas de natalidade estejam diminuindo rapidamente. A população urbana triplicou nos últimos 40 anos, com uma tendência recente de crescimento rápido de cidades médias e pequenas, diferentemente da expansão acelerada das cidades de grande porte que ocorrera antes. Cerca de 35% dos habitantes (189 milhões de pessoas) ainda vivem na pobreza, 14% dos quais são muito pobres.
Muitos países têm-se beneficiado do aumento da demanda global por minérios, alimentos, madeira, peixes e turismo, uma vez que são dependentes da exportação “virtual” de água por meio desses bens e serviços.
Embora a maioria dos países tenha uma boa cobertura de água e saneamento, quase 40 milhões de pessoas ainda não possuem acesso à água tratada e cerca de 120 milhões, a instalações sanitárias adequadas. Em geral, trata-se de habitantes pobres das zonas rurais. A questão é política, não de ausência de recursos.
A região tem 61 bacias e 64 aquíferos que ultrapassam as fronteiras nacionais. Muitos países firmaram acordos de água transfronteiriços para gerenciar energia hidrelétrica, mas os obstáculos políticos muitas vezes têm induzido a conflitos. Os exemplos de acordos para a gestão compartilhada das águas subterrâneas são poucos e distantes entre si.
Com recursos de gerenciamento de água relativamente fracos, os países mais pobres da América Central, do Caribe e dos Andes correrão maior risco de impacto pela escassez do recurso. No lado positivo, as lições aprendidas a partir da adaptação às consequências do fenômeno El Niño (o aquecimento anormal das águas superficiais no leste do Oceano Pacífico, que afeta o clima regional e global) têm impulsionado a inovação tecnológica e a capacitação. Essas inovações devem ajudar os países a lidar com as mudanças climáticas.