O distanciamento social determinado pela pandemia de covid-19 trouxe um impacto significativo para a redução de poluentes e a recuperação da natureza, resultado perseguido há décadas por inúmeras iniciativas. Ainda que esse cenário seja efeito de uma crise global, especialistas avaliam que pode ser um marco para empresas, governos e cidadãos inaugurarem uma nova era de relação mais harmoniosa com o meio ambiente.

“Isso que está acontecendo é um estímulo para um vínculo maior entre as pessoas e a natureza. Em conservação, falamos no conceito de biofilia, que é a ideia de que gostar dos animais e das plantas é uma característica inata nossa, que podemos alimentar ou não”, aponta o pesquisador Fernando Fernandez, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor titular do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Mas para se tornar perene, essa mudança precisa ser amparada por um quadro regulatório legal que incentive a sociedade a ser menos poluente, assim como o desenvolvimento de políticas públicas que sejam capazes de promover soluções que integrem o verde ao cenário urbano.

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Integração

Fernandez cita o exemplo de cidades como Wellington (Nova Zelândia), San Francisco (Estados Unidos) e Edmonton (Canadá), que já despontam como pioneiras na biofilia.

O termo foi cunhado e popularizado pelo biólogo americano Edward Wilson, que defende a criação de cidades biofílicas, capazes de promover a integração entre pessoas, espaços naturais e a biodiversidade. Basicamente, essas localidades investem na disseminação de áreas verdes, como parques e praças; na integração entre arquitetura e vegetação (tetos verdes, por exemplo); na preservação de áreas nativas; na proteção da biodiversidade local e na educação voltada para a consciência ecológica.

No Brasil ainda não há nenhuma cidade que faça parte da rede global de cidades biofílicas, mas algumas potenciais candidatas são Curitiba e Maringá (PR), Florianópolis (SC), Campinas (SP), Niterói (RJ) e Belo Horizonte (MG). “Não temos cidades planejadas com esse conceito, mas essas localidades têm potencial para ser trabalhado nesse aspecto porque ainda conservam áreas naturais interessantes”, explica.

Comportamentos

“Estamos vendo o surgimento de um novo normal, que embora ainda com contornos não totalmente claros, já começa a desenhar algumas tendências. Uma delas é que, depois que isso tudo passar, as pessoas vão valorizar a natureza, vão querer se expor menos a situações de estresse, não vão querer perder horas diárias no trânsito. E a sociedade precisa estar preparada para isso”, afirma o engenheiro florestal e também membro da RECN Miguel Milano.

“Há anos os departamentos de Recursos Humanos falam que o home office é o futuro. Agora é o momento de gestores comprarem a ideia”, aponta o especialista, que há 15 adota a prática em seu cotidiano. “O home office é uma solução de máximo ganho para o planeta por seu efeito cascata. Ao reduzir os deslocamentos, reduz-se automaticamente a emissão de carbono. E outros ganhos vêm a reboque, como tempo, produtividade e qualidade de vida dos indivíduos.”

A realidade imposta pelo coronavírus tem mostrado o quanto a diminuição da atividade humana tem surtido efeito. Um levantamento da Agência Internacional de Energia (AIE), divulgado em abril, projetou uma redução de 8% nas emissões de dióxido de carbono (CO2) em 2020 em razão da pandemia. Se concretizada, seria a maior queda já registrada, podendo ser ainda maior, a depender de como a crise se desenrole ao longo do ano. Para se ter uma ideia da importância dessa redução, a ONU estima que para que o aquecimento global suba no máximo 1,5 °C até 2030 (a meta do Acordo de Paris), todos os anos o planeta deveria diminuir suas emissões em 7,6%.

Wellington, na Nova Zelândia: exemplo de cidade capaz de promover a integração entre pessoas, espaços naturais e a biodiversidade. Crédito: Piqsels