26/05/2020 - 11:45
Às vezes, o câncer permanece inalterado, mas muitas vezes ele entra em metástase, espalhando-se para novos locais no corpo. Suspeita-se há muito tempo que mutações genéticas que surgem no interior das células tumorais conduzem a essa reviravolta potencialmente devastadora de eventos. Agora, pesquisadores mostraram pela primeira vez que nossa genética preexistente pode promover metástases.
Um estudo publicado ontem (25 de maio) na revista “Nature Medicine” sugere que diferenças em um único gene, transportado no genoma de alguém desde o nascimento, podem alterar a progressão do melanoma, um tipo de câncer de pele. Os pesquisadores suspeitam que essas variações herdadas podem ter o mesmo efeito em outros tipos de câncer.
“Os pacientes costumam perguntar: ‘Por que sou tão azarado? Por que meu câncer se espalhou?’ Como médicos, nunca tivemos uma resposta”, diz o investigador principal, Sohail Tavazoie, professor e médico assistente sênior da Universidade Rockefeller (EUA). “Esta pesquisa fornece uma explicação.”
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A descoberta pode transformar a maneira como os cientistas avaliam as metástases do câncer e levar a uma melhor compreensão dos riscos dos pacientes para informar as decisões de tratamento, afirma Tavazoie.
O mistério das metástases
A metástase ocorre quando as células cancerígenas escapam do tecido original para estabelecer novos tumores em outros lugares, um fenômeno que leva à maioria das mortes por câncer. Os cientistas suspeitam que as células cancerígenas, que emergem inicialmente devido a mutações nas células normais, ganhem sua capacidade de se movimentar após outras mutações. Mas, depois de décadas de pesquisa, eles ainda precisam encontrar uma mudança genética que possa ser comprovada para incentivar metástases.
Pesquisas anteriores no laboratório de Tavazoie identificaram um gene chamado ApoE, presente no DNA de todas as células do corpo antes de surgir qualquer câncer, que pode afetar a propagação do melanoma. O gene produz uma proteína que parece interferir em vários processos usados pelas células cancerígenas para metastizar, como formar vasos sanguíneos, crescer mais profundamente em tecidos saudáveis e resistir a ataques de células imunes que combatem tumores.
Os seres humanos, no entanto, carregam uma das três versões diferentes de ApoE: ApoE2, ApoE3 e ApoE4. Segundo Benjamin Ostendorf, do Laboratório de Biologia de Sistemas do Câncer da Universidade Rockefeller e primeiro autor do estudo, essas variantes poderiam explicar por que o melanoma progride de maneira diferente em pessoas diferentes. Em experimentos com camundongos que possuem uma de cada possibilidade das versões do gene, ele e seus colegas descobriram que os tumores naqueles com ApoE4 eram menores e se espalhavam menos.
Uma análise mais detalhada revelou que ApoE4 é a versão mais eficaz de ApoE em termos de aumento da resposta imune às células tumorais. Comparados aos animais com outras variantes, os camundongos portadores de ApoE4 mostraram uma maior abundância de células T de combate ao tumor recrutadas no tumor de melanoma, bem como vasos sanguíneos reduzidos.
“Acreditamos que um grande impacto das variações na ApoE decorre de diferenças na forma como elas modulam o ataque do sistema imunológico”, diz Ostendorf.
Tratamento melhor
Dados genéticos de mais de 300 pacientes com melanoma humano acompanharam os experimentos com camundongos: em média, as pessoas com ApoE4 sobreviveram por mais tempo, enquanto as pessoas com ApoE2 viveram menos. Essa conexão com os resultados sugere que os médicos podem examinar a genética dos pacientes para avaliar o risco de progressão do câncer.
Isso também poderia influenciar o curso do tratamento. Às vezes, os pacientes com melanoma recebem terapia que estimula seu próprio sistema imunológico a combater melhor o câncer. A análise da equipe às informações desses pacientes, bem como as experiências com ratos, mostraram que aqueles com ApoE4 respondem melhor às terapias que incentivam o sistema imunológico.
Da mesma forma, os pesquisadores mostraram que um composto experimental que aumenta a produção de ApoE, o RGX-104, foi eficaz em ajudar ratos com ApoE4 a combater tumores. O RGX-104 está atualmente em ensaios clínicos. (Tavazoie é cofundador científico da Rgenix, a empresa que desenvolveu o RGX-104.)
Otimização de tratamentos
Novas pesquisas são necessárias para determinar como otimizar tratamentos para pacientes com outras variantes de ApoE, diz Tavazoie. O ApoE2, por exemplo, foi associado a um risco aumentado de metástase. As evidências dos pesquisadores até o momento sugerem que a capacidade de supressão de metástases do ApoE3 cai entre a dos outros dois. “Precisamos encontrar os pacientes cuja genética os coloca em risco de baixa sobrevivência e determinar quais terapias funcionam melhor para eles”, diz Tavazoie.
As implicações podem se estender além do câncer. Outros estudos mostraram que variações no gene ApoE contribuem para a doença de Alzheimer: o ApoE4 agrava o risco desse distúrbio neurodegenerativo, em contraste com a supressão da progressão do câncer.
“Não está muito claro o que o ApoE faz na doença de Alzheimer, mas acreditamos que nosso trabalho no câncer também pode trazer informações para nossa compreensão dessa doença”, diz Tavazoie. Seu laboratório, normalmente focado no câncer, começou a investigar a conexão com esse distúrbio neurodegenerativo.