23/06/2020 - 15:35
Uma equipe internacional de cientistas e historiadores encontrou evidências que conectam um período inexplicável de frio extremo na Roma antiga a uma fonte improvável: uma erupção maciça do vulcão Okmok, na ilha Umnak (do arquipélago das Aleutas), no Alasca, localizado no lado oposto da Terra.
Por volta da época da morte de Júlio César, em 44 a.C., fontes escritas descrevem um período de clima excepcionalmente frio, quebras de colheita, fome, doença e agitação na região do Mediterrâneo. Esses impactos acabaram contribuindo para a queda da República Romana e do Reino Ptolemaico do Egito. Os historiadores suspeitavam há muito tempo que um vulcão havia sido a causa, mas não conseguiam identificar onde ou quando uma erupção ocorreu, ou qual a gravidade dela.
Em um novo estudo publicado esta semana na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)”, uma equipe de pesquisa liderada pelo doutor Joe McConnell, do Desert Research Institute (DRI, nos Estados Unidos), usou uma análise de tefra (cinza vulcânica) encontrada em núcleos de gelo do Ártico para ligar o inexplicável período de clima extremo no Mediterrâneo à erupção do vulcão Okmok, em 43 a.C., que formou uma caldeira.
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Comparação de fragmentos
“Encontrar evidências de que um vulcão do outro lado da Terra entrou em erupção e contribuiu efetivamente para o desaparecimento de romanos e egípcios e a ascensão do Império Romano é fascinante”, disse McConnell. “Isso certamente mostra como o mundo estava interconectado mesmo há 2 mil anos.”
A descoberta foi feita inicialmente no ano passado no laboratório Ice Core do DRI, quando McConnell e o pesquisador Michael Sigl, do Oeschger Center for Climate Change Research da Universidade de Berna (Suíça), encontraram uma camada de tefra anormalmente bem preservada em uma amostra de núcleo de gelo e decidiram investigar.
Novas medidas foram feitas em núcleos de gelo da Groenlândia e da Rússia, alguns dos quais foram perfurados na década de 1990 e arquivados nos EUA, na Dinamarca e na Alemanha. Usando essas e outras medidas anteriores, eles conseguiram delinear claramente duas erupções distintas – um evento relativamente poderoso, porém de curta duração, no início de 45 a.C., e um evento muito maior e mais difundido no início de 43 a.C., com precipitação vulcânica que durou mais de dois anos em todos os registros do núcleo de gelo.
Mais frio e chuva
Os pesquisadores então conduziram uma análise geoquímica das amostras de tefra da segunda erupção encontradas no gelo, combinando os pequenos fragmentos com os da erupção Okmok II no Alasca – uma das maiores erupções dos últimos 2.500 anos.
“Comparamos a impressão digital química da tefra encontrada no gelo com a tefra de vulcões que se acredita terem entrado em erupção naquele período e ficou muito claro que a fonte da precipitação de 43 a.C. no gelo foi a erupção Okmok II”, disse o especialista em tefra Gill Plunkett, da Queen’s University Belfast.
Trabalhando com colegas do Reino Unido, Suíça, Irlanda, Alemanha, Dinamarca e EUA, a equipe de historiadores e cientistas reuniu evidências de todo o mundo, incluindo registros climáticos baseados em anéis de árvores da Escandinávia, Áustria e Montanhas Brancas da Califórnia e registros climáticos de um espeleotema (formações de cavernas) da Caverna Shihua, no nordeste da China. Eles então usaram a modelagem do sistema terrestre para desenvolver uma compreensão mais abrangente do momento e da magnitude do vulcanismo durante esse período e seus efeitos no clima e na história.
De acordo com suas descobertas, os dois anos após a erupção do Okmok II estão entre os mais frios do hemisfério norte nos últimos 2.500 anos, e a década seguinte foi a quarta mais fria. Os modelos climáticos sugerem que as temperaturas médias sazonais podem ter chegado a ficar 7 °C abaixo do normal durante o verão e o outono que se seguiram à erupção de 43 a.C. do Okmok. Além disso, a precipitação no verão foi entre 50% e 120% acima do normal em todo o sul da Europa, e a precipitação no outono atingiu até 400% do normal.
Choque severo
“Na região do Mediterrâneo, essas condições úmidas e extremamente frias durante a importante primavera agrícola até as estações do outono provavelmente reduziram o rendimento das colheitas e agravaram os problemas de oferta durante as revoltas políticas em curso no período”, disse o arqueólogo clássico Andrew Wilson, da Universidade de Oxford (Reino Unido). “Essas descobertas dão credibilidade aos relatos de frio, fome, escassez de alimentos e doenças descritos por fontes antigas.”
“Particularmente impressionante foi a gravidade da falha das inundações do Nilo na época da erupção do Okmok e a fome e a doença relatadas em fontes egípcias”, acrescentou o dr. Joe Manning, historiador da Universidade Yale (EUA). “Os efeitos climáticos foram um choque severo para uma sociedade já estressada em um momento crucial da história.”
A atividade vulcânica também ajuda a explicar alguns fenômenos atmosféricos incomuns que foram descritos por fontes mediterrâneas antigas na época do assassinato de César e interpretados como sinais ou presságios – coisas como halos solares, o sol escurecendo no céu ou três sóis aparecendo no céu (um fenômeno agora conhecido como parélio (ou sundog). No entanto, muitas dessas observações ocorreram antes da erupção Okmok II em 43 a.C. e provavelmente estão relacionadas a uma erupção menor do Monte Etna em 44 a.C.
Embora reconheçam que muitos fatores diferentes contribuíram para a queda da República Romana e do Reino Ptolomaico, os autores do estudo acreditam que os efeitos climáticos da erupção Okmok II desempenharam um papel inegavelmente grande – e que sua descoberta ajuda a preencher uma lacuna de conhecimento sobre esse período da história que há muito intriga os arqueólogos e historiadores antigos.
“As pessoas especulam sobre isso há muitos anos, por isso é emocionante poder fornecer algumas respostas”, disse McConnell.