01/08/2007 - 0:00
… Do Brasil e do mundo
Marlene Nobre, presidente das associações médico-espíritas do Brasil e Internacional
Melvin Morse – Deus é feito de luz?
Quando comentei que iria cobrir um evento sobre medicina espírita, as pessoas foram logo dizendo: “Ah, sei, essa coisa de doutor Fritz e Zé Arigó.” Longe de esoterismos exacerbados ou de qualquer indício de sensacionalismo, nas palestras apresentadas no Medinesp 2007, os grandes estudiosos da psique humana, como Sigmund Freud e Carl C. Jung, foram tão citados quanto os mestres do espiritismo, André Luiz e Allan Kardec.
Em uma maratona com mais de 50 palestrantes, o evento revelou a crescente conectividade entre ciência e religião na busca de novas possibilidades de cura e bem-estar. Já na solenidade da abertura, a presidente das associações médico-espíritas do Brasil e Internacional, a médica Marlene Nobre, deu a tônica do encontro: “Temos de nos livrar dos convencionalismos para buscar a saúde em uma perspectiva holística, que contemple os corpos físico, emocional, psíquico e espiritual.”
Durante séculos a religiosidade impôs dogmas e distribuiu preconceitos. Com o iluminismo, o conhecimento científico declarou guerra absoluta a tudo que é místico. Atualmente, ciência e religião se entrelaçam, destilando novas possibilidades de ver e viver a nossa existência.
Essa convergência inaugura novas e complexas questões éticas e morais: a partir de que momento o feto passa a ser dotado de espírito? É justo abortar uma criança anencéfala? Podemos brincar de Deus, criando bebês de proveta?
Eutanásia: um atentado espiritual
Para o otorrino Ricardo Sallum, o ser humano não pode interferir na vida em hipótese alguma, pois tudo faz parte de um desígnio maior. Complementando essa visão, o cardiologista Osvaldo Hely Moreira criticou duramente a fertilização in vitro. Explicando que essa técnica consiste em fecundar até quatro embriões, sendo que apenas um é selecionado, a questão que se coloca é: o que fazer com os demais? Na sua opinião, a esterilidade tem cura, “mas não pela medicina, e sim pela adoção”.
Os médicos Francisco Cajazeiras e Erlendur Haraldson, pesquisador da Suécia.
Lembrando que a verdadeira função da medicina é buscar a cura, o presidente do Instituto de Cultura Espiritual do Ceará, Francisco Cajazeiras, alertou: “Ficamos tão obcecados com os avanços da ciência, que hoje a maior preocupação é prolongar a vida.” Posicionando-se contrário aos tratamentos que mantêm a vida artificialmente, ele argumentou que a natureza sabe o tempo exato que cada organismo deve durar.
Como o espiritismo não considera que a morte seja o fim, mas uma passagem, Cajazeiras receitou humildade aos médicos, para que eles saibam aceitar limitações e possam amparar o paciente em sua travessia.
O salão de abertura do evento.
Onde há ego, há espírito
Em sua apresentação, a psiquiatra Anahy Fonseca lembrou que, para Freud, o neurótico sofre de reminiscências cuja cura consiste em trazer à tona o que foi esquecido. Tido como dissidente, o seu discípulo Carl Jung observou a existência de arquétipos – símbolos que permeiam a mente de toda a humanidade. Já a psicoterapeuta Melanie Klein uniu as duas teorias para formular que mesmo o ego dos recém-nascidos, que ainda não sofreu ações de forças repressoras, é capaz de mobilizar defesas em relação às ansiedades.
Com esse exemplo em que a soma das partes revela o novo, Anahy propôs o fim da rivalidade entre ciência e religião. Para ela, “onde há ego, há espírito. E compete à medicina usar todos os conhecimentos para promover o bem-estar do paciente”.
Utilizando o exemplo do arquétipo da sombra (aquele que oculta os conteúdos que têm necessidade de transparecer), o homeopata Marco Antonio Palmieri demonstrou como a repressão do material psíquico se projeta negativamente no corpo físico. “O diabético é um caso clássico dessa repressão”, observou. “Há inúmeros casos em que os pacientes desenvolvem a doença a partir da negação da afetividade. Sendo o açúcar uma manifestação de ternura, o diabético não retém o doce que representa esse afeto”, completou.
O que explicaria então o desenvolvimento de diabetes em pacientes emocionalmente estáveis?
A casa onde mora a consciência divina
O homeopata Alberto Almeida observou que quando não se encontra a causa física, psíquica ou genética que gera a doença, o distúrbio pode ter origem em vidas passadas. Para ilustrar sua teoria, Almeida relatou o caso de uma paciente com laringite que desafiava o conhecimento médico, pois nenhum sintoma era apontado pelos exames. A terapia de regressão revelou que ela havia se suicidado por enforcamento. Uma vez descoberta a causa profunda, a doença foi totalmente erradicada.
Os avançados recursos de monitoramento das atividades cerebrais permitiram aos cientistas concluir que ocorre uma concentração de energia no lobo pré-frontal quando oramos ou meditamos. De acordo com os médicos espíritas, é ali que reside a consciência divina.
O presidente da Ame de Minas Gerais, Jaider Rodrigues, relatou que em 1935 os cientistas norte-americanos Carlyle Jacobsen e John Fullon retiraram a parte frontal do cérebro de um chimpanzé agressivo e ele se tornou dócil. Não tardou para que o médico português Egas Muniz aplicasse esse procedimento numa paciente psicótica, anunciando que ela estava curada. Essa técnica, denominada de lobotomia, lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina de 1949.
… Ciência & fé
Sentido horário , a psiquiatra Anahy Fonseca, o médico Jaider Rodrigues, o homeopata Marco Antônio Palmieri e o neurocirurgião Julio Peres. Na foto abaixo, Melvin Morse, doutor em neurociências.
A partir de então, o método passou a ser aplicado em criminosos de alta periculosidade. O resultado não poderia ser mais desastroso: além da agressividade, eles perderam também a capacidade de realizar julgamentos morais e passaram a defecar e a se masturbar em locais públicos.
Rodrigues revelou que a tecnologia contemporânea permite observar que o transe psicótico ocorre na região do mesencéfalo. Quando essa energia é trazida conscientemente para o lobo pré-frontal, verifica-se o transe místico capaz de nos conectar diretamente com o Ser Superior. Mas há controvérsias.
Por sua vez, o médico neurocirurgião Julio Peres destacou que a neuroimagem ainda faz um “retrato grosseiro” da mente humana. Para ele, a ética está intimamente ligada à nacionalidade, cultura e histórico social. Portanto, Peres acredita que é a união entre a ciência e a espiritualidade que irá trazer luz a esses mistérios. Uma conclusão que sintetiza o grande ensinamento do congresso. Afinal, é na harmonia entre mente, corpo e espírito que encontramos a nossa completude.