14/07/2020 - 11:00
Sapos e rãs são verdes por uma boa razão: isso dificulta que eles sejam vistos em ambientes arborizados. Uma boa camuflagem permite que eles comam e não sejam comidos. Mas nem todos os sapos chegaram a essa condição que salva vidas da mesma forma.
A maioria desses animais depende de estruturas de controle de cores em sua pele, chamadas cromatóforos, que usam cristais para curvar a luz a cores específicas e fazê-las parecer verdes. Mas existem centenas de espécies de sapos e rãs que têm pele quase translúcida e pouquíssimos cromatóforos.
O verde que apresentam, o qual pode ser encontrado profundamente em seu fluido linfático, tecidos moles e até ossos, vem de uma solução bioquímica inteligente que combina um tipo de proteína normalmente combatente de vírus com um subproduto tóxico de insuficiência circulatória.
LEIA TAMBÉM: Veja esse vídeo de um polvo mudando de cor durante o sono
- Fósseis de sapos oferecem vislumbre do passado da Antártida
- Anfíbios têm glândulas de veneno nos dentes semelhantes às de cobras
A descoberta, do pesquisador de pós-doutorado Carlos Taboada na Universidade Duke (EUA), resolve alguns mistérios de longa data sobre esses sapos e mostra como a necessidade de sobrevivência pode ser realmente muito inventiva. O estudo foi publicado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)”.
Níveis altíssimos de toxina
Os cientistas há muito se questionam sobre o fato de que muitos desses sapos contêm níveis muito altos de um pigmento biliar chamado biliverdina, que é um subproduto da quebra de glóbulos vermelhos velhos. Esse pigmento é normalmente considerado uma toxina a ser filtrada no fígado e excretada o mais rapidamente possível. Mas descobriu-se que esses anfíbios portam quatro vezes mais biliverdina que o humano mais afetado por doença hepática, e 200 vezes mais do que os seus primos anfíbios equipados com cromatóforos.
Para entender melhor a bioquímica, os pesquisadores concentraram-se em uma espécie, Boana punctata, o sapo com bolinhas encontrado na América do Sul. A partir disso, eles isolaram uma proteína que chamam de BBS (abreviatura em inglês de serpina de ligação à biliverdina), que faz parte de uma superfamília de inibidores de protease, proteínas que normalmente interferem na replicação viral e desintoxicam enzimas.
Quando você vê algo verde, sua cor deve realmente ser chamada de “tudo menos verde”, porque absorve todas as cores da luz que chega, exceto o verde. A cor que vemos é a frequência da luz que ela não absorve retornando aos nossos olhos.
A biliverdina, por si só, pareceria um pouco esverdeada, como às vezes visto em um hematoma antigo. Mas os pesquisadores descobriram que a serpina BBS estende a forma helicoidal da biliverdina para ajustar sua absorvância da luz, tornando-a mais ciano, verde-azul. O ciano, adicionado a outros pigmentos amarelos espalhados na pele, recupera o tom certo de verde. Aparentemente, a biliverdina também é menos tóxica.
Adaptação inteligente
“Essa nova proteína tem as mesmas propriedades espectroscópicas ou de absorção de luz que alguns pigmentos vegetais”, disse Taboada, que iniciou o trabalho na Argentina, no Equador e no Brasil e o concluiu na Universidade Duke. “As propriedades da luz são muito semelhantes às que vemos, por exemplo, em algumas proteínas vegetais chamadas fitocromos. Mas aqui temos uma proteína completamente diferente.”
É uma adaptação inteligente da bioquímica que normalmente cumpre outras funções em vertebrados. Taboada disse que essa inovação evoluiu mais de 40 vezes em 11 famílias diferentes, a maioria delas de árvores. A adaptação aconteceu várias vezes em Madagascar, na América do Sul e no Sudeste Asiático.
“Portanto, essa é uma convergência na evolução”, disse Taboada. “Sendo arbóreos (vivendo em árvores), eles desenvolveram uma maneira diferente de fazer sua coloração.” Seu verde intenso garante boa camuflagem na folhagem, mesmo sob luz infravermelha.
“Isso mostra como a seleção natural pode cooptar proteínas para praticamente qualquer finalidade”, disse Sönke Johnsen, professor de biologia da Duke e coautor do artigo. “A biliverdina é um pigmento biliar que normalmente é excretado do corpo por causa de seu potencial de causar danos, mas aqui está em concentrações espetaculares justamente porque também é útil como pigmento verde.”
“Em outras palavras, o sapo Caco tem icterícia”, disse Johnsen.
Tendo descoberto anteriormente que muitas espécies de sapos refletem comprimentos de onda fluorescentes – essencialmente brilhando no escuro –, Taboada agora está trabalhando com engenheiros da Universidade Duke para direcionar feixes de laser precisamente sintonizados nos sapos a fim de aprender mais sobre sua coloração.