17/07/2020 - 11:25
As previsões do tempo tornaram-se menos precisas durante a pandemia de covid-19 devido à redução de voos comerciais, de acordo com uma nova pesquisa da American Geophysical Union (AGU, dos EUA). O estudo, publicado na revista “Geophysical Research Letters”, descobriu que o mundo perdeu entre 50% e 75% das observações meteorológicas de suas aeronaves entre março e maio deste ano, quando muitos voos foram interrompidos devido à pandemia.
As aeronaves normalmente informam as previsões meteorológicas, registrando informações sobre temperatura do ar, umidade relativa, pressão do ar e vento ao longo de sua trajetória de voo. Com um número significativamente menor de aviões no céu na última primavera no hemisfério norte, ou outono no hemisfério sul, as previsões dessas condições meteorológicas se tornaram menos precisas. O impacto é mais pronunciado à medida que as previsões se estendem ainda mais no tempo, de acordo com o estudo, que faz parte de uma coleção especial de pesquisas em andamento na AGU relacionadas à pandemia atual.
As previsões meteorológicas são uma parte essencial da vida cotidiana, mas previsões imprecisas também podem afetar a economia, de acordo com Ying Chen, pesquisador associado do Lancaster Environment Center, em Lancaster (Reino Unido), e principal autor do novo estudo. A precisão das previsões do tempo pode afetar a agricultura, o setor de energia e a estabilidade da rede elétrica. As turbinas eólicas dependem de previsões precisas da velocidade do vento e as empresas de energia dependem de previsões de temperatura para prever qual será a carga de energia a cada dia, à medida, por exemplo, que as pessoas acionam o ar-condicionado.
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Limite de incerteza
“Se essa incerteza ultrapassar um limite, introduzirá tensão instável na rede elétrica”, afirmou Chen. “Isso pode levar a um apagão, e acho que é a última coisa que queremos ver nessa pandemia.”
As regiões mais impactadas pela redução nas previsões meteorológicas foram aquelas com tráfego aéreo normalmente pesado, como os Estados Unidos, sudeste da China e Austrália, além de regiões isoladas como o deserto do Saara, a Groenlândia e a Antártida. A Europa Ocidental é uma exceção notável: suas previsões do tempo não foram afetadas, apesar do número de aeronaves na região ter caído de 80% a 90%.
Isso foi surpreendente, disse Chen. Ele suspeita que a região tenha conseguido evitar imprecisões porque possui uma densa rede de estações meteorológicas terrestres e medições de balões para compensar a falta de aeronaves.
“É uma boa lição que nos diz que devemos introduzir mais locais de observação, especialmente nas regiões com poucas observações de dados”, disse Chen. “Isso nos ajudará a amortecer os impactos desse tipo de emergência global no futuro.”
Chen também constatou que as previsões de precipitação em todo o mundo não foram significativamente afetadas, porque as previsões de precipitação puderam confiar em observações de satélite. Mas março, abril e maio foram relativamente secos este ano na maior parte do mundo, então Chen alerta que as previsões de precipitação podem sofrer com a chegada das estações de furacões e monções.
Comparando previsões
Os modelos de previsão são mais precisos quando um número maior de observações meteorológicas é levado em consideração. Por outro lado, o número de observações diminui bastante quando menos aviões estão no ar, como foi o caso de março a maio deste ano. O programa Aircraft Meteorological Data Relay é composto por mais de 3.500 aeronaves e 40 companhias aéreas comerciais, que normalmente fornecem mais de 700 mil relatórios meteorológicos por dia.
Quando Chen comparou a precisão das previsões meteorológicas de março a maio de 2020 aos mesmos períodos de 2017, 2018 e 2019, descobriu que as previsões para 2020 eram menos precisas para temperatura, umidade relativa, velocidade do vento e pressão do ar. Isso apesar do fato de que, em fevereiro, antes de os voos serem impactados significativamente, as previsões meteorológicas eram mais precisas do que nos anos anteriores.
Ele descobriu que as previsões de pressão superficial e velocidade do vento não foram afetadas no curto prazo (1-3 dias), mas foram menos precisas nas previsões de longo prazo (4-8 dias) incluídas no estudo. Em fevereiro, antes da queda do número de voos, a precisão das previsões em várias regiões que dependem de observações de aeronaves havia melhorado em até 1,5 grau Celsius em relação aos anos anteriores. Mas entre março e maio de 2020, quando os voos foram reduzidos de 50% a 75% em relação a fevereiro, essa melhoria na precisão desapareceu.
Clima invariável
Chen descobriu que a Europa Ocidental era a única região com tráfego de voo normalmente alto que não sofreu uma precisão notavelmente reduzida nas previsões de temperatura. Ele atribuiu isso a mais de 1.500 estações meteorológicas que formam uma densa rede de coleta de dados na área.
No entanto, o clima europeu foi particularmente invariável no período de março a maio de 2020, facilitando a previsão com menos dados, de acordo com Jim Haywood, professor de ciências atmosféricas da Universidade de Exeter (Reino Unido) que não esteve envolvido com o novo estudo. Haywood suspeita que isso tenha contribuído para a precisão persistente das previsões da Europa Ocidental, além da rede de pontos de observação no solo.
Quanto mais tempo os meteorologistas não tiverem dados relacionados às aeronaves, mais previsões meteorológicas serão afetadas, de acordo com o estudo. Embora as previsões de precipitação até agora não tenham sido afetadas, a capacidade dos cientistas de captar sinais de alerta de eventos climáticos extremos neste verão no hemisfério norte pode sofrer. Em longo prazo, os resultados do estudo sugerem que as fontes de dados climáticos devem ser diversificadas, especialmente em áreas com poucas observações e áreas que dependem muito de voos comerciais, de acordo com Chen.