Somos três especialistas em doenças infecciosas pediátricas que vivem e trabalham na Virgínia Ocidental (EUA). O sistema de saúde da Universidade da Virgínia Ocidental atende 400 mil crianças e, de acordo com nossos dados internos, até o momento***, 2.520 crianças até 17 anos foram testadas para o coronavírus. Sessenta e sete delas apresentaram resultado positivo e uma ficou doente o suficiente para ser internada no hospital.

Somos questionados quase diariamente sobre crianças e covid-19. Elas pegam covid-19? Deveriam frequentar creches ou escolas, praticar esportes, ver amigos e participar de acampamentos de verão? Quais são os riscos para elas e para os outros?

Com base nas pesquisas atuais e em nossas próprias experiências, parece que pessoas de 17 anos ou menos enfrentam pouco risco de desenvolver o coronavírus. Quase todas as crianças são assintomáticas ou apresentam formas muito leves ou leves da covid-19, mas uma pequena porcentagem de crianças fica muito doente. Além disso, há evidências de que as crianças podem espalhar o vírus para outras pessoas e, com grandes surtos ocorrendo nos EUA, essas realidades levantam sérias preocupações sobre a reabertura das escolas e como as crianças devem navegar no mundo pandêmico.

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Crianças em risco

Ao considerar o papel das crianças nessa pandemia, a primeira pergunta a fazer é se elas podem ser infectadas e, em caso afirmativo, com que frequência.

Dos 149.082 casos relatados de covid-19 nos EUA no final de abril, apenas 2.572 – 1,7% – eram crianças, apesar de as crianças constituírem 22% da população dos EUA.

Mas pesquisas atuais mostram que as crianças são fisiologicamente tão propensas a ser infectadas com SARS-CoV-2 quanto os adultos. Essa discrepância entre o número de casos e a suscetibilidade biológica pode dever-se ao fato de as crianças geralmente apresentarem sintomas mínimos a leves quando infectadas pelo coronavírus e, portanto, terem menor propensão a ser testadas. Também pode ser que as crianças em geral tenham tido menos exposição ao vírus em comparação aos adultos. As crianças não vão trabalhar, provavelmente vão a lojas menos que os adultos e, nos estados que relaxaram medidas de quarentena, não vão a bares ou academias.

Embora tenham menos probabilidade de adoecer com o coronavírus, as crianças definitivamente não são imunes. Os dados mostram que crianças com menos de um ano e aquelas com condições subjacentes têm maior probabilidade de ser hospitalizadas. Essas crianças normalmente experimentam problemas respiratórios comumente associados à covid-19 e em geral precisam de oxigênio e suporte intensivo. Em 11 de julho, 36 pessoas com 14 anos ou menos morreram por causa do vírus.

Sistema inoperante

Além dos casos típicos de covid-19, recentemente houve alguns relatos assustadores de que o sistema imunológico das crianças fica inoperante após elas serem expostas ao SARS-CoV-2.

São dignos de nota os relatos da doença de Kawasaki. Normalmente, a doença de Kawasaki afeta bebês e crianças em idade pré-escolar, causando febre alta prolongada, erupção cutânea, vermelhidão nos olhos, inchaço na boca e inchaço das artérias no coração. A grande maioria das crianças que sofrem da doença de Kawasaki sobrevive quando recebe tratamentos que diminuem o inchaço. Infelizmente, porém, algumas crianças morreram por causa dela, após a exposição ao coronavírus levar à doença. Os médicos não sabem o que causa a doença de Kawasaki normalmente ou por que uma infecção por coronavírus pode desencadear isso.

Nos últimos meses, também houve relatos de algumas crianças, após serem infectadas pelo coronavírus, apresentarem febre e erupção cutânea, além de queda de pressão arterial com risco de vida e insuficiência cardíaca grave e súbita. As crianças e os adolescentes com essa síndrome de choque relacionada à covid-19 – agora denominada síndrome inflamatória multissistêmica em crianças, ou MIS-C – têm idade maior do que aqueles que os médicos costumam ver com a doença de Kawasaki. Especialistas acham que essas duas doenças não são as mesmas, apesar de terem características e tratamentos semelhantes.

Crianças como disseminadores

Portanto, se as crianças conseguem pegar o coronavírus, a próxima pergunta importante é: com que facilidade elas podem disseminá-lo? Como as crianças apresentam sintomas mais leves, alguns especialistas pensam que elas provavelmente não são a força motriz da pandemia de covid-19. Além disso, pesquisas recentes mostraram que a maioria das crianças que pegam o coronavírus o recebe de seus pais, não de outras crianças.

Crianças pequenas podem ter tosse mais fraca e, portanto, liberariam menos partículas virais infecciosas em seu ambiente. Um estudo recente da Coreia do Sul descobriu que, embora as crianças pequenas pareçam menos capazes de espalhar a doença em comparação aos adultos, as pessoas de 10 a 19 anos espalham o vírus pelo menos tão bem quanto os adultos. A falta de evidências de que as crianças são as principais fontes de transmissão pode ser simplesmente porque o caminho da infecção foi interrompido devido ao fechamento de escolas em todo o país na primavera. À medida que as crianças retomam mais de suas atividades diárias normais – como escola, esportes e creche –, podemos encontrar a resposta para a facilidade com que elas espalham esse vírus perigoso.

E agora?

As evidências mostram claramente que todas as pessoas, independentemente da idade, podem ser infectadas pelo SARS-CoV-2. Embora pesquisas mostrem que as crianças são mais resistentes a doenças graves causadas pelo coronavírus, elas ainda correm risco e podem espalhar o vírus mesmo que não estejam doentes.

Diante de todas essas informações, surge naturalmente uma pergunta: as escolas devem ser reabertas nas próximas semanas? Em locais onde as taxas de transmissão são baixas, a reabertura de escolas pode ser uma opção viável. Mas, atualmente, nos EUA, os números de casos estão aumentando na maioria dos estados. Isso requer uma abordagem mais sutil do que uma reabertura em grande escala das escolas.

Como as crianças pequenas enfrentam baixo risco de adoecer gravemente, são menos propensas a espalhar a doença e se beneficiam muito das interações pessoais, acreditamos que o aprendizado na escola deve ser considerado. Abrir escolas para crianças do ensino fundamental e propor opções cada vez mais on-line para as séries mais avançadas pode ser uma maneira de abordar esse problema espinhoso.

 

* Kathryn Moffett-Bradford é professora de Pediatria, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas Pediátricas da Universidade da Virgínia Ocidental (EUA); Martin Weisse é professor de Pediatria da Universidade da Virgínia Ocidental; Shipra Gupta é professora assistente de Doenças Infecciosas Pediátricas da Universidade da Virgínia Ocidental.

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.

*** O artigo foi publicado originariamente em 28 de julho de 2020.