Cristãos americanos, especialmente evangélicos, identificam-se como ambientalistas em taxas muito baixas em comparação com a população em geral. De acordo com uma pesquisa do Pew Research Center de maio de 2020, enquanto 62% dos adultos americanos não filiados à religião concordam que a Terra está se aquecendo principalmente devido à ação humana, apenas 35% dos protestantes americanos o fazem – incluindo apenas 24% dos protestantes evangélicos brancos.

Grupos de interesse cristãos politicamente poderosos contestam publicamente o consenso da ciência do clima. Uma coalizão de grandes grupos evangélicos, que inclui o Focus on the Family e o Family Research Council, lançou um movimento que se opõe ao que eles descrevem como “a falsa visão de mundo” do ambientalismo, que supostamente está “se esforçando para colocar a América, e o mundo, sob seu controle destrutivo”.

Estudos mostram que a crença em milagres e na vida após a morte está associada a estimativas mais baixas dos riscos apresentados pelas mudanças climáticas. Isso levanta a questão: a própria religião predispõe as pessoas contra a ciência do clima?

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Pesquisas com pessoas ao redor do mundo, bem como pesquisas de ciências sociais sobre negação, sugerem que a resposta a essa pergunta é mais matizada do que um simples sim ou não.

Reconciliação complicada

Uma resistência automática à ciência parece fazer sentido para alguns crentes religiosos.

Existem várias maneiras pelas quais os aspectos centrais do conhecimento científico moderno tendem a minar as leituras literalistas ou fundamentalistas de textos religiosos. Em particular, a evolução por seleção natural, o conceito central subjacente às ciências biológicas, é totalmente incompatível com a maioria das tradições de fé criacionistas.

A religião oferece o conforto de uma medida de controle e segurança por meio de uma divindade onipotente que pode ser aplacada por um ritual. Em contraste, o universo naturalista do cientista não oferece uma ordem moral intrínseca nem uma recompensa final, o que pode ser perturbador para o devoto e em conflito com sua fé.

Por causa dessas incompatibilidades, pode-se esperar que aqueles com uma forte afiliação religiosa desconfiem por reflexo das descobertas científicas. De fato, em uma grande pesquisa internacional, 64% daqueles que descreveram a religião como uma “parte importante” de suas vidas disseram que ficariam do lado de seus ensinamentos religiosos em um desacordo entre a ciência e sua religião. Outros estudos descobriram que, para os fiéis, religião e ciência estão em conflito como explicações finais para fenômenos naturais.

Incêndio florestal na costa oeste dos EUA: sem relação com mudança climática, afirmam os evangélicos mais extremados. Crédito: Pxfuel
O fator político

O cientista social Dan Kahan rejeita a ideia de uma ligação automática entre a religiosidade e qualquer preconceito anticientífico. Ele argumenta que a religiosidade apenas incidentalmente acompanha a negação da ciência porque algumas descobertas científicas se tornaram “culturalmente antagônicas” para alguns grupos de identidade.

Segundo os dados de Kahan, a identificação como conservador político, e como branco, é muito mais preditiva de rejeição do consenso climático do que a religiosidade geral. Ele argumenta que o preconceito anticientífico tem a ver com ameaças aos valores que definem a identidade cultural de uma pessoa. Há uma infinidade de tipos de áreas temáticas nas quais as pessoas julgam as qualificações de especialistas com base no fato de o “especialista” confirmar ou contradizer a visão acalentada pelo sujeito.

O cientista social Donald Braman concorda que a negação da ciência depende do contexto. Ele ressalta que, embora os homens brancos conservadores tenham maior probabilidade de ser céticos sobre o aquecimento global, diferentes grupos demográficos discordam dos especialistas em outros tópicos específicos.

Por exemplo, onde uma pessoa conservadora investida no status quo social e econômico pode se sentir ameaçada por evidências do aquecimento global, igualitaristas liberais podem ser ameaçados por evidências, digamos, de que o lixo nuclear pode ser armazenado no subsolo com segurança.

Compromisso com a conclusão

Como explico em meu livro The Truth About Denial, existe uma ampla evidência de uma tendência humana universal para o raciocínio motivado quando confrontado com fatos que ameaçam a visão de mundo ideológica de alguém. O raciocinador motivado começa com uma conclusão com a qual está comprometido e avalia a evidência ou perícia de acordo com se ela apoia essa conclusão.

Os evangélicos americanos brancos tendem fortemente ao conservadorismo político. Eles também exibem a correlação mais forte, entre qualquer grupo religioso, entre religiosidade e a negação da ciência do clima ou um viés anticientífico geral.

Enquanto isso, os protestantes afro-americanos, que estão teologicamente alinhados com os protestantes evangélicos, mas politicamente alinhados com os progressistas, mostram alguns dos mais altos níveis de preocupação climática.

Identidade cultural

A América do Norte é a única região de alta renda do mundo onde as pessoas que seguem uma religião são substancialmente mais propensas a dizer que favorecem seus ensinamentos religiosos em relação à ciência quando surgem divergências. Essa descoberta é impulsionada principalmente por denominações religiosas politicamente conservadoras dos Estados Unidos – incluindo católicos conservadores.

Um novo estudo importante analisando dados de 60 países mostrou que, embora a religiosidade nos EUA esteja correlacionada a atitudes mais negativas em relação à ciência, não se vê esse tipo de associação em muitos outros países. Em outros lugares, a religiosidade às vezes é até correlacionada com atitudes desproporcionalmente positivas sobre a ciência.

E os EUA geralmente são considerados discrepantes em termos de atitudes em relação ao aquecimento global causado pelo homem: menos americanos aceitam o consenso da ciência do clima do que os residentes da maioria dos outros países.

Tudo isso sugeriria que a resistência à ciência do clima tem mais a ver com políticas de identidade cultural do que com religiosidade.

Charles Darwin, o criador da teoria da evolução, em pintura de 1833: outro alvo constante dos evangélicos conservadores. Crédito: Pikist
O que vem primeiro?

Mas as evidências disponíveis têm dois lados. Um estudo marcante da década de 1980 sugeriu que as tradições religiosas fundamentalistas estão associadas a um compromisso com o domínio humano sobre a natureza e que essa atitude pode explicar as posições antiambientalistas.

Mesmo depois de controlar a ideologia política, aqueles comprometidos com uma “teologia do fim dos tempos” – como os evangélicos americanos – ainda mostram uma tendência maior de se opor ao consenso científico sobre questões ambientais.

Talvez algumas teologias específicas enviesem o crente contra a ideia de que os seres humanos podem ser responsáveis ​​pelo fim da humanidade. Esse preconceito pode aparecer como uma rejeição automática da ciência ambiental.

Ficamos com uma espécie de problema do tipo “ovo e galinha”: certas comunidades religiosas adotam posições politicamente conservadoras sobre a mudança climática por causa de sua tradição religiosa? Ou as pessoas adotam uma tradição religiosa que enfatiza o domínio humano sobre a natureza porque foram criadas em uma comunidade politicamente conservadora? A direção da causa aqui pode ser difícil de resolver.

Responsabilidade

Não seria surpreendente encontrar dogmatismo religioso ou conservadorismo político vinculado a atitudes anticientíficas – cada um tende a favorecer o status quo. As tradições religiosas fundamentalistas são definidas por suas doutrinas fixas. Os conservadores políticos, por definição, favorecem a preservação da ordem social e econômica tradicional.

Considere que talvez o único aspecto essencial do método científico seja que ele não respeita as tradições culturais ou as opiniões recebidas. (Pense nas descobertas de Galileu sobre o movimento da Terra, ou Darwin sobre a evolução.) Alguns argumentariam que o “ataque constante da investigação científica às antigas ortodoxias” é a razão pela qual tanto os conservadores quanto os frequentadores de igrejas relatam uma diminuição da confiança geral na ciência, que continua até hoje.

Mesmo que a política e a cultura, em vez da própria religião, possam estar conduzindo a negação da ciência do clima, as comunidades religiosas – como alguns líderes religiosos, incluindo o papa Francisco, reconheceram – têm a responsabilidade de exercer alguma autoconsciência e preocupação com o bem-estar, em vez de negar cegamente o consenso esmagador sobre uma ameaça que acaba com a civilização, como o aquecimento global causado pelo homem.

 

* Adrian Bardon é professor de filosofia da Wake Forest University (EUA).

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons.  Leia o artigo original aqui.