Instalação com peixes feitos de plástico reciclável na praia de Botafogo durante a Rio+20. A sociedade civil demonstrou muito mais empenho e interesse pelo destino do planeta durante o evento do que os governos envolvidos.

Às voltas com uma reeleição complicada, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, já havia avisado que não viria à Rio+20. A difícil situação econômica da União Europeia serviu de justificativa para as ausências da primeira-ministra alemã, Angela Merkel, do colega britânico, David Cameron e de outros mandatários importantes da região – só o recém-eleito presidente francês, François Hollande, fez questão de cruzar o Atlântico. O presidente chinês, Hu Jintao, só confirmou presença na última hora. O russo, Vladimir Putin, preferiu enviar seu primeiro-ministro, Dimitri Medvedev. O cenário, portanto, já indicava que a Rio+20 – a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada entre 13 e 22 de junho na capital fluminense – estava fadada a ter relevância muito abaixo da obtida pela Eco-92, mesmo sendo o maior evento já promovido pela ONU. O que ocorreu simplesmente sacramentou a impressão inicial.

Na madrugada do dia 16, quando acabou a última reunião da fase preparatória, as divergências entre os participantes ainda emperravam 199 dos 318 parágrafos do documento em discussão. Os impasses envolviam diversos aspectos do texto – havia, por exemplo, propostas de revisão da carta de princípios aprovada na Eco-92, de mudanças na definição do conceito de “economia verde” e na forma de implementar os compromissos a serem assumidos na conferência. Se nesse estágio não existe acordo, a ONU dá ao país anfitrião – no caso, o Brasil – a presidência do evento e a missão de fechar o documento final em tempo hábil para os chefes de Estado e governo assiná-lo. A ação brasileira foi rápida: eliminou os pontos polêmicos, como detalhes sobre repasses financeiros e a criação de um fundo sobre desenvolvimento sustentável, e apresentou um texto chocho, “O Futuro que Queremos”, aprovado no dia 19 pelos delegados dos 191 países participantes.

A presidente Dilma Rousseff afirmou na ocasião que o documento final “é um grande avanço e uma vitória”, pois é difícil conciliar as posições de representantes de todos os governos presentes. A mensagem foi semelhante à do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota: “A expectativa era de ter um texto ou não ter um texto, e temos um texto de consenso.” Um dia depois de considerar o documento final “aquém das expectativas”, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, revisou seu discurso e disse que o texto oferece “uma base sólida para a promoção do desenvolvimento sustentável”.

Personalidades da Rio+20: no alto, Ban Ki-moon e Dilma Rousseff; acima, Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA, os premiês Manmohan Singh (Îndia) e Wen Jiabao (China) e os presidentes Boni Yayi (Benin) e Cristina Kirchner (Argentina). Abaixo, o ministro Antonio Patriota.

Recomendações genéricas

Entre cientistas, ativistas e organizações de defesa do meio ambiente, porém, sobraram críticas a respeito da falta de ambição do documento quanto aos desafios por que a Terra passa. “Foram removidas até mesmo as tímidas recomendações sobre metas a atingir até 2030 em diversas áreas”, avalia o professor da USP José Goldemberg, vencedor em 2008 do Prêmio Planeta Azul, considerado o Nobel do Meio . “As recomendações que permaneceram são genéricas e apenas reafirmam as decisões tomadas em conferências anteriores.”

Goldemberg foi um dos mais de 50 signatários de um contundente manifesto contra o documento oficial do evento, “A Rio+20 que não queremos”. Entre os nomes que assinam o texto, preparado por várias ONGs e personalidades de todo o mundo, estão também o cientista americano Th omas Lovejoy (outro vencedor do Planeta Azul), o economista francês Ignacy Sachs, a ex-ministra do Meio Marina Silva e o professor canadense William Rees (cocriador do conceito de pegada ecológica). “A Rio+20 passará para a história como uma conferência da ONU que ofereceu à sociedade mundial um texto marcado por graves omissões que comprometem a preservação e a capacidade de recuperação socioambiental do planeta, bem como a garantia, às atuais e futuras gerações, de direitos humanos adquiridos”, sublinha o manifesto. “Por tudo isso, registramos nossa profunda decepção com os chefes de Estado, pois foi sob suas ordens e orientações que trabalharam os negociadores, e esclarecemos que a sociedade civil não compactua nem subscreve esse documento.”

Ativistas pedem o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis na praia de Copacabana. O documento final não propõe metas sobre esse tema.

Ministro das Relações Exteriores do Brasil durante a Eco-92 e participante da organização do evento, o professor da USP Celso Lafer lamentou a fragilidade do texto final da Rio+20: “Ele é difuso, não tem foco e se baseia em um mínimo denominador comum.” Para outro coordenador da Eco-92, o ex-ministro e ex-embaixador Rubens Ricupero, a conferência deste ano foi um fiasco. “Ela falhou nos três principais objetivos a partir dos quais deveria ser julgada: a) não logrou uma decisão clara sobre a necessidade de definir metas ou objetivos de desenvolvimento sustentável; b) deixou o Programa das Nações Unidas para o Meio (Pnuma) sem uma renovação profunda de sua estrutura no sentido de superar a fragmentação excessiva existente na área organizacional e administrativa do meio ambiente e sem ampliação imediata de recursos; c) não adotou medidas e padrões capazes de indicar avanços ou retrocessos em matéria de compromissos ambientais.”

Expectativas x realidade

Veja o que se esperava e o que ficou decidido sobre alguns dos principais pontos tratados no documento final da Rio+20.

Combustíveis fósseis

Reafirma o compromisso de reduzir os subsídios e o uso prejudicial dos combustíveis fósseis, mas não propõe metas.

Objetivos de desenvolvimento sustentável

Especialistas devem apresentar um plano sobre o tema na Assembleia- Geral da ONU em setembro.

Financiamento

Pede que, até 2015, os países ricos se esforcem para contribuir de fato com 0,7% do PIB com os países pobres e em desenvolvimento – acordado desde 1992 e nunca cumprido.

Oceanos

Não declara a criação de um órgão regulatório ou governo para alto-mar, como se esperava.

Inclusão social

Estabelece a erradicação da pobreza como o maior desafio global e recomenda a adoção de um piso socioambiental, nos moldes do Bolsa família e Bolsa Verde.

Energia

Pede o uso de fontes de energia renováveis e outras de baixas emissões, além do uso mais eficiente e sustentável dos recursos energéticos tradicionais.

Direito da mulher

Garante acesso a métodos de planejamento familiar, mas não o direito reprodutivo, como se defendia.

Agência para o meio ambiente

Sugere que até setembro seja feito um encontro para discutir como reforçar o Programa das Nações Unidas para o Meio (Pnuma), que não se tornou agência.

Índice de crescimento

Encomenda à Comissão Estatística da oNU encontrar um indicador que incorpore aspectos socioambientais, complementar ao PIB.

Marcha Global, que reuniu milhares de manifestantes na Av. Rio Branco (esq.), e o empresário Richard Branson, o ator Edward Norton e a antropóloga Jane Goodall em evento paralelo à Rio+20 (acima). No futuro próximo, os avanços em relação à sustentabilidade devem vir de ações da sociedade civil.

O papel da ONU no episódio foi muito criticado. “Ao falar que a conferência tinha sido um fracasso e depois voltar atrás, Ban Ki-moon demonstrou que a ONU é um órgão suscetível a pressões”, diz Mario Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica. Ele também faz ressalvas severas à conduta do país anfitrião: “O Brasil pensou pequeno, não assumiu a liderança e ficou na vala comum. Nossos diplomatas fizeram um trabalho lindo ao longo desses anos nas Conferências das Partes, como a de Copenhague (Dinamarca), em 2009. Mas aqui, dentro de casa, estavam irreconhecíveis.”

Sociedade consciente

Quem procura avanços no legado da Rio+20 tem dificuldade de encontrar algo aproveitável. Goldemberg lembra que até mesmo definições sobre os tópicos a serem considerados críticos para o desenvolvimento sustentável ficaram para 2014, demonstrando o esgotamento do processo multilateral conduzido pela ONU. Ricupero é um pouco menos severo. “O único motivo de satisfação relativa foi que a conferência ao menos terminou com um documento aprovado por consenso, diversamente do ocorrido com a reunião de Copenhague ou com diversas reuniões da Organização Mundial de Comércio”, avalia.

Se a atuação dos governos foi um fracasso, Ricupero vê com bons olhos a participação da sociedade civil. “Jamais houve antes mobilização comparável de militantes, ONGs, entidades de todo tipo, da comunidade científica, de agraciados do Prêmio Nobel, etc.”, afirma. “Enquanto a maioria dos governos ainda insiste em diluir as questões do ambiente num caldo ralo onde se misturam todos os ingredientes tradicionais de reivindicações econômicas e sociais, a sociedade civil apresenta um nível de consciência incomparavelmente mais elevado e realista.”

Para Mantovani e Goldemberg, os avanços no futuro próximo só advirão de iniciativas da sociedade civil – isso “até que o agravamento da situação ambiental force os grandes países a buscar soluções em conjunto”, ressalva o professor. Esse é, no frigir dos ovos, o desafio que os governos das potências constituídas e emergentes se impuseram com a Rio+20: saber se a Terra se dispõe a esperar até que eles aceitem realmente trabalhar para tornar o desenvolvimento sustentável um fato.