01/12/2007 - 0:00
Estava justamente programando o estudo de “Janela Visionária”, um dos livros do físico indiano Amit Goswami, quando surgiu a oportunidade de entrevistá- lo. Já o conhecia do programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2001, quando ele falou sobre as evidências científicas da existência de Deus. E por sua participação no filme “Quem somos nós?”, que estreou por aqui em 2005. Mas ainda não entendia o conceito de “causação descendente” que ele gosta tanto de usar em suas conferências.
Goswami nasceu na Índia, filho de um guru hinduísta, e em 1964 doutorou-se em física nuclear pela Universidade de Calcutá. Mudou-se então para os Estados Unidos, onde trabalhou como pesquisador e professor titular de física quântica no Instituto de Física Teórica na Universidade do Oregon, durante 32 anos. Ele conta que foi materialista dos 14 aos 45 anos de idade, quando uma crise levou-o à meditação, e ele começou a tentar conciliar a ciência ocidental com a noção oriental de consciência.
Aposentado da universidade, Goswami dedica-se a dar palestras e vem regularmente ao Brasil desde 1996, a convite da Universidade da Paz (Unipaz), de Brasília. Desta vez, ele falaria sobre economia espiritual. Economia espiritual? Uma porção de perguntas se sucedeu na minha mente. Por que um físico decide trabalhar com economia? Será possível controlar a voracidade humana por dinheiro e poder? Em entrevista em São Paulo, Goswami respondeu a essas e outras perguntas.
O que significa economia espiritual?
A teoria clássica do capitalismo só considera a dimensão física da realidade, e prevê um capitalismo sempre em expansão – o que não é sustentável. O problema é que não somos apenas matéria. Somos também o que sentimos, o que pensamos, e ainda os arquétipos de amor, beleza, justiça, existentes no nível sutil do nosso ser. O economista Adam Smith, criador do capitalismo moderno, ignorou essas coisas, pois não eram mensuráveis. É por conta dessa falha que temos esses ciclos de recessão e expansão econômica, que não podemos sustentar. Quando introduzimos na equação econômica o nível sutil da pessoa humana – as energias vitais, o processamento de significados mentais e o nível supramental, no qual estão os valores arquetípicos -, percebemos que ela se fecha. Nos tempos de recessão, podemos investir mais no setor sutil da economia, e quando ela acaba voltamos ao consumo de bens materiais. O desejo de consumir será menor, pois se estamos bem equilibrados na dimensão sutil, se sentimos amor, precisamos menos de bens materiais. A demanda não será tão alta, o que torna possível poupar os recursos ambientais. Estou propondo que as empresas produzam energias sutis ativamente, de forma orquestrada. Isso trará uma grande transformação no modo como os negócios são feitos.
As empresas teriam, então, uma produtividade não-material?
O conceito de produtividade não-material é a base da economia espiritual. Já produzimos aspectos não-materiais de nós mesmos – por exemplo, uma peça de teatro é um empreendimento que produz significado. Quando assistimos a uma peça de Shakespeare, ganhamos insight sobre nós mesmos. Ela nos dá significado, nos lembra de quem somos. Mas até agora só olhamos para uma companhia de teatro pelo que ela produz em dinheiro, e não como um negócio que produz significado. E apenas por isso consideramos esse tipo de negócio como não muito lucrativo. O que estou sugerindo é: em vez de concentrar-se apenas na produção material, os negócios devem considerar a produção ativa de energias sutis nos domínios vital, mental e até mesmo supramental. E que prestem contas disso, fazendo com que seus balanços reflitam a produção do setor material e a produção no setor sutil. Assim como, hoje, o meio ambiente é considerado um ativo econômico, proponho que amor, gentileza, bem-estar e criatividade sejam também considerados bens de uma nova economia.
Como fazer com que isso valha no ambiente de trabalho do dia-a-dia?
Algumas empresas já reconhecem que as pessoas ficam mais criativas quando têm mais tempo de lazer. É importante que elas reconheçam a necessidade desse tempo, um tempo para ser, e proporcionem o ócio criativo a seus empregados. Gosto de usar o conceito de ócio criativo. A criatividade dos seus empregados aumentará, assim como a produção de energias sutis. No ócio criativo, nos tornamos menos separados, menos fragmentados e, nesse estado de consciência una, nosso coração se abre, nossa capacidade de expressão aumenta, geramos energia positiva. O significado mental pode ser medido falando com as pessoas e observando seu comportamento. No início, será preciso que alguém de fora faça isso, pois as pessoas podem fingir, por medo. Mas, uma vez que a cultura mude, esse fingimento acaba.
Economia solidária, consumo consciente, comércio justo são sinais de uma economia espiritual nascente? E o que o senhor acha do Nobel da Paz concedido em 2006 a Mohammad Yunus pelo Banco do Povo, em Bangladesh, que durante 30 anos vem oferecendo microcrédito particularmente às mulheres?
Essa microeconomia está fazendo milagres em pequenas vilas de Bangladesh, e se encaixa perfeitamente no que estou tentando dizer. Basta investir um pouquinho de dinheiro para dar segurança e dignidade à pessoa. O que dá dignidade não é o aquecimento central ou o automóvel, mas a possibilidade de ganhar o suficiente para permitir o processamento dos aspectos superiores do ser – significado, sentimento, arquétipos. A falta de segurança básica é o que leva as pessoas ao desespero, assim como nos desesperamos quando o corpo físico fica doente. O corpo físico é importante, e a medicina alopática pode curá-lo. Mas depois precisamos curar os níveis superiores, e isso a medicina alopática não pode fazer. O mesmo vale para a economia e as pessoas que vivem nessa economia.
O senhor acha que o ser humano pode controlar a cobiça por dinheiro e poder? Como essas idéias podem florescer?
A escravidão às emoções negativas só pode acabar se adotarmos práticas espirituais, como a meditação, a ioga, a oração. Os mestres espirituais vêm nos dizendo isso há tempos, mas não as praticamos – essa é a armadilha. Sugiro que nos aproximemos de pessoas sábias e cheias de vitalidade. Por causa da não-localidade e da interconectividade das nossas consciências (características que permitem à consciência agir a distância e ligar-se a tudo, respectivamente – N. da R.), já comprovadas pela física quântica, a proximidade dessas pessoas nos dará energia positiva, automaticamente. Essa é uma forma maravilhosa de equilibrar as energias negativas geradas pelos nossos circuitos cerebrais. Outra coisa é nos mantermos longe de estímulos negativos, como filmes e programas de tevê violentos. A combinação entre manter-se longe de estímulos violentos e aproximar-se de energias positivas – que podemos captar também na natureza – vai nos ajudar.
O que levou o senhor, um físico, a estudar economia?
Houve uma progressão no meu trabalho. Primeiro, desenvolvi a solução do paradoxo da medição quântica, o que me levou à psicologia. Então, me interessei pelo estudo da criatividade, que considero física quântica aplicada à mente. Depois, minha atenção se dirigiu à busca de uma explicação sobre a reencarnação e o que acontece depois da morte. Então, me interessei pela cura física, e mostrei que podemos construir uma medicina muito mais integral se incluirmos no modelo terapêutico os corpos sutis e o conceito de causação descendente. Faltava aplicar o novo paradigma a ciências mais “duras”, como a biologia, e me debrucei num livro sobre evolução biológica, que será lançado em um ou dois anos. A evolução biológica começa a ser entendida agora de modo análogo à evolução da consciência – ambas acontecem em saltos quânticos – e isso explica as falhas na evolução dos fósseis que o darwinismo não consegue explicar. Só depois disso decidi aplicar a nova ciência às ciências sociais. Minha atenção se voltou ao capitalismo porque nele a abordagem da economia é mais científica. A ciência está passando por uma mudança radical de paradigma. Em vez de pensar na matéria como base da existência, sabemos atualmente que a base de tudo é a consciência – e é isso que leva à causação descendente. Quando introduzimos essa ciência no ambiente econômico, surge uma nova economia que podemos chamar de economia espiritual. Ela contribui muito mais para o bem-estar espiritual dos empregados, o que afeta inclusive o produto e, portanto, o cliente. Prevejo um papel mais importante para a espiritualidade no mundo dos negócios, no futuro.
* Nota da reportagem:
A filosofia da causação
Na teoria de sistemas, cunhou-se a expressão “causação ascendente” em referência a fenômenos nos quais, num sistema qualquer, um nível mais baixo produz certos eventos em um nível mais alto. Exemplo: quebre sua perna e esse fato provavelmente acarretará efeitos emocionais e psicológicos. O inverso – “causação descendente” – é quando um nível mais elevado tem um efeito causal ou influencia um nível mais baixo. Exemplo: a somatização de doenças – quando, através dos pensamentos e das emoções, nossa mente influencia o corpo físico e pode provocar a doença ou a cura.
No campo da medicina, a tendência mais atual é considerar que a maior parte das doenças não se origina de um simples nível isolado. Como diz o cientista e filósofo contemporâneo Ken Wilber em seu livro A Doença e a Cura, “o que quer que aconteça em um nível ou dimensão do ser afeta todos os outros níveis em maior ou menor grau. A composição emocional, mental e espiritual de uma pessoa com certeza pode influenciar na doença física e na sua cura, do mesmo modo que a doença física pode repercutir fortemente nos níveis superiores. A pergunta, então, é: quanta causação descendente nossa mente – nossos pensamentos e emoções – tem na doença física? A resposta parece ser muito mais do que se pensava anteriormente, mas muito menos do que os adeptos da New Age acreditam.”