06/11/2020 - 0:22
Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), identificou o parasita causador de uma doença óssea crônica – a osteomielite – em ossos de dinossauros saurópodes, do grupo dos titanossauros, com mais de 80 milhões de anos. A descoberta, inédita no mundo, é importante para o entendimento de doenças similares que acometem a espécie humana ainda hoje e cujos mesmos tipos de parasitas já derrubavam os gigantes do período Cretáceo. O artigo a esse respeito foi publicado na revista “Cretaceous Research”.
Os ossos fósseis, que correspondem a restos de dinossauros carnívoros e herbívoros, foram encontrados pela equipe do Laboratório de Paleoecologia e Paleoicnologia do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva (Debe) da UFSCar, em diversas incursões a campo, na região de Ibirá (SP). “Desde o ano de 2006, esse material vem sendo incorporado à coleção de Paleontologia do Debe, para que pudesse ser estudado pelos nossos estudantes e por pesquisadores de diferentes instituições”, diz Marcelo Adorna Fernandes, docente do Debe e coordenador do Laboratório da UFSCar.
A presença do microrganismo que causava a osteomielite nos saurópodes foi identificada e passou por análises sob microscópio. Elas mostraram a existência de parasitas fossilizados na medula óssea. “Foi algo raro e inusitado, pois nunca antes foram encontrados parasitas em ossos de dinossauros, apenas em insetos preservados no âmbar, resina fóssil, e também em coprólitos, fezes petrificadas”, aponta Fernandes sobre o ineditismo do estudo.
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Dor e sofrimento
A osteomielite identificada no fóssil do saurópode ainda é diagnosticada nos dias de hoje. A doença acomete os seres humanos com infecções provocadas por bactérias ou fungos. “Quando um osso é infectado, esses microrganismos podem chegar até a medula óssea, que inflama e diminui a irrigação sanguínea. Devido a isso, ocorre uma necrose no local afetado”, explica o professor. Quando a osteomielite é crônica, a infecção atinge áreas externas ao osso e provoca abscessos, com a formação de feridas e úlceras na pele.
De acordo com Fernandes, outra doença muito parecida com a do dinossauro é a leishmaniose. Essa doença é causada por protozoários flagelados, transmitida pela picada do mosquito palha. Ela pode se manifestar, no ser humano, de diferentes formas – a cutânea, conhecida como úlcera de Bauru; e a visceral.
No caso do dinossauro, o docente explica que os parasitas se instalaram na região medular do osso. “No entanto, ainda não conseguimos precisar se a doença crônica se instalou primeiramente no dinossauro ou se foi o parasita que abriu caminho para a infecção óssea”, completa. Fernandes acrescenta que a doença devia causar muita dor e sofrimento ao dinossauro, que já era velho, provocando úlceras na pele, fístulas e secreção purulenta. “Isso lhe dava um aspecto de zumbi, daí o apelido de Dinossauro Zumbi”.
Processos similares
Para o pesquisador, a descoberta do parasita em animais do passado é importante para compreender as doenças atuais. “Quando começamos a entender o processo infeccioso no nível microscópico, podemos investigar o desenvolvimento de doenças degenerativas e que acometeram os organismos do passado. Ao compará-lo com doenças atuais, até mesmo no nível celular, podemos compreender que os resultados das infecções são os mesmos, pois os processos acontecem da mesma maneira. Então, evolutivamente, a relação entre parasita e hospedeiro parece ser tão antiga quanto os próprios dinossauros”, conclui.
A pesquisa foi desenvolvida inicialmente no Laboratório de Paleoecologia e Paleoicnologia do Debe, por Tito Aureliano, mestrando da Unicamp, pesquisador na UFRN e colaborador do Laboratório da UFSCar, sob co-orientação do professor Marcelo Adorna Fernandes. Os pesquisadores elaboraram um vídeo sobre o estudo, que pode ser acessado no canal do Youtube dos Colecionadores de Ossos (https://bit.ly/3kAbQ1U).
Participaram também da pesquisa e do artigo Carolina Santa Isabel, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais (PPGERN) da UFSCar; Fresia Ricardi-Branco, orientadora e docente da Unicamp; e Aline Ghilardi, ex-pós-doutoranda do PPGERN e atual professora e paleontóloga da UFRN.