10/11/2020 - 12:10
No Japão, a proporção da população solteira aumentou dramaticamente nas últimas três décadas. Em 2015, uma em cada quatro mulheres e um em cada três homens na casa dos 30 anos eram solteiros. Além disso, metade dos solteiros afirmou não se interessar por relacionamentos heterossexuais. Especialistas em saúde pública da Universidade de Tóquio descobriram que aqueles que não se interessam por relacionamentos têm mais probabilidade de ter renda mais baixa e menos educação do que seus pares com interesse romântico. Ou seja, fatores socioeconômicos estariam por trás da estagnação do mercado de namoro japonês.
A mídia japonesa tem apelidado o tão discutido aumento da virgindade e um suposto declínio no interesse por namoro e sexo como sintomas da “herbivorização” das gerações mais jovens. Na cultura popular, os adultos solteiros e aparentemente desinteressados em encontrar parceiros românticos ou sexuais são “herbívoros”. Já aqueles que procuram ativamente parceiros românticos são “carnívoros”.
“Este fenômeno herbívoro, tanto sua definição quanto se ele realmente existe, tem sido calorosamente debatido por uma década no Japão, mas faltam dados nacionalmente representativos”, disse o dr. Peter Ueda, especialista em epidemiologia e autor correspondente da pesquisa sobre o tema publicada na revista “PLOS One”.
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Relacionamentos heterossexuais
A nova análise usou dados coletados pela Pesquisa Nacional de Fertilidade do Japão, um questionário projetado e implementado aproximadamente a cada cinco anos entre 1987 e 2015 pelo Instituto Nacional Japonês de Pesquisa de População e Previdência Social.
O Japão ainda não tem igualdade no casamento para casais do mesmo sexo e a linguagem da pesquisa perguntou explicitamente apenas sobre relacionamentos heterossexuais. Segundo os pesquisadores, qualquer participante não heterossexual da pesquisa estaria oculto nos dados, provavelmente respondendo como solteiro e não interessado em um relacionamento, independentemente de como prefere se descrever.
Cinco anos atrás, havia mais 2,2 milhões de mulheres solteiras e 1,7 milhão de homens solteiros no Japão com idades entre 18 e 39 anos em comparação com 1992. Em 1992, 27,4% das mulheres e 40,4% dos homens no Japão com idades entre 18 e 39 anos eram solteiros. Em 2015, 40,7% das mulheres e 50,8% dos homens da mesma faixa etária eram solteiros.
Comparação com países do Ocidente
Os pesquisadores especulam que o maior número de homens solteiros pode ser explicado por mulheres, em média, namorando homens mais velhos do que elas. Assim, muitos de seus parceiros masculinos tinham mais de 39 anos e, portanto, estavam fora da faixa etária investigada. Outros fatores contribuintes podem ser que a população total do Japão de 18 a 39 anos inclui mais homens, sendo estes mais propensos a namorar mais de um parceiro, ou diferenças em como homens e mulheres relatam sua própria situação de relacionamento.
Pesquisas conduzidas entre 2010 e 2018 na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e no Japão revelam que, embora proporções semelhantes de mulheres sejam solteiras entre 18 e 24 anos, substancialmente mais mulheres japonesas permanecem solteiras à medida que envelhecem. A proporção de mulheres de 18 a 24 anos e a proporção de mulheres de 35 a 39 anos que atualmente são solteiras foi de 65,6% e 24,4% no Japão, 41,5% e 14,0% na Grã-Bretanha e 62,6% e 16,6% nos Estados Unidos.
O número de homens solteiros é maior no Japão do que na Grã-Bretanha ou nos EUA, mas menos dramaticamente diverso do que as mulheres. Os dados britânicos vêm da pesquisa Natsal-3 de 2010 a 2012. Os dados americanos vêm da Pesquisa Social Geral de 2012 a 2018.
Expectativa de relacionamento futuro
O aumento constante de solteiros desde 1992 no Japão é impulsionado principalmente por reduções constantes nos casamentos. Enquanto isso, o número de pessoas que se descrevem como “em um relacionamento” permaneceu estável.
“Depois dos 30 anos, ou você é casado ou solteiro. Muito poucas pessoas nas faixas etárias mais velhas são solteiras e estão em um relacionamento. Pode-se especular que a promoção do casamento como a forma socialmente mais aceitável de relacionamento entre adultos construiu uma barreira para formar relacionamentos românticos no Japão”, disse Ueda.
Na pesquisa de 2015, pessoas solteiras receberam perguntas de acompanhamento sobre se estavam interessadas ou não em encontrar um relacionamento. Mais da metade de todas as pessoas solteiras que se disseram desinteressadas em relacionamentos também disseram que ainda esperam se casar um dia. As taxas foram de 62,9% das mulheres e 65,7% dos homens.
Os japoneses mais jovens costumam dizer que não têm interesse em relacionamentos. Cerca de um terço das mulheres (37,4%) e dos homens (36,6%) de 18 a 24 anos se autodenominaram solteiros e sem interesse em um relacionamento. Apenas uma em sete (14,4%) mulheres e um em cada cinco homens (19,5%) com idade entre 30 e 34 anos se autodenominaram solteiros e desinteressados.
Fatores de elegibilidade para casamento
“Entre os homens, a renda mais baixa foi fortemente associada a ser solteiro, embora isso não represente necessariamente causalidade”, disse Ueda. “Se transferíssemos um milhão de dólares para sua conta bancária agora, não está claro se os solteiros aumentariam seu interesse em mudar seu status de relacionamento. No entanto, não seria exagero esperar que uma renda mais baixa e empregos precários constituam desvantagens no mercado de namoro japonês.”
Independentemente da idade, os homens casados tinham maior probabilidade de ter um emprego regular e rendimentos mais elevados. Entre os homens casados, 32,2% tinham uma renda anual de pelo menos 5 milhões de ienes japoneses (cerca de US$ 48 mil). Essa proporção caía para 8,4%, 7,1% e 3,9% entre aqueles em um relacionamento, solteiros com interesse e solteiros desinteressados, respectivamente.
Efeito covid-19
“O fenômeno dos herbívoros pode ser parcialmente uma adversidade socioeconômica. Se as políticas governamentais abordassem diretamente a situação das populações de baixa renda e baixa escolaridade, acho que algumas pessoas com falta de estabilidade no emprego ou recursos financeiros podem ter novo interesse em namorar”, disse a drª Haruka Sakamoto, especialista em saúde pública e coautora do artigo.
Na Europa e nos EUA, o casamento costuma estar associado a maiores rendas e educação tanto para mulheres quanto para homens. Mas não se sabe como esses fatores influenciam o interesse dos solteiros por relacionamentos românticos.
Os efeitos econômicos da pandemia podem reduzir ainda mais o interesse dos jovens adultos em encontrar um romance. “Se o baixo nível socioeconômico está contribuindo para essa diminuição no namoro no Japão, podemos supor que o estresse econômico da covid-19 poderia levar a ainda menos atividades românticas no país”, disse Ueda.