18/11/2020 - 10:19
O mineral zircão (ou zirconita), que contém urânio, está presente em abundância na crosta continental da Terra. Por ele é possível obter informações sobre a idade e a origem dos continentes e grandes características geológicas, como cadeias de montanhas e vulcões gigantes. Diferentemente da Terra, porém, a crosta de Marte não evoluiu e sua composição é semelhante à crosta encontrada sob os oceanos da Terra, onde o zircão é raro. Portanto, não se espera que o zircão seja um mineral comum em Marte.
Mas não foi isso o que constatou uma equipe internacional de cientistas que analisou um antigo meteorito proveniente de Marte. “Ficamos muito surpresos e entusiasmados quando encontramos tantos zircões nesse meteorito marciano. Zircões são cristais incrivelmente duráveis que podem ser datados e preservam informações que nos informam sobre suas origens. Ter acesso a tantos zircões é como abrir uma janela de tempo para a história geológica do planeta”, descreve o professor Martin Bizzarro, do Instituto Globe da Universidade de Copenhague (Dinamarca), que conduziu o estudo.
O artigo sobre a pesquisa foi publicado na revista “PNAS”.
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Idades bem menores
A equipe investigou o meteorito marciano NWA 7533, apelidado de “Black Beauty” (“Beleza Negra”), descoberto no deserto do Marrocos em 2011. Depois de esmagar 15 gramas dessa rocha, eles extraíram cerca de 60 zircões. Ao datar os zircões pela idade, eles descobriram que a maioria dos cristais surgiu cerca de 4,5 bilhões de anos atrás, ou seja, o início da vida do planeta. Mas eles também fizeram uma descoberta inesperada: alguns dos zircões definiram idades muito mais jovens, variando de cerca de 1,5 bilhão de anos até 300 milhões de anos.
“Essas idades foram uma grande surpresa”, diz Bizzarro. “Acredita-se que o meteorito Black Beauty venha do hemisfério sul de Marte, que não tem nenhum terreno vulcânico jovem. A única fonte possível para esses zircões jovens é a província vulcânica de Tharsis, localizada no hemisfério norte do planeta, que contém grandes vulcões que estiveram ativos recentemente”, acrescenta Bizzarro.
Tharsis é uma enorme província vulcânica marciana que hospeda os maiores vulcões do Sistema Solar, com até 21 km de altura. Os cientistas acreditam que essa província vulcânica é a expressão de um magmatismo muito profundo que irrompe na superfície dos planetas. A analogia na Terra é a cadeia de ilhas vulcânicas do Havaí, que também se acredita refletir a atividade vulcânica profunda. Mas, por causa da tectônica de placas, a Placa do Pacífico está constantemente se movendo, de tal forma que, em vez de se acumular em um único local, uma cadeia de ilhas vulcânicas cada vez mais jovens se formou. Como Marte não tem placas tectônicas, os vulcões se acumulam em um único local e, como resultado, crescem atingindo tamanhos gigantescos.
Acesso direto
Se a equipe de Bizzarro estiver correta, isso significa que os zircões jovens podem conter informações sobre o interior profundo e inacessível de Marte. Essa é a primeira vez que os cientistas têm acesso direto ao interior profundo do Planeta Vermelho por meio dessas amostras, o que pode permitir que eles descubram a estrutura interna e a composição de Marte.
“Ter amostras do interior profundo de Marte é fundamental. Isso significa que agora podemos usar esses zircões para sondar a origem dos elementos voláteis de Marte, incluindo sua água, e ver como ele se compara à Terra e a outros planetas do Sistema Solar”, explica Mafalda Costa, também da Universidade de Copenhague e primeira autora do estudo.
Mas para entender a natureza do interior marciano profundo, os pesquisadores se voltaram para a análise da composição isotópica do elemento háfnio nos mesmos zircões.
“Como o háfnio é um dos principais constituintes elementares do zircão, ele guarda a memória de onde o zircão se formou”, diz Martin Bizzarro. “Descobrimos que a composição isotópica de háfnio dos zircões jovens é diferente de qualquer um dos meteoritos marcianos conhecidos, o que indica que os zircões jovens vêm de um reservatório primitivo que não sabíamos que existia no interior de Marte”, acrescenta.
Sem modificações
A composição isotópica do háfnio dos zircões jovens é semelhante à dos objetos mais primitivos do Sistema Solar, ou seja, meteoritos denominados condritos. Esses condritos são amostras de asteroides que nunca foram modificados desde sua formação. Isso implica que o interior profundo de Marte essencialmente não foi modificado desde a formação do planeta. A existência de tal reservatório primitivo é esperada para um planeta sem placas tectônicas. Em contraste com a Terra, onde o material formado na superfície é continuamente reciclado para o interior por placas tectônicas, o interior profundo de Marte permaneceu inalterado desde o nascimento do planeta e, como tal, ele preserva sua composição inicial.
Finalmente, a descoberta de que o zircão pode ser abundante na superfície marciana pode guiar a futura exploração robótica do planeta, especialmente no contexto do retorno de amostras à Terra.
“Nosso estudo deixa claro que uma missão de retorno com o objetivo de adquirir amostras de zircão será de alto valor científico para a compreensão da história geológica de Marte”, conclui Martin Bizzarro.