26/11/2020 - 20:12
Segundo a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), anualmente no Brasil são gerados aproximadamente cerca de 800 mil toneladas de rejeitos oriundos da produção de madeira na região Norte. Esses resíduos, que podem ser partes de troncos com rachaduras ou fora das medidas desejadas e até pedaços laterais da tora, normalmente são queimados após o processo de extração, gerando danos ao meio ambiente devido à emissão de gás carbônico na atmosfera.
Como forma de solucionar esse problema, pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP conseguiram propor um novo destino a esses rejeitos. Eles os utilizam para construir um tipo de painel feito com lascas de árvores (OSB) conhecido por sua utilização na construção civil, fabricação de móveis, produção de embalagens e decoração.
“O estudo foi pensado a partir do fato de que todo painel OSB do mundo tem como matéria-prima os troncos de árvores de florestas plantadas, em geral de espécies do gênero Pinus, um tipo de pinheiro. O grande volume de rejeitos dessas toras não havia sido, até então, considerado para a produção do material, que agrega valor a um resíduo que usualmente é descartado, além de reduzir drasticamente o impacto ambiental negativo gerado por sua queima indiscriminada, que contribui para o aumento do efeito estufa,” explica Francisco Antonio Rocco Lahr, um dos autores do trabalho e professor do Departamento de Engenharia de Estruturas (SET) da EESC.
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Assista ao vídeo abaixo com mais informações sobre a pesquisa:
Simples e rápido
Os pesquisadores contam que o processo de fabricação dos painéis OSB a partir dos rejeitos é simples e rápido. Após receberem amostras de resíduos doados por serrarias da região Norte, os cientistas da USP utilizaram um equipamento (picador de disco) capaz de obter lascas dessa madeira descartada. Elas posteriormente são misturadas por cinco minutos em uma batedeira com um tipo de cola à base de mamona. Depois do procedimento, o material é prensado por mais oito minutos a uma temperatura que varia de 95°C a 100°C, dando forma final ao produto.
Após o painel ser produzido, foi preciso avaliar suas características físicas e mecânicas para descobrir se sua comercialização era viável. “Os principais testes que nós realizamos foram para determinar as propriedades de resistência, o grau de rigidez e a influência da umidade nos painéis. Nos resultados obtidos, eles tiveram um excelente desempenho, mostrando-se habilitados a ser utilizados em diversas aplicações estruturais, já que atendem aos requisitos estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)”, completa o docente.
Fabricação
O estudo foi realizado no Laboratório de Madeira e de Estruturas de Madeira (LaMEM) do SET, em parceria com a Universidade do Porto, em Portugal. Autora principal do trabalho, a pesquisadora Isabella Imakawa Araújo, doutoranda da EESC, conta que as espécies de madeira utilizadas no projeto para o desenvolvimento dos painéis OSB estão entre as que mais geram rejeitos nas serrarias do Norte, principal região produtora de madeira do País. As espécies estudadas no trabalho foram: cambará (Erisma sp.), caixeta (Simarouba sp.), tatajuba (Bagassa guianensis), tauari (Couratari oblongifolia) e cedroarana (Cedrelinga catenaeformis).
A cientista explica que desenvolveu tanto painéis utilizando espécies isoladas como misturando mais de uma na mesma peça. A peça tinha sempre três camadas, e em cada uma delas as lascas eram posicionadas em sentidos diferentes.
A cola à base de mamona utilizada para dar aderência às camadas do painel é mais sustentável e, diferentemente das convencionais, não possui propriedades cancerígenas, como o formol. Além de poder ser reaproveitado, o “adesivo natural” ainda tem a vantagem de ser processado a uma temperatura de 100°C. Já as colas tradicionais precisam atingir até 180°C, demandando um gasto energético bem maior. Mesmo assim, os adesivos sintéticos ainda são os mais utilizados pelas empresas.
Desperdício a ser aproveitado
A ideia de realizar a pesquisa surgiu após visitas realizadas pelo professor Rocco a universidades do Norte. Nessas oportunidades, ele observou de perto o processo de produção de madeira local. Grandes quantidades de rejeitos são transportados para a queima, o que despertou em Rocco o interesse em tentar aproveitar o material que seria descartado para a fabricação dos painéis.
Para se ter uma ideia do que representa a quantidade de resíduo gerado por ano no Brasil (800 mil toneladas), a única fábrica de painéis de lascas do país, localizada em Ponta Grossa (PR), produz anualmente cerca de 240 mil toneladas do produto. Isso representa aproximadamente três vezes menos que o número de rejeito gerado.
Eficiência melhorada
Isabela explica que um dos principais problemas enfrentados pelas madeireiras é que elas aproveitam apenas 35% da tora da árvore para o desenvolvimento de produtos. O restante é descartado, cenário esse que poderia mudar completamente com o aproveitamento dos resíduos. “Além de contribuir com o meio ambiente, melhoraríamos a eficiência produtiva dessas empresas, que é muito baixa, podendo ainda gerar novas oportunidades de emprego e crescimento econômico para a região Norte”, diz a cientista, que teve sua pesquisa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Os pesquisadores pretendem ajudar a viabilizar a implantação da primeira empresa produtora de painéis OSB do Norte do Brasil, a fim de facilitar a logística de aproveitamento dos rejeitos. “Já temos algumas tratativas iniciais com alguns grupos interessados e esperamos que, com a melhora da pandemia, possamos acelerar esse processo. É urgente termos uma solução que envolva o uso racional desses resíduos para que eliminemos os problemas ambientais ocasionados pelas suas queimadas”, finaliza Rocco.
Mais informações: e-mail eesc.jornalista@usp.br, na Assessoria de Comunicação da EESC