02/12/2020 - 12:08
Um dos primeiros exemplos de arte do mundo, as enigmáticas estatuetas de ‘Vênus’ esculpidas cerca de 30 mil anos atrás, intrigaram e confundiram os cientistas por quase dois séculos. Agora, um pesquisador da Universidade do Colorado (EUA) acredita que reuniu evidências suficientes para resolver o mistério por trás desses totens curiosos.
As representações manuais de mulheres obesas ou grávidas, que aparecem na maioria dos livros de história da arte, há muito eram vistas como símbolos de fertilidade ou beleza. Mas de acordo com o dr. Richard Johnson, principal autor do estudo publicado na revista “Obesity”, a chave para entender as estátuas está nas mudanças climáticas e na dieta alimentar.
“Algumas das primeiras artes do mundo são essas misteriosas estatuetas de mulheres com sobrepeso da época dos caçadores-coletores da Idade do Gelo na Europa, onde você não esperaria ver obesidade de forma alguma”, disse Johnson, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Colorado especializado em doenças renais e hipertensão. “Mostramos que essas estatuetas estão relacionadas a momentos de estresse nutricional extremo.”
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Mudança climática
Os primeiros humanos modernos entraram na Europa durante um período de aquecimento há cerca de 48 mil anos. Conhecidos como aurignacianos, eles caçavam renas, cavalos e mamutes com lanças com pontas de osso. No verão, comiam frutas vermelhas, peixes, nozes e plantas. Mas então, como agora, o clima não permaneceu estático.
Conforme as temperaturas caíram, as camadas de gelo avançaram e o desastre se instalou. Durante os meses mais frios, as temperaturas despencaram para 10-15 graus Celsius. Alguns bandos de caçadores-coletores morreram, outros se mudaram para o sul, alguns buscaram refúgio nas florestas.
Foi durante esses tempos de desespero que as estatuetas obesas apareceram. Elas variavam entre 6 e 16 centímetros de comprimento e eram feitas de pedra, marfim, chifre ou ocasionalmente argila. Algumas eram perfuradas para a passagem de fios e usadas como amuletos.
Johnson e seus coautores mediram as proporções cintura-quadril e cintura-ombro das estátuas. Eles descobriram que aquelas encontradas mais perto das geleiras eram as mais obesas em comparação com aquelas localizadas mais longe. Eles acreditam que as estatuetas representam um tipo de corpo idealizado para essas difíceis condições de vida.
Obesidade variável
“Propomos que elas transmitiam ideais de tamanho corporal para mulheres jovens, especialmente aquelas que viviam nas proximidades de geleiras”, disse Johnson, que além de ser médico tem graduação em antropologia. “Descobrimos que as proporções do tamanho do corpo eram maiores quando as geleiras avançavam, enquanto a obesidade diminuía quando o clima esquentava e as geleiras se retraíam.”
A obesidade, segundo os pesquisadores, passou a ser uma condição desejada. Uma mulher obesa em tempos de escassez poderia carregar uma criança durante a gravidez melhor do que uma desnutrida. Portanto, as estatuetas podem ter sido imbuídas de um significado espiritual – um fetiche ou amuleto mágico de algum tipo que poderia proteger uma mulher durante a gravidez, o parto e a amamentação.
Muitas das estatuetas estão bem gastas, indicando que eram heranças passadas de mãe para filha por gerações. As mulheres que estão entrando na puberdade ou nos primeiros estágios da gravidez poderiam tê-las recebido na esperança de transmitir a massa corporal desejada para garantir um parto bem-sucedido.
Ênfase na saúde e na sobrevivência
“O aumento da gordura forneceria uma fonte de energia durante a gestação por meio do desmame do bebê e também durante o isolamento muito necessário”, disseram os autores.
A promoção da obesidade, disse Johnson, garantiu que o grupo continuasse por mais uma geração nessas condições climáticas mais precárias.
“As estatuetas surgiram como uma ferramenta ideológica para ajudar a melhorar a fertilidade e a sobrevivência da mãe e dos recém-nascidos”, disse Johnson. “A estética da arte, portanto, teve uma função significativa em enfatizar a saúde e a sobrevivência para acomodar as condições climáticas cada vez mais austeras.”
O sucesso da equipe em reunir evidências para apoiar sua teoria veio da aplicação de medições e da ciência médica a dados arqueológicos e modelos comportamentais de antropologia. “Esses tipos de abordagens interdisciplinares estão ganhando impulso nas ciências e são muito promissores”, disse Johnson.