09/12/2020 - 9:07
Novas análises de resíduos lipídicos (de gordura) revelaram um domínio de produtos de origem animal, como a carne de animais como porcos, bovinos, búfalos, ovinos e caprinos, bem como produtos lácteos, acondicionados em vasos de cerâmica antigos de assentamentos rurais e urbanos da civilização do Vale do Indo no noroeste da Índia (nos atuais estados de Haryana e Uttar Pradesh). Essa civilização, que além da Índia ocupou terras dos atuais Paquistão e Afeganistão, existiu entre 3300 a.C. e 1300 a.C. e atingiu seu auge entre 2600 a.C. e 1900 a.C
O estudo, de uma equipe internacional, foi liderado pelo dr. Akshyeta Suryanarayan, ex-doutorando de Arqueologia da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e atual pesquisador de pós-doutorado no Cepam, UMR7264-CNRS (França). O trabalho foi publicado na revista “Journal of Archaeological Science”.
- Matemática mostra como mudança climática derrubou civilização na Ásia
- Cientistas vinculam fim do Saara Verde a megasseca no sudeste da Ásia
“O estudo de resíduos de lipídios envolve a extração e identificação de gorduras e óleos que foram absorvidos em vasos de cerâmica antigos durante seu uso no passado”, observou o dr. Suryanarayan. “Os lipídios são relativamente menos propensos à degradação e foram descobertos em cerâmica por estudos arqueológicos contextos em todo o mundo. No entanto, sua investigação em cerâmicas antigas do sul da Ásia tem sido muito limitada.”
Resultados inesperados
“Este estudo é o primeiro a investigar resíduos de lipídios absorvidos em cerâmica de vários locais do Indo, incluindo a cidade de Rakhigarhi, bem como outros assentamentos de Farmana e Masudpur I e VII. Isso permite que as comparações sejam feitas entre assentamentos e ao longo do tempo”, prosseguiu Suryanarayan.
A identificação de compostos específicos nos extratos lipídicos permite a detecção de diferentes produtos vegetais ou animais, como ácidos graxos, anteriormente utilizados nos vasos. Além disso, a análise isotópica de ácidos graxos possibilita a diferenciação de diferentes tipos de carne e leite animal. Essas análises permitem uma compreensão do uso do recipiente e o que estava sendo cozido nele.
Suryanarayan disse: “Nosso estudo de resíduos de lipídios na cerâmica do Indo mostra uma predominância de produtos de origem animal em vasos, como a carne de animais não ruminantes como porcos, animais ruminantes como gado ou búfalo e ovelha ou cabra, bem como produtos lácteos. No entanto, como um dos primeiros estudos na região existem desafios interpretativos. Alguns dos resultados foram bastante inesperados. Por exemplo, encontramos um predomínio de gorduras de animais não ruminantes, embora restos de animais como porcos não sejam encontrados em grandes quantidades nos assentamentos do Indo. É possível que produtos vegetais ou misturas de produtos vegetais e animais também tenham sido usados em vasos, criando resultados ambíguos”.
Produtos lácteos
“Além disso, apesar das altas porcentagens de restos de animais ruminantes domésticos encontrados nesses locais, há evidências diretas muito limitadas do uso de produtos lácteos em vasos, inclusive em vasos perfurados que se supôs anteriormente que estariam ligados ao processamento de laticínios”, prosseguiu Suryanarayan. “Um estudo recente da ‘Scientific Reports’ relatou mais evidências de produtos lácteos, principalmente em tigelas em Gujarat. Nossos resultados sugerem que pode ter havido diferenças regionais. A análise de mais vasos de locais diferentes nos ajudaria a explorar esses padrões potenciais.”
O autor sênior do estudo, dr. Cameron Petrie, da Universidade de Cambridge, afirmou: “Os produtos usados em vasos em locais rurais e urbanos do Indo no noroeste da Índia são semelhantes durante o período Harappa maduro (c. 2600/2500-1900 a.C). Isso sugere que embora os assentamentos urbanos e rurais fossem distintos e as pessoas que viviam neles usassem diferentes tipos de cultura material e cerâmica, eles podem ter compartilhado práticas culinárias e maneiras de preparar alimentos”.
“Também há evidências de que os assentamentos rurais no noroeste da Índia exibiram uma continuidade nas maneiras de cozinhar ou preparar alimentos desde o período urbano (Harappa maduro) até o período pós-urbano (Harappa tardio), particularmente durante uma fase de instabilidade climática por volta de 2100 a.C., o que sugere que as práticas diárias continuaram em pequenos locais rurais devido às mudanças culturais e climáticas”, acrescentou Petrie.
Resiliência na aridez
Esse estudo se soma à pesquisa existente na região, que sugere a resiliência dos assentamentos rurais no noroeste da Índia durante a transformação da civilização do Indo e ao longo de um período de aridez crescente.
Os resultados também têm implicações importantes para ampliar nossa compreensão sobre os hábitos alimentares do Sul da Ásia, bem como a relação entre cerâmica e alimentos.
“Nossa compreensão da história culinária do Sul da Ásia ainda é muito limitada, mas esses resultados demonstram que o uso de resíduos lipídicos, combinado com outras técnicas em bioarqueologia, tem o potencial de abrir novos caminhos interessantes para a compreensão da relação entre o meio ambiente, os alimentos, a cultura material e a sociedade ancestral no sul da Ásia proto-histórico”, afirmou Suryanarayan.