01/12/2020 - 12:10
Nos anos 1980, um diagnóstico de HIV era considerado uma sentença de morte. Mas muitos sobreviveram além das expectativas, como o alemão Gerhard Malcherek, que vive com o vírus há mais de 30 anos.”No início, eu simplesmente não queria saber se era HIV-positivo”, lembra Gerhard Malcherek. “Fui ao hospital e implorei aos médicos para que não me contassem.” Mas eles contaram – e as notícias eram ruins.
Hoje, Malcherek leva uma vida semelhante à de muitos outros aposentados alemães. “Quando se fica velho, a tendência é se mudar para o campo”, diz rindo pelo telefone, falando a partir de sua casa em um pequeno vilarejo nos arredores de Colônia. Ele aprecia longas caminhadas com seu cachorro, faz trabalhos voluntários e passa tempo ao lado de seu parceiro: uma vida idílica para qualquer pessoa de 68 anos.
Mas para Malcherek, ser capaz de aproveitar essa fase da vida nunca foi algo tido como certo. Diagnosticado com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) em 1986, ele foi uma das primeiras pessoas na cidade de Colônia a receber o resultado positivo, e tem convivido desde então com o vírus que já ceifou tantas vidas.
As origens do HIV
O HIV é um vírus que ataca células do corpo que ajudam a combater infecções. Assim, indivíduos soropositivos ficam mais vulneráveis a outras infecções e doenças e, se não forem tratados, podem desenvolver aids (síndrome da imunodeficiência adquirida), uma doença letal.
Sem medicamentos, pessoas com aids sobrevivem em torno de três anos, segundo informações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A epidemia de HIV tem origens obscuras. Ela foi identificada pela primeira vez nos Estados Unidos em 1981 na comunidade gay. Como o vírus é transmitido por meio da troca de fluidos corporais, gays que fazem sexo anal e oral desprotegidos ainda são considerados grupo de alto risco.
Mas pessoas de qualquer sexo, idade ou orientação sexual podem ser infectadas e, em muitas áreas do mundo, mulheres jovens heterossexuais são estatisticamente mais propensas a serem infectadas. Altas taxas de infecção também são observadas entre usuários de drogas e profissionais do sexo.
O vírus se espalhou rapidamente pelo mundo e se tornou uma das piores epidemias da história mundial. Os efeitos podem ser graves – e rápidos.
Na década de 1980, o diagnóstico de HIV era “praticamente uma sentença de morte”, diz Malcherek.
HIV chega à Colônia
Antes da Reunificação alemã, Colônia era o coração da comunidade gay da Alemanha Ocidental. Gerhard conta que foi um dos muitos gays diagnosticados naquela época, mas que isso não o fez se sentir menos solitário.
“Durante seis anos decidi me isolar”, conta. “Eu não saía; não fazia muita coisa. Como na época eu tinha um namorado que era HIV-negativo, não fazíamos mais sexo – vivíamos realmente como um casal de idosos”, acrescenta rindo.
Para manter o vírus sob controle, Gerhard tomava o antiviral AZT, um comprimido que devia ingerir a cada quatro horas, dia e noite, e que, segundo ele, dava náuseas e o deixava com um “gosto de ferro na boca, simplesmente horrível”.
Além do cansaço físico e de outros sintomas, Malcherek teve que enfrentar o estigma associado às pessoas soropositivas, que persiste até hoje.
“Não contei para todo mundo”, diz ele. “Mas comecei a frequentar o Deutsche Aids-Hilfe (o maior grupo de HIV/aids da Alemanha), e eles realmente ajudaram. Antes disso, eu me encontrava num ponto em que simplesmente não conseguia mais continuar. Eu me pergunto muito sobre como seria minha vida sem o Aids-Hilfe.”
Na organização, Malcherek conheceu outros soropositivos, aprendeu técnicas para informar as pessoas – tais como empregadores – sobre sua condição e como fazer sexo seguro.
Ele também foi presidente voluntário do Aids-Hilfe de Colônia por 13 anos, organizando eventos e aconselhamentos para aqueles que viviam com o diagnóstico e visitando hospitais e clínicas médicas. Nos anos 2000, ele recebeu a Ordem do Mérito, um dos mais altos reconhecimentos do serviço público da Alemanha.
Mas seus amigos continuaram morrendo. “Um número realmente assustador de pessoas morreu”, diz Malcherek. “E é claro que eu me perguntava: por que eu sobrevivi? Há dois ou três de nós em Colônia que ainda estamos vivos hoje e sei que todos fazemos a mesma pergunta – por que ainda estamos vivos? Ainda me pergunto isso.”
Políticos solidários
Na Alemanha, as taxas de infecção são comparativamente baixas: pouco mais de 90 mil pessoas vivem hoje com HIV no país, de acordo com os últimos números do Instituto Robert Koch, responsável pela prevenção e controle de doenças no país, publicados em novembro. Em 2019, 2,6 mil novas infecções foram registradas na Alemanha, um ligeiro aumento em relação ao ano anterior.
Na década de 1980, os governos conservadores nos Estados Unidos, sob o presidente republicano Ronald Reagan, e no Reino Unido, sob a primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher, demoraram a oferecer ajuda aos gays, culpando as vítimas por seu estilo de vida ou rotulando a doença como um suposto ato de Deus para punir os homossexuais.
Também na Alemanha alguns portadores de HIV enfrentaram estigmatização. “Algumas pessoas eram intimidadas por proprietários de imóveis ou empregadores, outras não tinham onde morar nem dinheiro algum”, lembra Malcherek. “Mas nunca tive problemas desse tipo.”
Para marcar o Dia Mundial de Luta contra a Aids em 2020, as autoridades de saúde alemãs e ativistas iniciaram uma campanha contra a estigmatização, que ainda persiste na Alemanha, embora em menor grau. Segundo levantamento apresentado pela associação de seguradoras privadas de saúde na Alemanha, um em cada cinco alemães admite ter reservas sobre o compartilhamento de escritórios com portadores de HIV.
“Tive sorte, pois tinha um bom emprego. Sempre consegui remédios através de meu seguro de saúde público. No início dos anos 1990, quando fiquei muito doente, fui aposentado do emprego, aos 40 anos. Meu chefe foi muito compreensivo.”
O parceiro de Malcherek, que é americano, fixou residência na Alemanha em parte por causa dos melhores serviços de saúde disponíveis para pessoas HIV-positivas.
Teorias da conspiração
As coisas mudaram desde o diagnóstico de Malcherek: o HIV não é mais a sentença de morte que costumava ser na maioria dos países ocidentais, mas continua sendo uma doença agressiva e frequentemente fatal em partes da África e outros países em desenvolvimento. Cerca de 38 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com a condição.
Embora ainda não haja uma cura para o vírus, o acesso à medicação hoje permite a possibilidade de tratamento. Mais de 90% de todos os portadores do HIV tomam medicamentos para suprimir o vírus com sucesso, permitindo-lhes levar uma vida totalmente normal.
Além disso, a chamada Profilaxia pré-exposição (PrEP) foi lançada gratuitamente em muitos países, incluindo a Alemanha, prevenindo a infecção entre aqueles que recebem o respectivo medicamento.
“Se tivéssemos o que a geração mais jovem tem hoje, isso teria nos poupado de muita dor e sofrimento”, diz Malcherek, que sofre de uma dolorosa condição crônica nos nervos relacionada ao HIV.
Ele permanece profundamente engajado política e socialmente. E lamenta o fato de teorias da conspiração circularem sobre a atual pandemia de covid-19. Depois de passar tanto tempo em hospitais como vítima de um vírus letal, Malcherek também já perdeu a paciência com aqueles que colocam em dúvida a veracidade de imagens que mostram as unidades de terapia intensiva para pacientes do novo coronavírus.
“É uma loucura que as pessoas olhem para as imagens de hospitais completamente sobrecarregados e digam 'isso é falso'”, diz ele com tristeza. As pessoas não estão bem preparadas para falar sobre doenças, avalia.
“Mas para mim – bem, eu estou acostumado a isso”, acrescenta. “E minha vida tem sido boa.”