01/12/2007 - 0:00
Os oceanos cobrem dois terços da superfície da Terra. Maior espaço habitável do planeta, eles concentram a maioria dos seres vivos e da biodiversidade. Como se não bastasse, essas imensas massas de água salgada desempenham um papel essencial nos sistemas que garantem a vida e respondem pela manutenção a longo prazo da estabilidade ambiental do planeta.
O meio ambiente marinho, porém, encontra-se cada vez mais ameaçado. Hoje, restam pouquíssimas áreas que ainda não sofreram algum tipo de interferência poluidora por parte do homem. Menos de 0,5% dos litorais oceânicos e demais áreas marítimas se beneficia de alguma forma de preservação ambiental, e em apenas 0,01% dessas áreas as atividades predatórias são estritamente proibidas. Além disso, o avanço rápido do aquecimento global pode colocar em risco diversas áreas costeiras e, sobretudo, os bancos de corais: eles estão embranquecendo devido ao aumento da temperatura das águas, e esse é apenas um dos sintomas do impacto causado.
Em sentido horário, a partir da esquerda: Seychelles, ilhas do Índico ameaçadas pela elevação do nível do mar; o aumento da temperatura da água faz os corais embranquecerem; pesca industrial da baleia.
O CRESCIMENTO exponencial da industrialização e da exploração dos recursos marinhos ocorrido no século 20 desfez o mito de que os oceanos constituem uma fonte inesgotável de recursos. Uma das atividades mais prejudiciais nesse sentido é a pesca em escala industrial, cujos avanços tecnológicos lhe permitem capturar quantidades de seres marinhos muito superiores às possibilidades de reprodução dos ecossistemas do mar. Com isso, tem-se observado nos últimos anos um esgotamento da vida marinha. Muitas populações de baleias e pequenos cetáceos poderão desaparecer nas próximas décadas, ao mesmo tempo que, devido ao excesso, a produção pesqueira está decrescendo desde o início da década de 1990. Como resultado disso temos, em toda a Terra, um ecossistema marinho mais vulnerável às mudanças climáticas e à contaminação por substâncias poluentes.
AOS EFEITOS DA atividade pesqueira não sustentável somam-se outros fatores deletérios: os dejetos químicos lançados no mar, a destruição dos espaços costeiros, a falta de legislação sobre o transporte de substâncias perigosas, as mudanças climáticas. Essa catástrofe ambiental está em ligação íntima com o drama social provocado pela extinção comercial de muitas espécies, particularmente nos países ao sul do equador, nos quaisas populações litorâneas que dependem da pesca estão entre as mais pobres e desfavorecidas.
Para dificultar ainda mais a situação, a forma com que os governos enfrentam a crise dos oceanos não apresentou mudanças significativas nos últimos anos.
Voluntários limpam pedras e areia poluídas pelo vazamento de óleo do navio Prestige, na costa espanhola. Abaixo, cenas de duas áreas incluídas na Lista de Patrimônios da Humanidade: Galápagos (esquerda) e a Grande Barreira de Corais (direita).
As grandes frotas industriais continuam recebendo generosas subvenções e as frotas ilegais permanecem em atividade, escapando a todo controle. Os litorais continuam se degradando rapidamente e as fazendas de aquacultura industrial mais destrutivas (como a dos camarões tropicais) seguem se expandindo.
IMPORTANTES ACORDOS internacionais são negociados, mas, apesar deles, o estado dos oceanos continua piorando, pois muitos desses compromissos não passam de meras declarações de intenções nunca cumpridas. É necessário tomar medidas concretas para salvar os mares do nosso planeta.
A primeira providência nesse sentido seria reduzir a capacidade das frotas pesqueiras até os níveis de sustentabilidade. A capacidade de muitas frotas supera em muito a capacidade produtiva dos oceanos. Algumas espécies já foram extintas por causa disso.
A eliminação de técnicas pesqueiras destrutivas poria um fim na devastação dos fundos marinhos e na captura de espécies ameaçadas de extinção, bem como nos descartes. Cerca de um terço dos animais pescados é atirado morto para fora dos navios, por não atender a interesses comerciais. Do mesmo modo, será necessário acabar com a pesca pirata, feita por barcos que trabalham fora das normas em vigor para essa atividade.
COMO A MAIOR parte dos ecossistemas marinhos não tem nenhum tipo de proteção, seria preciso fechar várias zonas de especial valor ecológico à exploração humana, a fim de permitir a recuperação de muitas populações e ecossistemas ameaçados. Além disso, é necessário garantir a preservação dos ecossistemas costeiros, base fundamental da produção global dos oceanos. Os litorais se degradam a passos de gigante, por causa da pressão urbanística, da ocupação das margens costeiras por instalações portuárias, da contaminação por substâncias tóxicas, das mudanças climáticas, da extração de areia dos fundos marinhos para regenerar artificialmente as praias, da proliferação das fazendas de aquacultura industrial.
O lançamento de substâncias tóxicas ao mar também deverá ser eliminado e severamente castigado. Mares e oceanos são particularmente sensíveis a esses produtos, que freqüentemente se acumulam nos tecidos gordurosos dos animais marinhos. Será necessário promover um novo regime de responsabilidades para o transporte marítimo de substâncias perigosas, a fim de que não ocorram novas desgraças como a do navio Prestige. Em novembro de 2002, esse petroleiro partiu-se em dois e liberou no mar mais de 64 mil toneladas de óleo, poluindo o litoral norte da Espanha e praias do Canal da Mancha e do Mar do Norte.
Por fim, é imprescindível educar e informar as massas sobre a necessidade de se preservar os oceanos. Só uma população sensibilizada e consciente dos benefícios do mar trabalhará para conservá-lo.
Para que todos esses objetivos sejam alcançados, a Unesco apresentou, em julho de 2005, o Programa Patrimônio Marinho. Essa iniciativa tem como objetivo inscrever até 2027 todas as áreas marinhas “com biodiversidade relevante” na Lista dos Patrimônios Naturais da Humanidade. O programa quer utilizar a Convenção do Patrimônio Mundial para promover a preservação do ecossistema marinho.
UM MEIO DE TORNAR isso possível é fazendo inclusões de pequenas áreas que não pertençam a um único país e que cerquem toda uma região com rica biodiversidade. Assim, a rede de proteção marinha vai acabar abrangendo as áreas ainda não nomeadas. Posteriormente, toda a área seria considerada Patrimônio da Humanidade.
No sentido horário, a partir de cima: pesca de atum; captura de foca no Ártico; camarão criado em fazenda de aquacultura.
A Unesco também desenvolve parcerias para sustentar a preservação das áreas do Patrimônio Marinho e facilitar a cooperação entre o governo e os voluntários, com ONGs como a Conservação Internacional e a The Nature Conservancy e com instituições que lutam pela conservação do ambiente marinho. Sob a ameaça da mudança climática e demais problemas que possam comprometer a vida marinha, sua preservação é prioridade na agenda internacional.
Trabalhos conjuntos são essenciais para apoiar as nominações das regiões e, posteriormente, administrá-las e ajudá- las com fundos, política e outros recursos. Além de apoiar a nomeação de áreas que já têm seus representantes, como as regiões do Pacífico e do Caribe, o Programa pretende ainda interligar as administrações das regiões costeiras, marítimas e de ilhas.
Patrimônios ameaçados
Hoje, mais de 850 sítios do mundo já foram incluídos na lista Unesco do Patrimônio da Humanidade. Cerca de 30 deles correspondem a áreas marítimas (veja quadro às págs. 56-57), mas apenas alguns são verdadeiros ecossistemas marinhos. O último grupo inclui, por exemplo, a Grande Barreira de Corais, na Austrália, Shiretoko, no Japão, e Costa Alta, na Suécia. Essas regiões estão gravemente ameaçadas pelo aquecimento global, pois várias espécies de corais não resistem ao aumento da temperatura da água e, num processo muito rápido, descolorem-se e morrem. Outros locais afetados por esse problema são a Barreira de Recifes de Belize, o Parque Marinho Recife Tubbataha, nas Filipinas, e o Atol das Ilhas Aldabra, nas Seychelles. Em algumas regiões profundas e próximas a correntes de água gelada, os recifes conseguem sobreviver à elevação da temperatura. É o caso do Parque Nacional Coiba, no Panamá. Outro problema sério decorrente do aquecimento global é a invasão de água salgada nas fontes de água doce em algumas ilhas de baixa altitude.
Atividades ilegais, como pesca de tubarões para obtenção da barbatana (muito valorizada no mercado asiático), também representam uma ameaça ao ecossistema. As regiões mais atingidas por esse tipo de problema são as ilhas Galápagos (Equador) e Cocos (Costa Rica) e o Parque Nacional de Coiba (Panamá). Outros fatores de degradação incluem a exploração de petróleo e as rotas de comércio marítimo. Como algumas dessas rotas passam pela Grande Barreira de Corais, na Austrália, a região é contaminada pelo vazamento de óleo dos navios.
NA ROTA DA PRESERVAÇÃO
Áreas marítimas já consideradas Patrimônio da Humanidade
Greater St. Lucia Wetland Park,ÁFRICA DO SUL
Península Valdés, ARGENTINA
Grande Barreira de Corais,
AUSTRÁLIA
Baía do Tubarão, AUSTRÁLIA
Ilhas Heard e McDonald,
AUSTRÁLIA
Ilha Macquarie, AUSTRÁLIA
Barreira de Recifes de Belize,
BELIZE
Ilhas do Atlântico, BRASIL
Zona de Conservação de Guanacaste, COSTA RICA
Parque Nacional da Ilha Cocos,
COSTA RICA
Parque Nacional do Desembarque
do Granma, CUBA
Galápagos, EQUADOR
Parque Marinho Recife Tubbataha,
FILIPINAS
Golfo do Porto: Calanche de Piana,
Golfo de Girolata, Reserva de
Scandola (Córsega), FRANÇA
East Rennell, ILHAS SALOMÃO
Parque Nacional de Komodo, INDONÉSIA
Parque Nacional de Ujung Kulon, INDONÉSIA
Shiretoko, JAPÃO
Parque Nacional de Banc d’Arguin, MAURITÂNIA
Santuário das Baleias de El
Vizcaino, MÉXICO
Sian Ka’an, MÉXICO
Ilhas e áreas protegidas do Golfo
da Califórnia, MÉXICO
Ilhas Subantárticas da Nova
Zelândia, NOVA ZELÂNDIA
Parque Nacional Coiba e sua Zona
Especial de Proteção Marinha,
PANAMÁ
Sistema Natural da Reserva das
ilhas Wrangel, RÚSSIA
Área de Gestão Ambiental dos
Pítons, SANTA LÚCIA
Atol das Ilhas Aldabra, SEYCHELLES
Costa Alta, SUÉCIA
Ilhas Gough e Inacessível, REINO
UNIDO
Santa Kilda, REINO UNIDO
Kluane/Wrangel–St. Elias/Glacier
Bay/Tatshenshini–Alsek, CANADÁ/ ESTADOS UNIDOS