20/12/2012 - 11:29
O sonho dos brasileiros é ver o Brasil vencer a Copa do Mundo de 2014, em casa. O título será batalhado nos estádios das 12 cidades-sede onde as partidas serão disputadas. Mas o país também pretende sair do torneio com uma boa reputação em sustentabilidade. Os organizadores da Copa do Mundo de 2014, a Fédération Internationale de Football Association (Fifa) e o Comitê Organizador Local (COL), querem que o megaevento cause o menor impacto possível no ambiente e sirva de exemplo para as copas do mundo de 2018 e 2022, na Rússia e no Catar.
O Brasil decidiu exigir certificação ambiental como condição de financiamento das obras de estádios pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A decisão ajudou a Fifa a traçar parâmetros para as futuras Copas: os compromissos sociais e ambientais já se tornaram compulsórios no processo de candidatura dos próximos torneios e a certificação ambiental será obrigatória na construção de arenas da Copa do Mundo.
O evento é uma das maiores competições esportivas do planeta e o seu impacto na sociedade e no ambiente é indiscutível. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, no ano passado, a Fifa e o COL apresentaram uma estratégia para a Copa brasileira, visando a reduzir seus impactos negativos e maximizar os positivos. Entre as ações destacamse: construção e transformação de estádios esportivos verdes, manejo de resíduos, projetos de apoio às comunidades, redução e compensação das emissões de carbono e incentivo às fontes de energia renováveis.
Desde 2005 a federação internacional vem implantando programas socioambientais em torneios, adotando diretrizes como o certificado ISSO 26000. A Copa do Brasil, porém, será a primeira a contar com uma estratégia ampla de sustentabilidade. Despoluição de lagoas, arborização de ruas, manejo de resíduos sólidos e inventários e compensações para a pegada de carbono serão promovidas nas 12 cidades-sede. Há cinco programas específicos de sustentabilidade: certificação e gestão sustentável de arenas polivalentes; copa orgânica e sustentável (fortalecimento de cadeias de alimentos orgânicos para abastecimento de cidades-sede); parques da copa (áreas de incentivo ao ecoturismo); tratamento de resíduose reciclagem (reaproveitamento de demolições para a construção de habitações populares); e mudanças climáticas (iniciativas de mitigação e compensação das emissões de CO2).
Os números impressionam. Até 2014 deverão ser investidos R$ 24 bilhões em projetos ambientais envolvendo estádios e a infraestrutura para a mobilidade urbana, aeroportos e portos das cidades-sede. Estima-se que três milhões de pessoas (600 mil do exterior) se movimentarão pelo país para assistir aos jogos. É preciso garantir condições para alimentação, locomoção e hospedagem. Na Copa de 2010, a África do Sul conseguiu uma economia de 15% no uso de eletricidade, com sistemas de iluminação mais eficientes; 27% de redução do desperdício de água, com alternativas de reúso e reciclagem de 58% no volume de lixo proveniente dos jogos. Mais de 50% dos torcedores sul-africanos utilizaram transporte público e meios não motorizados, como bicicletas.
Para conseguir mais do que isso o governo brasileiro terá de agir rapidamente. As obras dos estádios e os projetos de infraestrutura demoraram a começar e estão atrasados. E os projetos de infraestrutura, mais ainda. Em novembro, o governo anunciou as seis sedes da Copa das Confederações, que será realizada em junho de 2013, como evento-teste para a Copa de 2014: Belo Horizonte (Mineirão), Fortaleza (Castelão), Rio de Janeiro (Maracanã), Brasília (Estádio Nacional), Salvador (Arena Fonte Nova) e Recife (Arena Pernambuco). Os dois primeiros estádios estão quase prontos e os demais deverão estar em abril de 2013. “O Ministério do Esporte está acompanhando tudo de perto e mantendo diálogo com as cidades-sedes e a Fifa para que tudo saia como esperado”, disse o ministro Aldo Rebelo na ocasião.
Arenas verdes
Os torcedores vão dispor de estádios modernos, construídos ou reformados de acordo com as exigências da Fifa e dos certificadores internacionais. Todos os estádios das 12 cidades-sede serão reformados (alguns reconstruídos) e virarão arenas polivalentes, que poderão ser usadas, após a Copa, em outras finalidades, como shows musicais ou convenções e, no caso do Maracanã, para a Olimpíada de 2016. A certificação exige uso de materiais reciclados ou certificados e destinação adequada de resíduos.
A maior arena do Brasil, o Maracanã, já foi utilizada na Copa do Mundo de 1950, ano da sua inauguração, e foi palco de grandes momentos do futebol. O estádio, remodelado com um investimento de R$ 808 milhões (R$ 400 milhões do BNDES), terá capacidade para 79 mil e postulará a certificação ambiental pelo credenciado sistema LEED (Leardership in Energy and Environmental Design).
A Empresa de Obras Públicas do Estado (Emop) sustenta que a arena terá dispositivos economizadores de água (captação, armazenamento e reutilização da chuva) e reúso (para a irrigação do campo), reduzindo o consumo do líquido em 30%. Serão utilizadas lâmpadas, luminárias, equipamentos eficientes e painéis fotovoltaicos na cobertura, para gerar energia limpa. O governo doou parte das 85 mil cadeiras velhas do Maracanã para 21 estádios de clubes de futebol das séries A, B e C. Setenta e cinco por cento do material de demolição – concreto, ferro, isopor e madeira – está sendo britado para uso na própria obra e em outras intervenções públicas.
Benedicto Barbosa da Silva Júnior, diretor da Odebrecht Infraestrutura, uma das empresas envolvidas na obra, afirma que a Copa e as Olimpíadas estão garantidas. “Elas serão impecáveis, sim, mas do nosso jeito: a Alemanha fez o evento mais organizado do planeta (a Copa de 2006). O Brasil vai fazer o evento mais alegre do planeta.”
Em Brasília, o Estádio Nacional Mané Garrincha, com 72 mil lugares, pretende ser exemplar. Um reservatório guardará água da chuva, que será usada para irrigar o campo e fazer a limpeza. A arena também terá estrutura para captar energia solar para iluminar refletores de maneira autossustentável, capaz de gerar 2,5 megawatts, o equivalente à energia necessária para abastecer mil residências por dia. O Estádio Nacional de Brasília é candidato a ser o primeiro do mundo a receber o selo de sustentabilidade “top” Leed Platinum, conferido pela US Green Building Council.
Para tanto, vários requisitos terão de ser cumpridos. Dejetos químicos ficarão em caixas herméticas de concreto e os trabalhadores serão treinados para lidar com acidentes de contaminação do solo. Ônibus elétricos, hídricos ou a biodiesel percorrerão o centro de Brasília em faixas exclusivas, oferecendo condução para a arena. O mesmo trajeto também receberá uma ciclovia.
Vicente Castro Mello, arquiteto coautor do projeto do Estádio Nacional, afirma que a arena vai suprir 80% da sua demanda de água para fins não potáveis com os reservatórios de água de chuva e 100% da demanda de energia por meio de geração solar. “A cobertura do estádio, revestida de dióxido de titânio, realiza uma troca química, retirando do ar ambiente os gases que saem dos escapamentos de veículos ”, destaca. A obra poderá ser 5% mais cara, mas o gasto será compensado pelo menor uso de recursos naturais. “Tudo dependerá de como o estádio será administrado”, pondera Castro Mello. Segundo ele, a obra certificada é 7,5% mais rentável do que as que não se preocupam com o meio ambiente.
Outros Estados
O Mineirão, de Belo Horizonte, também corre atrás da certificação LEED. O novo estádio já adota a lavagem de veículos do canteiro de obras com água reusada e doa restos de madeira a artesãos de Minas Gerais. Em Salvador, a estrutura antiga do estádio da Fonte Nova foi implodida, mas 92% dos resíduos da construção estão sendo reaproveitados na nova arena. Toda a argila retirada é destinada a aterros sanitários. A terra é reaproveitada em projetos sociais, como hortas comunitárias, e o concreto é britado para ser usado nos caminhos de acesso ao estádio.
A empreiteira Andrade Gutierrez, construtora responsável pela Arena Amazônia, de Manaus, implantou uma fábrica de pré-moldados no canteiro de obras, visando a reduzir os custos. As sobras e os resíduos da demolição do antigo estádio Vivaldão também estão sendo reutilizados. A obra conta ainda com 14 programas ambientais, entre os quais a prospecção e o resgate de materiais arqueológicos, a reutilização das sobras do concreto locais em meios-fios e pavimentos, a prevenção e o controle de processos erosivos e o monitoramento de emissão de ruídos.
Em Cuiabá, em Mato Grosso, cidade que registra altas temperaturas, a Arena Pantanal vai privilegiar a eficiência energética e a ventilação natural. Sua cobertura permite a circulação do vento e a captação da água da chuva. A capital mato-grossense deve ser uma das primeiras cidades-sede a neutralizar todo o carbono emitido na construção do estádio, graças a três mil famílias de ribeirinhos, de nove municípios, que plantarão 1,4 milhão de árvores em áreas degradadas, ao longo dos rios Cuiabá, Paraguai e São Lourenço. A Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo 2014 (Secopa) comprará o crédito de carbono das comunidades, gerado pela vegetação. As obras de infraestrutura, entretanto, estão atrasadas. Os 22 quilômetros do Veículo Leve sobre Trilhos que serão implantados a um custo de R$ 1,5 bilhão dificilmente serão completados antes do Mundial.
Em São Paulo, as obras da Arena de Itaquera estão com mais da metade concluída. O estádio, orçado em R$ 820 milhões, terá capacidade para 65 mil torcedores e deverá ser entregue em dezembro de 2013. Além de reformas das vias próximas ao estádio, projeta-se a implantação de um monotrilho que ligará o Aeroporto de Congonhas às linhas de metrô e trem, chegando até a arena.
Em Curitiba, a Arena da Baixada será reconstruída com técnicas sustentáveis de drenagem, aquecimento e irrigação e contará com um sofisticado sistema de wi-fi (sem fio) para conexão com a internet. O COL teme que a falta de banda larga no país, associada à sinalização deficiente das ruas e cidades, prejudique a locomoção de turistas. Sem banda larga, será difícil usar programas como GPS para se orientar nas cidades.
A Arena Beira-Rio, de Porto Alegre, investe numa cobertura autolimpante, revestida por uma membrana de politetrafluoretileno (PTFE) de grande durabilidade, capaz de absorver menos calor, característica importante numa cidade em que o verão é quente e seco, e o inverno, frio e úmido. Prevêse também a compostagem dos resíduos orgânicos, o recolhimento da água da chuva e a transformação do concreto das demolições em brita reciclada. A obra está muito atrasada.
No Nordeste, as obras do Castelão, de Fortaleza, estão 90% prontas. Cerca de 20% da cobertura do estádio será composta de policarbonato, desenhada para propiciar um degrade de sombreamento ideal e melhorar a qualidade de transmissão televisiva, assim como a insolação do gramado. Em Natal, a Arena das Dunas também está bastante atrasada. Um dos desafios é a mobilidade urbana: os governos municipal e estadual preveem a abertura de dois eixos de integração, um entre o aeroporto, a arena e o setor hoteleiro e outro prolongando a via Prudente de Morais até o estádio. O Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o primeiro terminal federal a ser entregue à iniciativa privada, está longe da conclusão. A empresa carioca Engevix administrará o complexo por 25 anos.
No Recife ainda não começou a construção da Cidade da Copa, um conjunto de edificações residenciais e comerciais que constituirão um bairro ao redor da Arena Pernambuco, até 2025. Para certificar o empreendimento com o selo LEED na categoria prata, a Odebrecht contratou o serviço de consultoria paulista Centro de Tecnologia em Edificações, especializada em sustentabilidade. O estádio deverá possuir uma estação de tratamento de esgoto própria, usando apenas água não tratada da Companhia Pernambucana de Saneamento.
Críticas
Em março, o secretáriogeral da Fifa, Jérôme Valcke, criticou o atraso das obras, causando atrito com o governo e pedidos de desculpas. A Fifa está preocupada com os projetos de transporte e as condições de hotelaria. O excraque da Seleção Brasileira Romário, eleito deputado federal em 2010, tornou-se primeiro vicepresidente da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara e um crítico dos atrasos. Romário se considera o “fiscal da Copa”.
“O Brasil já sabia, há cinco anos, que sediaria a Copa, mas tudo andou muito devagar. Os projetos demoraram a ser apresentados e as obras demoraram a começar. Quanto maior o atraso, mais chances as obras têm de ser classificadas como ‘emergenciais’, dispensando, assim, a licitação. Quando isso acontece, em termos de custo, o céu é o limite. Outro problema é que o atraso exige três turnos de trabalho e isso onera ainda mais os orçamentos”, ressalta Romário.
Há risco de algumas obras não ficarem prontas até a Copa. “Nenhuma das arenas está cumprindo a lei federal que determina reserva de 4% do espaço dos estádios para deficientes físicos, cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida. Estão seguindo a Lei Geral da Copa, que reserva apenas 1%, mas não é o sufi ciente. O atraso em aeroportos, rodoviárias e portos é grave. O governo precisa ficar em cima para que a lei seja cumprida. Aliás, a população deveria ser a maior fiscalizadora de tudo, fazendo denúncias ao Ministério Público se for necessário”, insiste.
Romário é cético sobre o legado que ficará para a sociedade. “Os responsáveis pela Copa sempre apresentam arenas com projetos maravilhosos, mas a maioria não sabe responder o que farão com elas depois da Copa. Alguns Estados têm pouca tradição no futebol. Se a média de público em jogos estaduais não enche nem pequenos estádios, como vão lotar um de 50 mil lugares? O estádio de Brasília terá capacidade para 72 mil pessoas, mas a final do Campeonato Candango deste ano teve 970 espectadores. Como essa renda vai pagar os custos de água, energia, limpeza, segurança?”, pergunta. A vida continuará depois da Copa e da Olimpíada.