14/01/2021 - 13:12
Relatório revela que líderes mundiais não estão investindo o suficiente na adaptação para a nova realidade climática. Além de infraestrutura, ONU defende soluções baseadas na natureza.Os líderes mundiais e empresas não estão investindo dinheiro suficiente para se adaptarem aos riscos das mudanças climáticas e precisam “urgentemente intensificar as ações”, alertou o Relatório sobe a Lacuna de Adaptação divulgado nesta quinta-feira (14/01) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
O ano passado foi o mais quente já registrado no mundo, juntamente com 2016, e todos os continentes foram impactados por catástrofes. Fumaças de incêndios florestais varreram comunidades da Austrália ao Ártico. Tempestades extremas atingiram cidades costeiras das Filipinas à Nicarágua, enquanto enchentes colocaram um terço de Bangladesh embaixo d'água e cobriram vilas inteiras na Nigéria.
O clima extremo e desastres relacionados a ele causaram mais de 410 mil mortes nos últimos dez anos, quase todas elas foram registradas em países pobres, segundo o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.
“A dura verdade é que as mudanças climáticas estão sobre nós”, afirmou o diretor-executivo do Pnuma, Inger Andersen, no relatório. “Seus impactos se intensificarão, mesmo se limitarmos o aquecimento global. Não podemos nos permitir perder a corrida para a adaptação”.
Longo caminho a percorrer
Em seu quinto ano, o Relatório sobe a Lacuna de Adaptação encontrou “abismos enormes” entre o que foi acordado por líderes mundiais no Acordo de Paris em 2015 e o que eles precisam fazer para garantir a segurança dos cidadãos diante das mudanças climáticas.
Uma revisão da Iniciativa de Mapeamento de Adaptação Global de quase 1,7 mil exemplos de adaptação climática descobriu que um terço deles estavam nos estágios iniciais de implementação e apenas 3% alcançou o ponto de redução de riscos.
Desastres naturais, como tempestades e secas, se intensificaram mais do que deveriam devido à queima de combustíveis fósseis e ao desmatamento de florestas tropicais. Desde a Revolução Industrial, a temperatura aumentou mais de 1,1ºC, e se continuar no atual ritmo até o final do século ela terá subido cerca de 3ºC.
Se os líderes mundiais cumprirem as promessas recentes de zerar as emissões até a metade do século, eles poderiam quase limitar o aquecimento global a 2ºC, acima da meta de 1,5ºC estabelecida no Acordo de Paris.
De acordo com cientistas, há duas maneiras para atenuar a dor que o aquecimento global trará: mitigando as mudanças climáticas ao cortar as emissões de carbono e se adaptando a um mundo mais quente e menos estável.
Custos da adaptação climática
Segundo o relatório do Pnuma, cerca de três quartos dos países do mundo possuem planos nacionais de adaptação às mudanças climáticas, mas faltam regulamentações, incentivos e fundos para o trabalho na maioria deles.
Há mais de uma década, os países ricos mais responsáveis pelas mudanças climáticas se comprometeram a mobilizar 100 bilhões de dólares ao ano até 2020 em financiamento climático para as nações mais pobres. De acordo com o Pnuma, é “impossível responder” se essa meta foi alcançada. Um estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicado em novembro, no entanto, constatou que, entre 2013 e 2018, a soma da meta não foi atingida uma única vez. Até mesmo em 2018, quando o volume de contribuições foi o maior, faltaram ainda 20 bilhões de dólares.
Os custos de adaptação anuais somente para os países em desenvolvimento são estimados em 70 bilhões de dólares. Esse valor deve, pelo menos, dobrar até o final da década com o aumento de temperaturas e chegará até entre 280 e 500 bilhões em 2050, segundo o relatório. O fracasso desta adaptação, porém, pode custar muito mais caro.
Quando tempestades extremas, como os ciclones Fani e Bulbul, atingiram o sul da Ásia em 2019, sistemas de alerta precoce permitiram que autoridades organizassem a retirada de milhões de habitantes de zonas de risco em curto tempo. Fenômenos de força semelhante que atingiram o leste da África, como os ciclones Idai e Kenneth em 2019, provocaram muito mais mortes pois as regiões não foram evacuadas a tempo.
Em 2019, a Comissão Global de Adaptação estimou que o investimento de 1,8 trilhão de dólares em sistemas de alertas precoce, edifícios, agricultura, manguezais e recursos hídricos poderiam colher 7,1 trilhões em benefícios de atividades econômicas e evitar custos em caso de catástrofes.
Soluções baseadas na natureza
O relatório do Pnuma também destaca como recuperar o meio ambiente pode gerar proteção contra as mudanças climáticas, além de benefícios a comunidades locais e à ecologia.
Os incêndios florestais, por exemplo, poderiam ser menos devastadores com a recuperação do campo e com queimadas regulares controladas. Comunidades indígenas da Austrália ao Canadá têm usado essas práticas há milênios de uma forma que estimula o crescimento de plantas e reduz o risco do fogo descontrolado.
Já o reflorestamento pode acabar com a erosão do solo e inundações durantes chuvas fortes, além de absorver carbono e proteger a vida selvagem. Em países como Brasil e Malásia, os governos poderia proteger assentamentos costeiros ao recuperar manguezais, que, além de ancorar sedimentos e deter a quebra das ondas, também armazenam carbono, contribuem para o aumento da população de peixes e impulsionam economias locais com o turismo.
Embora soluções baseadas na natureza sejam com frequência mais baratas do que a construção de infraestruturas materiais, seu financiamento constitui uma “ínfima fração” dos recursos para adaptação, indica o relatório. Uma análise de quatro fundos climáticos globais que investiram 94 bilhões de dólares em projetos de adaptação revelou que apenas 12 bilhões de dólares foram para soluções baseadas na natureza e apenas uma parte deste volume foi aplicada em implementação de projetos locais.
Pouco se sabe, porém, sobre sua eficácia a longo prazo. Com o aumento das temperaturas, os impactos das mudanças climáticas podem ser tão grandes e acabarem sobrecarregando defesas naturais como os manguezais.
O geógrafo da Universidade Ludwig Maximilian Matthias Garschagen sublinha, contudo, que soluções baseadas na natureza não substituem infraestruturas, mas fazem parte de um kit de ferramentas que tem sido ignorado há muito tempo.