23/05/2013 - 11:18
De uma “garrafada de ervas” – o composto popular encontrado em feiras livres no Norte e Nordeste, vendido em diversas misturas como cura para muitos males – saiu a droga que apresenta, até agora, os melhores resultados em testes contra o HIV. Estudos in vitro demonstraram que o ingenol, substância extraída da planta africana avelós (Euphorbia tirucalli), disseminada no Brasil, age nas células infectadas de forma a induzir a erradicação do vírus.
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O próximo passo da pesquisa em andamento no laboratório paulista Kyolab, e em outros laboratórios no Brasil, na Alemanha e nos Estados Unidos, são os testes em macacos e cachorros. Se o mecanismo de ação do remédio observado em células isoladas se repetir em animais, o estágio seguinte será realizar experiências em humanos. A transição pode demorar a acontecer, já que o experimento em bichos costuma levar entre um ano e meio e dois. “Mas, se o produto se mostrar bom nos animais, podemos conseguir rapidez nos testes por ser uma droga de interesse mundial”, diz Luiz Pianowski, pesquisador à frente do projeto.
Farmacêutico com longa experiência em desenvolvimento de fitomedicamentos – membro do conselho científico da indústria farmacêutica Aché durante seis anos e detentor de várias patentes da empresa –, Pianowski descobriu os efeitos do avelós quase por acaso.
Em 2003, ele foi convidado pelo empresário cearense Everardo Ferreira Telles, ex-dono da cachaçaria Ypióca, para coordenar as pesquisas com a planta nordestina em que estava investindo. Telles, que não tem nenhuma experiência na área, ficou intrigado com as propriedades do avelós no combate ao câncer, propagadas por conterrâneos, e resolveu financiar estudos. Criou sua própria empresa, mas contratou os serviços da Kyolab, de Pianowski, para esse caso específico.
Durante a pesquisa sobre o tratamento do câncer, Pianowski descobriu que o ingenol interagia com uma enzima celular importante no ciclo do HIV e teve a ideia de testá-lo contra o vírus da Aids. Para isso, contatou o virologista Amílcar Tanuri, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “O Amílcar até brincou: ‘Poxa, a multinacional Merck Sharp já pesquisou mais de dois milhões de moléculas contra o HIV e você traz uma na mão achando que vai dar certo?”, conta Pianowski.
Acordando o vírus
A primeira ação do HIV no organismo humano é atacar as células do sistema imunológico, os linfócitos. Nesse primeiro momento de infecção aguda, o vírus agride as células de defesa, destruindo algumas e deixando o corpo vulnerável a outras doenças. Em seguida, invade essas células e se integra ao seu código genético. “Como ele se transforma em DNA, a célula não o reconhece mais como inimigo e ele passa a fazer parte do organismo. Por isso nosso sistema imune não consegue atacar o vírus. O HIV fica escondido nessas células latentes”, explica Pianowski.
O tratamento com o coquetel retroviral mais eficaz usado atualmente contra a Aids consegue eliminar todos os vírus presentes na corrente sanguínea, mas não os que invadiram as células. O remédio bloqueia a multiplicação do HIV infiltrado nas células latentes, mas, se for suspenso, o processo de replicação recomeça. A droga também não é capaz de eliminar algumas proteínas sintetizadas pelo vírus, que agridem o sistema imune. “Muitas vezes o paciente fica com uma inflamação crônica que aumenta as chances de contrair doenças cardíacas e câncer. Ele não morre de infecção, mas o sistema imune não é mais 100% e ele não pode ficar sem o remédio nunca”, explica Amílcar Tanuri.
Para os pesquisadores, a possibilidade de cura completa com a nova droga extraída do avelós é maior. In vitro, o ingenol mostrou-se capaz de “despertar” as células latentes, fazendo com que o HIV saia delas e volte à corrente sanguínea, onde, aí sim, pode ser morto pelo coquetel. Além disso, o medicamento consegue diminuir a presença de proteínas que agem como receptoras do HIV na membrana dos linfócitos. O ingenol retira o vírus das células infectadas e o impede de contaminar outras.
Vantagem prática
Existem outras substâncias com efeitos profiláticos parecidos aos do ingenol, mas nenhuma delas combinou tão bem eficácia, baixa toxicidade e viabilidade econômica.
“Há a prostatina, que é isolada de uma planta rara da Ilha de Samoa (Polinésia). E a briostatina, feita a partir de um briozoa, uma classe de animais do mar, também difícil de isolar e manipular quimicamente. Ambas são mais caras e tóxicas que o ingenol, que vem de uma planta abundante no Nordeste, de manipulação não tão difícil”, conta Lúcio Gama, professor-assistente da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore (EUA), que conduziu os testes in vitro e está acompanhando a experiência com macacos, terceirizada para a empresa Bioqual.
Os testes são uma etapa fundamental para a consolidação das expectativas. O comportamento de células isoladas em tubos de ensaio pode variar muito dentro do organismo humano. “O sistema imune é altamente complexo e quando as células são isoladas em testes in vitro, você as isola do resto do organismo. Você tem que testar em animais para ver o efeito. Ainda mais com uma droga que atua em pontos chaves da célula”, explica Tanuri.
Um caso emblemático que ilustra a necessidade de uma metodologia rigorosa de testes é a do Saha, um medicamento utilizado contra o câncer que se mostrou eficaz na ativação do vírus in vitro, assim como o ingenol. Por já ser regulamentada, a droga pôde ser testada imediatamente em humanos. No entanto, os resultados alcançados em laboratório ficaram muito aquém do que foi registrado em pacientes. “Você tinha que dar uma dose dez vezes maior para ter um pouquinho de ativação viral, e aí a droga ficava tóxica”, diz Gama.
Embora cautelosos, os pesquisadores não escondem o otimismo. Para eles, as evidências de baixa toxicidade e a alta capacidade de ativação viral demonstrada pelo ingenol – que costumam ser os maiores entraves na busca por remédios de combate ao HIV – não têm precedentes. Experimentos prévios feitos por Pianowski em ratos, na Alemanha, também sugerem bons resultados. As previsões para o início de testes em humanos são de dois anos. A cura da Aids pode ser questão de tempo.