O arco-íris é um dos mais belos presentes da natureza. Os ingredientes são simples: luz solar e gotas de água. As tempestades de verão podem provocar cenários surpreendentes e descobrir um facho multicolorido no horizonte interrompe qualquer conversa. Mas o arcoíris nem sempre precisa de chuva para nascer. As fábricas geradoras mais constantes são as cachoeiras. As majestosas cataratas do Iguaçu criam dezenas de elegantes arcos, a qualquer hora do dia.

Minha filha Mayra nunca tinha ido a Iguaçu. Para cumprir seus 27 anos, resolvi ajudá-la a ganhar esse ponto de Viajologia. Considero o lugar imperdível. Após ter conhecido Niagara Falls, Victoria Falls e o salto Angel, posso afirmar que nossas quedas são as mais grandiosas do planeta.

As cataratas não mudaram muito desde minha primeira visita, em julho de 1965, quando menino. Ainda bem. A Mata Atlântica que rodeia os saltos está, a cada década, mais saudável e protegida. Até a qualidade da água melhorou nessas últimas décadas. O que variou, de uma visita a outra, foram o fluxo e a cor do rio Iguaçu. Durante a época de cheia, a água fica mais barrenta. Quando a corrente é menor, a água é esverdeada. Nessa viagem, apesar de estarmos no fim do verão, a água estava clara e aproveitei os dias ensolarados para dar um objetivo adicional à minha jornada: identificar os melhores lugares para fotografar arco-íris nas cataratas.

TODOS NÓS, TORCEDORES da Seleção Brasileira, afirmamos, sem pestanejar, que a paisagem das cataratas, vista do “nosso lado”, é bem mais bonita do que a argentina. A verdade é que a grande maioria dos saltos não está em nosso território, mas sim nas terras vizinhas. O primeiro panorama, aos pés do clássico Hotel das Cataratas, é um conjunto de quedas na outra margem do rio. A ilha San Martin e o salto Bossetti compõem o típico cartão-postal.

A luz matutina batia de frente nas quedas e estaríamos numa posição perfeita para observar um arco-íris – ou seja, com o sol nas nossas costas. Entretanto, como as cachoeiras estavam a uns 600 metros de distância, a névoa criada pelas gotículas de água não era suficiente para dispersar a luz e desenhar um arco-íris que chegasse até os olhos brasileiros.

O Parque Nacional do Iguaçu é o mais visitado do Brasil. Em 2007, mais de um milhão de pessoas avistaram as cataratas do nosso lado. Entretanto, os pontos de observação são limitados pela nossa geografia. Naquela tarde ensolarada de feriadão, cerca de cinco mil turistas estavam amontoados nos lugares clássicos: a plataforma perto do hotel, o salto Santa Maria e o caminho que leva até essa cachoeira. A trilha de 1,2 quilômetro começa do alto do barranco, a 70 metros acima do nível do Iguaçu, e segue o rio, rumo à Garganta do Diabo. Caminhamos pela mata e, entre a vegetação, descobrimos, do outro lado do cânion, uma bela queda: a dos Três Mosqueteiros. É nessas águas que o passeio de barco brasileiro Macuco Safári dá uma ducha em seus passageiros. Todos saem encharcados. De dentro do barco, independentemente da posição do sol, sempre é possível ver um pedacinho de arco-íris. Mas para fotografar esse, só com câmera submarina.

Na ordem : vista aérea de um arco-íris sobre as águas do salto Santa Maria, do Brasil, e, do outro lado do cânion, cachoeiras argentinas; passarela sobre as águas, um dos melhores lugares para observar a cachoeira; Mayra Castro extasiada quando uma borboleta Morpho pousa em sua mão; um biguá ou cormorão descansa numa pedra do rio Iguaçu, antes de caçar peixes no remanso do rio acima; a gralha picaça (Cyanocorax chrysops) está habituada aos visitantes.

O Santa Maria é um dos poucos saltos nacionais. Chegamos pela trilha de baixo e seguimos a passarela sobre um trecho do rio. O sol já havia passado pelo zênite e iluminava agora a parte brasileira. Ficamos de frente para a cachoeira que brilhava. Sentíamos na face o vento criado pela força da queda d’água. A brisa era o componente que faltava para o primeiro arco-íris do dia. A curva colorida ia de uma ponta à outra, cruzando o salto Santa Maria. Andávamos na passarela e o fenômeno ótico seguia nossos passos. Se a intensidade da névoa diminuísse, o vigor das cores também desvanecia. Pude escolher o momento e local ideais para registrar aquilo que apenas meus olhos enxergavam. De fato, o arco-íris é uma ilusão ótica, e não algo palpável. O ângulo de visão sempre será pessoal e único, diferente daquele da pessoa a seu lado.

A cachoeira Santa Maria é a primeira de um conjunto de saltos que se alinham para culminar na Garganta do Diabo. Ela pode ser observada de vários ângulos. Chegamos a seu lado, a cinco metros dos primeiros jorros de água. Para terminar o dia, tomamos o elevador do centro de visitantes e, de uma outra plataforma, a 50 metros acima de onde estávamos, tivemos uma perspectiva ampla dos saltos brasileiros. Manso como o momento que antecede uma tempestade, podíamos ver o pacato rio antes de despencar suas águas no abismo. Ao fundo, o salto União – núcleo da Garganta do Diabo, por onde passa a maior quantidade de água do Iguaçu – marca a fronteira entre Brasil e Argentina.

PARA SER COMPLETA, a visita a esse Patrimônio da Humanidade precisa incluir o Parque Nacional Iguazú, na Argentina. Como o fluxo principal do rio – aquele que define legalmente a linha da fronteira – corre mais próximo ao Brasil, em nosso território ficamos apenas com uma seqüência curta de cachoeiras de 500 metros de extensão, que vai do salto Santa Maria à Garganta do Diabo. Os argentinos não só possuem uma fileira semelhante de cataratas na outra margem do cânion do Iguaçu, como também um complexo de cachoeiras ao redor da ilha San Martin, um quilômetro adiante. Calculei, com ajuda do Google Maps, que quase 70% das águas despencam do lado do vizinho.

Desde 1985, a Ponte Tancredo Neves veio facilitar o turismo entre nosso país e a Argentina. Visitar o parque nacional vizinho foi tão fácil como se estivéssemos em casa. Devido à taxa de câmbio do real, atualmente tudo é mais barato do outro lado da fronteira. Tínhamos até cogitado de fazer o passeio de barco no Brasil, mas mudamos de idéia quando fizemos as contas. Descobrimos que o tour argentino custava três vezes menos e oferecia emoção dupla. Além do banho no salto Três Mosqueteiros, a lancha nos levaria a uma segunda diversão, sob as águas do caudaloso salto San Martin, onde o barco brasileiro não pode entrar.

Como o dia amanheceu com sol forte e sem nuvens, nada melhor do que começar com uma ducha. A lancha levou os passageiros rio acima e, chegada a hora, o marinheiro avisou para colocar câmeras e documentos dentro da bolsa impermeável. Sem piedade, o capitão rumou em direção à espessa cortina branca. A queda de 70 metros pode até ajudar a pulverizar a água, mas os jatos que caiam lá de cima eram bem mais fortes que um chuveiro de pressão ou uma chuva qualquer. Era como estar debaixo de uma gigantesca torneira aberta!

Mesmo sendo de pedra e areia compacta, a ilha San Martin oferece uma praia fluvial com uma paisagem excepcional. O lugar é ideal para um mergulho seguro nas águas do Iguaçu e para enxugar a roupa depois do banho de cachoeira. Secos, subimos a trilha para dar a volta na ilha. Fomos acompanhados por diversas gralhas picaças. Esse pássaro preto e azul-escuro, de peito amarelo, aproveita a presença humana e visita as lixeiras, em busca de sobras de comida. Mais tarde, encontramos quatis. Acostumado a conviver com turistas, esse pequeno carnívoro de nariz pontudo descobriu que também somos fonte de alimentos.

Em sentido horário, a partir de cima: delicados fios de água escorrem pela vegetação que encobre as rochas do salto Bernabé Mendez, na Argentina; vista aérea de um tênue arco-íris sobre a Garganta do Diabo – as cachoeiras à esquerda são brasileiras, as da direita são argentinas; é permitido banhar-se no rio Iguaçu, na praia fluvial situada na ilha de San Martin. A paisagem das cachoeiras ao redor é singular.

Seguimos até a ponta oeste da ilha San Martin. A trilha desembocou numa plataforma de onde podíamos observar os saltos Mbigua e Bernabé Mendez. Os paredões de pedra estavam cobertos por plantas. Agradecidos por tanta água e sol, os tufos vestiam a rocha de verde, criando um microecossistema fértil e generoso. Em alguns pontos, a água não caía em grandes jorros, mas escorria suavemente, desenhando longos fios brancos. Eram tão graciosos e delicados que a única palavra que veio à minha mente foi paraíso. Isso mesmo: se existe algum paraíso terrestre, essa seria uma imagem perfeita dele.

Como se não bastasse, o sol matutino nas costas e o chuvisco constante propiciaram o mais belo arco-íris da viagem. A combinação de luz e água era perfeita e havia criado uma segunda curva, um pouco mais acima. Era o resultado da reflexão dupla da luz nas gotas de água. Mesmo hipnotizada, minha filha Mayra percebeu o detalhe mais importante: a seqüência das cores no arco suplementar, mais tênue, estava invertida. No arco-íris principal, o vermelho (que possui uma onda de luz mais longa) situa-se no exterior e o azul no interior. Já no arco secundário, as posições estavam trocadas.

A jornada na Argentina continuou com um festival de arco-íris. Visitamos o salto Bossetti ao meio-dia e a posição do sol criou um arco colorido embaixo das águas, como se estivesse recebendo a enxurrada. Encerramos a tarde com chave de ouro, na plataforma da Garganta do Diabo. O sol, já a oeste, iluminava o coração das cataratas e estávamos no eixo correto luz–observador– água. O vigor das quedas não criava apenas a brisa necessária para um constante arco-íris como também vaporizava os visitantes. Extasiados com a beleza do lugar, os visitantes se recusavam a ir embora, mesmo se ensopados. Na hora de fechar, o guarda-parque, de apito na boca, teve de expulsar a todos. Até mesmo os brasileiros, que, pondo o chauvinismo de lado, confessam que o lado argentino dá uma lavada no nosso!

É FÁCIL PERCEBER por que as cataratas do Iguaçu atraem tanta gente. Qualquer uma das cachoeiras, se isolada, seria considerada como uma visita obrigatória. Imagine encontrar 275 diferentes! É um lugar que clama por superlativos, onde a beleza da natureza e a força da água inspiram qualquer pessoa. “Tudo aqui é muito intenso, muito forte”, concluiu Mayra. “A única coisa muito pequena sou eu.”

Conhecer as cataratas de Iguaçu é um dos 150 Lances do Teste de Viajologia Mundial

Haroldo Castro viaja como jornalista, fotógrafo e conservacionista. O fundador do Clube de Viajologia já documentou 136 países.

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