02/02/2021 - 11:33
Cada vez mais pessoas acreditam em coisas que, apenas pouco tempo atrás, seriam consideradas puro absurdo. É urgente combater essa ameaça à democracia, opina Martin Muno.Se apenas alguns anos atrás alguém tivesse afirmado publicamente que uma elite de âmbito mundial mantinha presas crianças sequestradas e as torturava para extrair um elixir da juventude, se teria sugerido que essa pessoa procurasse urgentemente tratamento psiquiátrico. Hoje em dia, segundo uma enquete britânica, 10% de todos os cidadãos dos Estados Unidos se declaram adeptos dessa narrativa de conspiração chamada QAnon.
O movimento também chegou à Alemanha. Segundo pesquisas da Fundação Amadeu António, há no país 150 mil simpatizantes do QAnon, o que caracteriza a Alemanha como sua maior comunidade fora do espaço anglófono.
Um estudo da Fundação Konrad Adenauer indica que cerca de um terço dos alemães está aberto para mitos conspiratórios. Excluídos os menores de 14 anos, isso equivale a cerca de 24 milhões de cidadãos. Outras pesquisas apresentam resultados semelhantes. E também detectam numerosas conexões entre adeptos do QAnon, negacionistas da pandemia e extremistas de direita.
O absurdo a um clique de distância
Como é que um absurdo declarado pode atrair círculos tão grandes, num mundo esclarecido? Afinal, vivemos no século 21, e não na Idade Média. A resposta não é complicada: porque essas asneiras estão a apenas um clique de mouse de distância. As redes sociais, em especial, são um reservatório para informações falsas e teorias de conspiração.
Através de uma análise de dados, o centro de pesquisas Correctiv estabeleceu que o Facebook e o Youtube são as plataformas em que a maioria das potenciais fake news foi difundida em 2020. E elas costumam ser passadas adiante também nos serviços de mensagens como Telegram ou Whatsapp. Cientistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT) demonstraram que demora seis vezes mais para alcançar 1.500 indivíduos com uma informação verdadeira do que com uma falsa.
Sobretudo as grandes plataformas sociais se encontram diante de um impasse: por um lado, definem o conceito de liberdade de opinião de forma muito vaga, e muitas vezes acabam entrando nessa categoria notícias falsas e até mesmo xingamentos. O Facebook chegou ao ponto de, até outubro de 2020, se recusar a eliminar de suas páginas a negação do Holocausto, que é passível de pena em 18 países.
Por outro lado, após a última eleição presidencial nos EUA, e o mais tardar em seguida à invasão do Capitólio por massas incitadas por Donald Trump, as redes sociais reconheceram o perigo que representam fake news e ódio.
Holocausto começou com mitos de conspiração
Mas não passa de um começo o fato de agora plataformas isoladas bloquearem as contas de personalidades de maior ou menor destaque, marcarem notícias falsas óbvias com advertências, tentarem também conscientizar as usuárias e usuários de sua carga de responsabilidade.
É preciso acontecerem duas coisas: primeiro, os próprios Facebook e companhia devem ser responsabilizados por postagens de ódio e fake news. A Comissão Europeia tenta isso no momento com o Digital Services Act (DSA). Não é tarefa fácil, já que é extremamente tênue a linha divisória entre coibir notícias falsas e censurar. No entanto, é preciso que seja empreendida.
Por outro lado, é preciso fortalecer a competência midiática, dado que sobretudo os jovens tendem a se informar antes através das mídias sociais do que das tradicionais. Os meios de comunicação clássicos, por sua vez, estão convocados a desenvolver formatos de programas capazes de alcançar melhor a “geração Youtube”.
O combate aos mitos conspiratórios é urgente e importante. Pois eles têm o potencial de destruir democracias, como se viu recentemente em Washington. Na última semana de janeiro, em seu discurso no Parlamento federal alemão, no Dia Memorial do Holocausto, a jovem política Marina Weisband, do Partido Verde, chamou a atenção para esse fato, ao enfatizar que “o antissemitismo não começa quando se dá tiros numa sinagoga”: “A Shoah não começou com câmaras de gás. Ela começa com narrativas conspiratórias.”
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Martin Muno é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.