01/06/2008 - 0:00
Quando uma bala atinge um jornalista, toda a sociedade é ferida. A justiça foi feita em menos de 15% dos cerca de 500 casos de jornalistas assassinados no desempenho de suas funções durante os últimos 15 anos. Os Estados que integram as Nações Unidas, no entanto, têm a obrigação de combater a impunidade desses crimes, pois, cada vez que um jornalista é agredido, a grande vítima é a democracia.
Basta lembrar o processo Orgür Gundem contra o Estado turco. Em março do ano 2000, a Corte Européia dos Direitos do Homem concluiu que a Turquia havia cerceado a liberdade de expressão do jornal Orgür Gundem, de Istambul, ao se abster de protegê- lo contra os atos de violência dos quais foi vítima.
Incêndio, bombas e agressões à mão armada custaram a vida de sete membros da equipe do jornal, obrigando- o, ao final de um terrível processo de perseguição, a fechar as portas. Muitas petições fazendo apelo às autoridades turcas permaneceram, em sua maioria, sem resposta. Essas autoridades tomaram algumas medidas insignificantes sobre o caso enquanto lançaram vários processos contra o periódico.
Rejeitando a assertiva segundo a qual a Turquia se considerava desobrigada de proteger o jornal, na medida em que ele “apoiava grupos terroristas”, a Corte européia decidiu que, mesmo se assim fosse, tal fato não justificaria a negligência governamental quanto à abertura de uma investigação séria e, se fosse o caso, quanto ao fornecimento de proteção contra os atos ilegais e violentos.
EM CERTOS PAÍSES, a censura através do assassinato é comum. As agressões a jornalistas, infelizmente, constituem moeda corrente. Segundo a Federação Internacional de Jornalistas, 177 profissionais das mídias foram assassinados em 2007. Durante a Guerra do Iraque, particularmente, um número sem precedentes de jornalistas foi morto ou atacado.
Sem dúvida, um jornalista pode ser morto por seu cônjuge, por um acidente de carro ou por uma bala perdida. Mas, quase sempre, os acidentes dos quais os jornalistas são vítimas não podem ser atribuídos ao acaso. Faz parte da sua profissão correr risco de vida ao desenvolver reportagens sobre guerras, movimentos sociais ou catástrofes naturais. Mais alarmantes ainda, porém, são os casos em que eles são transformados em alvo por conta daquilo que escrevem.
As mídias são reconhecidas como o quarto poder, as guardiãs do interesse social, uma das chaves da democracia. É comum que os jornalistas angariem inimigos, um bom número dos quais ocupa postos proeminentes nos governos. Entre esses, alguns são realmente destituídos de escrúpulos, e até mesmo implicados em atividades criminosas. Em alguns casos, tais inimigos não hesitam em ameaçar seriamente os jornalistas que os denunciaram, ou até mesmo em perpetrar atos de violência que podem chegar ao assassinato.
Tais agressões constituem crimes hediondos que não atingem apenas seu alvo, mas todo o conjunto da profissão. Basta um único exemplo de graves represálias para fazer com que todos os jornalistas entendam que é muito perigoso denunciar certas coisas, não importa se se trata de um crime, da incompetência de um alto funcionário, de corrupção ou de qualquer outro abuso. Isso se chama “censura através do assassinato”.
Buscar e receber informação é um direito do cidadão. A maior parte dos crimes perpetrados contra jornalistas são particularmente preocupantes na medida em que representam não apenas um crime contra o indivíduo, mas contra todo o conjunto da sociedade.
Todos nós nos reportamos às mídias como fonte primeira de informação, o que nos permite não apenas acompanhar a atualidade estrangeira, nacional ou local, mas também exercer nosso direito de voto, por exemplo, ou garantir o uso correto dos recursos públicos, ou ainda conhecer os responsáveis por certos atos criminosos. Na medida em que limitam o poder das mídias para fornecer tais informações, as agressões cometidas contra jornalistas representam uma ameaça para a democracia. Como tais, constituem crimes contra cada um de nós.
As leis internacionais dos direitos humanos reconhecem essa dimensão do direito à liberdade de expressão. Embora consideremos esse direito mais como uma proteção aos direitos da palavra e de difundir informações e idéias, ele possui uma dupla natureza: protege igualmente o direito daqueles que recebem essas informações – o público em geral. Assim, as garantias internacionais não se referem apenas ao direito de difusão, mas igualmente ao direito de buscar e receber informações e idéias.
As garantias internacionais incluem o direito de buscar e receber informações e idéias
ALÉM DISSO, as leis internacionais vão além da proibição aos Estados de interferir na liberdade de palavra e os convida a garantir a liberdade de expressão. As cortes internacionais determinaram que os Estados devem desenvolver esforços particulares no sentido de impedir as agressões a jornalistas, de investigá-las e de condenar os culpados por intermédio dos meios judiciais.
Se está diretamente implicado nessas agressões, quando elas são perpetradas por altos funcionários, o Estado está obrigado a indenizar as vítimas. Infelizmente, a experiência mostra que muitos Estados não estão à altura da responsabilidade que lhes cabe: a de combater a impunidade dos criminosos que ameaçam a vida de jornalistas.