De quantos objetos você precisa para ter uma vida tranquila? Certamente o kit essencial inclui peças de roupas, celular, cartões de crédito, móveis e eletrodomésticos como cama, geladeira, fogão, computador, e uma casa para guardar tudo isso. Talvez você também tenha um carro e acredite que para levar uma vida plena só precisa de mais aquela casa na praia. Se dinheiro não for um empecilho, a lista pode aumentar. Não é preciso ir muito longe para perceber que vivemos cercados por uma enorme quantidade de objetos e acabamos gastando boa parte do tempo cuidando de sua manutenção: um carro que quebra, o smartphone sem sinal, a tevê que ficou muda e – graças a Deus – ainda não saiu da garantia. E lá vamos atrás da assistência técnica ou de uma loja.

O objetivo pode ser tornar a vida mais fácil e confortável, mas muitas vezes acabamos reféns de nossos próprios objetos de desejo. “Um dos lugares que ostentam as consequências do consumo excessivo são os engarrafamentos. Diante do sonho do carro próprio, as pessoas preferem ficar presas num engarrafamento do que andar de transporte público”, exemplifica Estanislau Maria, assessor técnico de conteúdo do Instituto Akatu, entidade que trabalha pelo consumo consciente. Estanislau não tem dúvidas de que nosso papel de consumidor precisa ser repensado. “Vivemos na sociedade do excesso e do desperdício. É o modelo de vida norte-americano do pós-guerra, que herdamos no Brasil”, afirma.

Mas de quantas dessas coisas de fato precisamos e quantas não são apenas desperdícios de espaço, de dinheiro e de tempo? Algumas pessoas levaram esse questionamento a sério e decididam repensar seus hábitos de consumo. Elas apostam numa teoria simples: quanto menos coisas possuímos, mais descomplicada e feliz será a vida. A psicóloga Marina Paula está nessa turma. “Sempre procurei questionar essa ideia que ouvimos o tempo todo, de que temos que ter um determinado produto”, explica a jovem de 28 anos, moradora de Curitiba. Depois de refletir sobre o que lia em blogs pela internet, ela decidiu que estava pronta para colocar em prática um desafio pessoal: ficar um ano sem comprar. É claro que algumas exceções estavam contempladas, como alimentos, remédios e produtos de limpeza. Mas os itens que ela estava acostumada a adquirir todo mês, como livros, revistas, DVDs, roupas, produtos de beleza e utensílios domésticos, foram sumariamente cortados.

No fim de maio de 2012, o teste foi concluído. Olhando para trás, Marina recorda que o mais difícil não foi resistir à tentação de lojas e promoções, mas adquirir novos hábitos. “Surpreendentemente, o mais difícil foi preencher o tempo que eu gastava comprando. De repente me vi com todo esse tempo livre, que antes gastava em passeios no shopping e em outras lojas”, relembra. Aos poucos, os minutos que ela ganhou foram sendo direcionados para atividades que lhe traziam bem-estar, como curtir os amigos. De certa maneira, a psicóloga acha que trocou a aquisição de novos bens materiais por um pouco mais de felicidade. “Essa proposta mudou meus hábitos de consumo. Hoje eu chego às lojas com uma visão diferente”, conta.

Simplicidade

Como cidadã do século XXI, Marina contou a sua experiência no blog Um ano sem compras (umanosemcompras.blogspot.com.br) e acabou inspirando Luciana Monte, funcionária pública de 34 anos que mora em Brasília. Ela decidiu passar o ano de 2012 também em dieta de consumo. “Nunca fui tremendamente consumista, mas eu realmente comprava muito mais do que precisava. Meu guarda-roupa estava lotado, várias peças ainda tinham etiqueta e outras acabavam sendo doadas depois de pouquíssimo uso. Também tinha vários DVDs e livros ainda lacrados. Eu comprava muito mais do que precisava, as coisas iam se acumulando e eu não as aproveitava – e continuava comprando”, conta.

Por que compramos coisas que sabemos que não iremos usar? Para Mário René, coordenador da pós-graduação em ciência do consumo na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a diferença entre o que precisamos e o que desejamos acaba se confundindo na cabeça do consumidor em meio à enxurrada de publicidade que recebemos todos os dias. “Os objetos que compramos geralmente se encaixam em três categorias: a das necessidades, a dos desejos e outra que eu gosto de chamar de ‘necejos’, os objetos de desejo que, por imposição da publicidade, acabam se tornando uma necessidade”, define Mário.?

Tão necessários que, no início, Luciana Monte teve que lutar contra a corrente do marketing. “Eu estava acostumada a passear uma ou duas vezes por semana no shopping, e quase sempre voltava com alguma coisinha. Parei de frequentar esses ambientes nos primeiros meses do desafio, pra não cair em tentação. Também retirei o meu e-mail de vários cadastros de lojas online que oferecem promoções tentadoras e fazem você pensar que precisa aproveitá-las”, relembra. Apesar do esforço, no final do desafio, o balanço – não só financeiro – foi positivo. “Foi proveitoso para desfazer hábitos de consumo e reavaliar onde quero gastar meu dinheiro. Será que preciso de mais um vestido ou é melhor fazer uma poupança para a próxima viagem?”, explica.

Marina e Luciana são, mesmo que inadvertidamente, representantes do minimalismo, um movimento que não é novo, mas tem ganhado força com dezenas de blogs sobre o assunto.

Como toda corrente de pensamento, o minimalismo – também conhecido como “consumo mínimo” ou “simplicidade voluntária” – não é uniforme, mas flexível e sem manual. Alguns, por exemplo, acreditam que é preciso ir além do período sabático.

Nada além do essencial

O americano Dave Bruno, professor de história na Universidade Nazarena de Point Loma, em San Diego (Califórnia), é um deles. Em 2008, ele decidiu assumir o desafio de viver um ano com apenas 100 itens, incluindo roupas, livros, aparelhos eletrônicos, lembranças de família e objetos pessoais. Bruno abriu exceções para os bens que também eram usados pela mulher e os filhos, como móveis e eletrodomésticos, mas ainda assim o esforço foi enorme. Apesar de sua atitude ter sido considerada radical por muitos, ele acabou conquistando seguidores ao redor do mundo, ganhou a atenção da mídia e publicou o livro The 100 things challenge (O Desafio das 100 Coisas, em tradução livre).

Outros procuram ir ainda mais fundo, vivendo sem casa e com apenas 50 itens. Há quem pregue o desafio de ficar um ano sem comprar nada, vivendo na base de trocas e doações. Mas também há quem pergunte se a obsessão pelo consumo deve ser substituída pela obsessão do não consumo.

Alguns alertam que o minimalismo não trata apenas da quantidade ou do valor dos itens que se encontram em nossas casas. “Minimalismo é viver com o essencial, e cada pessoa decide o que é essencial para si. Então, por definição, o minimalismo sempre será algo subjetivo e individual”, diz o escritor carioca Alex Castro.

Ele sabe do que fala. Depois de se livrar de todos os itens que acreditava não acrescentar valor em sua vida, Castro se mudou de um apartamento amplo em Jacarepaguá para um conjugado no Arpoador, bairro nobre da zona sul do Rio de Janeiro. Nesse ponto, começou a ser interpelado por seus leitores: “Puxa, é muito fácil ser minimalista no Arpoador”, ouvia.

A resposta de Alex é simples: “Todo mundo que mora numa casa ou apartamento grande em uma área mais barata da cidade poderia, pelo mesmo valor, morar em um cubículo mais bem localizado. Essa é uma revolução minimalista. Para mim, na prática, só foi possível ser minimalista no Arpoador. Só assim me forcei a ter menos tralha e mais experiências”, completa.