Seleções de futebol como a do Brasil de 1982 e da Holanda de 1974 são exemplos de que, quando o dia não é do caçador, a zebra agradece.

 

Há um embate antigo no futebol entre a lógica e o imponderável. Se o time mais forte vence, costuma- se dizer que “deu a lógica”; do contrário, é uma “zebra”. Nelson Rodrigues personificou o improvável com o personagem “Sobrenatural de Almeida”, que costumava entrar nas suas crônicas quando seu time, o Fluminense, perdia por motivos injustificáveis. Na contramão, a escola dos estatísticos sustenta ser possível prever as situações de jogo e vencer calculadamente. 

Supõe-se que a matemática seria capaz de transformar a “caixinha de surpresas” em um recipiente claro, arejado e sem mistérios. Alguém em cima do muro poderia dizer que “não acredita em zebras, mas que elas existem, existem”. Seja uma explicação física ou metafísica, o fato é que grandes seleções que poderiam ter feito história vencendo a fizeram pela derrota. A Seleção Brasileira comandada por Telê Santana chegou à Espanha para a Copa do Mundo de 1982 como uma das favoritas. Rivalizava com a Argentina, que vinha com a base do time campeão em 1978 (reforçada por uma jovem promessa em ascensão que atendia pelo nome de Diego Armando Maradona), com a França, dos “Três Mosqueteiros”, Giresse, Tigana e Platini, e com a perigosa Alemanha. O dream team brasileiro contava com craques como Toninho Cerezo, Zico,  Sócrates, Falcão e o lateral esquerdo Júnior, jogava bonito e vencia. Antes do mundial, fi zeram três amistosos contra Alemanha, França e Inglaterra. Ganharam todos. Na primeira fase da Copa, é verdade que sofreram para vencer o jogo de estreia contra a União Soviética (2 a 1), mas ganharam fácil as partidas seguintes, contra a Escócia (4 a 1) e a Nova Zelândia (4 a 0).

Na segunda fase, os times classifi cados foram divididos em quatro grupos de três seleções. Apenas um de cada chave passaria às semifi nais. O Brasil teria de enfrentar Argentina e Itália, que se classificara no sufoco, depois de uma primeira fase ruim. Vencemos com classe os vizinhos sul-americanos por 3 a 1 e, pelo saldo de gols, poderíamos empatar com os italianos, que, surpreendentemente, jogaram bem e ganharam dos argentinos por 2 a 1. Portanto, a conjuntura era ultrafavorável.  Brasil e Itália se enfrentaram em Barcelona, no estádio do Sarriá, e fi zeram um jogo disputado. A Itália esteve sempre na frente e o Brasil buscou o resultado o tempo todo. No segundo tempo, o placar apertado de 2 a 2 garantia a Seleção Brasileira na semifinal. Mas, aos 30 minutos, depois da cobrança de um escanteio, a bola sobrou na área para Paolo Rossi marcar seu terceiro e decisivo gol.
O episódio ficou marcado como “A Tragédia do Sarriá”. Um exagero segundo a opinião de muita gente. O lateral esquerdo Júnior estava em campo naquele jogo. “Tragédia para mim é tsunami”, disse o craque, entre risos, à PLANETA. Mas não deixa de admitir a decepção causada pela derrota.

Favoritismo não ganha jogo.
Assim como o Brasil de 1982, a Holanda de 1974 encantava com seu futebol. Mais do que tratar bem a bola, a seleção holandesa revolucionou a tática do esporte. O esquema que ficou conhecido como “Carrossel Holandês”, no qual todos os jogadores se movimentavam da defesa ao ataque, inspira até hoje grandes times, como o Barcelona. O “Laranja Mecânica”, comandado por Johan Cruyff , passou fácil por todos os adversários até a final. Saiu ganhando da Alemanha Ocidental no jogo decisivo, mas perdeu por 2 a 1. Zebra total.

A Alemanha também derrotou, na Copa de 1954, outra grande favorita. A Hungria do atacante Ferenc Puskás, um dos maiores jogadores da história, goleou a maioria dos adversários até a final contra os germânicos. Na primeira fase, os dois times já haviam se enfrentado e os húngaros venceram por 8 a 3 os alemães, que optaram por escalar os reservas. No jogo inacreditável, a Hungria desperdiçou inúmeras chances e acabou perdendo por 3 a 2. No livro Os Números do Jogo, Chris Anderson e David Sally se arriscam a explicar algumas dessas situações bizarras por meio de fórmulas. Uma das teses defendidas é a de que os piores jogadores de um time acabam decidindo mais do que os craques. Isso supostamente aconteceria porque os lances capitais são aqueles em que há a troca da posse de bola. Ou seja: os erros são mais importantes do que os acertos, no balanço final.

Pode ser. Mas há que se considerar os fatores humanos, nem sempre tão previsíveis. Questionado sobre o que aconteceu no fatídico jogo contra a Itália, em 1982, Júnior responde: “Nós, individualmente, não jogamos tão bem naquele dia. Mas não tem explicação: é coisa de futebol.”