13/03/2014 - 10:17
Os 25 anos de discussão global sobre mudanças climáticas resultaram em poucos avanços. Os esforços que culminaram no frágil Protocolo de Quioto (1997) tiveram, em novembro de 2013, um anticlímax na COP-19, em Varsóvia, na Polônia. Ainda serão precisos anos para estabelecer metas significativas de redução de emissão de carbono e mitigar os efeitos do aquecimento planetário. No próximo encontro, em 2015, em Paris, os 195 países comprometidos apresentarão propostas de metas voluntárias que deverão entrar em vigor só em 2020, se tudo der certo.
Em compensação, há um conceito de sustentabilidade emergindo vigorosamente em cidades que conseguiram diminuir a pegada de carbono e melhoraram a qualidade de vida dos habitantes com ações concretas. “Enquanto as nações demoram a avançar na agenda dos compromissos com as mudanças climáticas, algumas cidades já traçaram metas ousadas e eficientes, no plano local”, afirma Adalberto Maluf, diretor da 40 Cities, entidade global que reúne cidades com projetos de vanguarda em sustentabilidade para a troca de experiências. Há bons exemplos em todos os continentes.
Pode parecer estranho, mas em Viena, na Áustria, um dos pontos turísticos mais visitados é um incinerador de lixo. A torre do Spittelau, transformada em obra de arte pelo arquiteto austríaco Friedensreich Hundertwasser em 1989, virou o marco do despertar ecológico da cidade. O lixo incinerado é revertido em energia elétrica e vapor para aquecer residências. Os turistas adoram.
Além disso, 500 mil vienenses frequentam as praias recuperadas do rio Danúbio no verão. A artificial Ilha do Danúbio virou um dos principais pontos de lazer da capital e um exemplo de integração do espaço urbano com a natureza. O parque nasceu da escavação de um canal do rio para evitar enchentes. Com 21 quilômetros, a ilha tem ótimas praias próprias para banho, como Copa Cagrana – mistura de Copacabana com Kagran, o bairro vizinho (veja, no site da revista, uma reportagem na PLANETA 481).
Até 2028, a cidade deverá concluir um novo bairro-modelo sustentável para 20 mil pessoas, o Aspern Urban Lakeside, com zona mista de moradias, comércio, áreas de lazer, centros empresariais, espaços verdes e um lago. O traçado das ruas dará prioridade às bicicletas.
Carbono zero
Na Dinamarca, quando as metas climáticas globais entrarem em vigor em 2020, Copenhague já estará a cinco anos de concretizar o plano de se tornar uma cidade neutra em emissão de carbono. A estratégia local é reduzir o consumo energético, investir em fontes limpas de energia e aprimorar o sistema de transporte, tornando-o mais inteligente. Para tanto, a frota de ônibus a diesel será trocada por veículos elétricos. Ao mesmo tempo, mais bicicletas serão colocadas nas ruas. O projeto que é contemplado por cidades de vários países, mas não avança, ao que parece, pode dar certo em Copenhague. Os dinamarqueses não ficam só falando a respeito.
Se a Dinamarca tivesse seguido a corrente rodoviária dominante desde a década de 1960, nunca viraria um modelo de planejamento urbano. Em uma época em que parecia fazer mais sentido priorizar o trânsito de carros, Copenhague apostou na criação da primeira rua para pedestres do país. Antes de se tornar o maior calçadão da Europa, com 1 quilômetro de extensão, a Strøget era uma rua comercial dominada por automóveis, assim como todo o centro da cidade. No Natal de 1962, a região foi vetada aos veículos. Eles começaram cedo.
O arquiteto por trás da iniciativa, Jan Gehl, acreditava que os espaços urbanos deveriam servir para a interação social. Na época, foi criticado pela imprensa e por comerciantes, que ponderavam que as pessoas não passariam muito tempo ao ar livre em uma capital gélida. Erraram. As vendas triplicaram e a rua de pedestres foi ocupada pelos moradores. Hoje, 80 mil circulam pela rua 24 horas por dia.
A experiência reforçou as convicções de Gehl, que defende o planejamento das cidades para o usufruto e o conforto das pessoas. “Somos guiados por nossos sentidos. As coisas têm de estar ao nosso alcance, à nossa altura. A arquitetura tem de ser orientada pela nossa percepção. Os lugares habitáveis são lugares por onde você pode caminhar”, observa David Sim, arquiteto da Gehl Architects.
Essa visão de planejamento urbano permeia o projeto de neutralizar as emissões de carbono da capital dinamarquesa até 2025, melhorando a vida na cidade. “Ser ambientalmente sustentável é o ponto de chegada do nosso plano, mas tudo começou com o desejo de tornar Copenhague uma cidade que ofereça qualidade de vida e crescimento econômico equilibrados”, afirma Jorgen Abildgaard, diretor do projeto climático municipal.
Mudar de rota
“Não pensamos na sustentabilidade apenas pelo viés ambiental, mas em termos sociais e econômicos também”, diz David Sim. Para ser sustentável desse triplo ponto de vista, uma cidade precisa ser desfrutável. Um dos maiores obstáculos para tanto, na maioria dos grandes centros urbanos do século XXI, é o trânsito.
As experiências de mobilidade mais bem-sucedidas pelo mundo investem em um modelo de ações combinadas: aproximar as pessoas dos locais de trabalho, melhorar as calçadas e passarelas para pedestres e priorizar o transporte coletivo ou os individuais não motorizados. Cidades como Londres e São Paulo, por exemplo, sofrem com um nú mero excessivamente alto de carros que congestionam as vias e poluem o ar. As consequências de um sistema de transporte que não flui, não atende a todos e polui ultrapassam as perdas econômicas e os danos de saúde. Elas confiscam das cidades o prazer e a esperança de melhorar.
Um estudo recente publicado pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade da USP revela que as mortes associadas à poluição na cidade de São Paulo representam o triplo das causadas por acidentes. A frota de veículos paulistana responde por 90% das emissões de poluentes. Nos últimos dez anos, o número de carros aumentou 48%, enquanto a população cresceu 7,8%. Na rota em que vai, São Paulo terá 17,5 milhões de veículos em 2040, um para cada habitante. Não há espaço para acomodar essa massa de automóveis.
Em Londres, uma alternativa adotada pela prefeitura foi cobrar pedágio urbano no centro, onde boa parte das atrações noturnas da cidade se concentra. Para transitar ou estacionar nas zonas centrais durante a semana, entre 7 horas e 18 horas, é preciso pagar uma taxa diária de R$ 38. A medida induziu parte dos motoristas a optar por ônibus ou metrô, promovendo uma redução de 30% nos congestionamentos no período. Cerca de 100 mil toneladas de CO2 deixaram de ser lançadas na atmosfera.
Outra das ideias consagradas para o transporte público é a integração inteligente de linhas de ônibus, metrôs e ciclovias. Em várias cidades há exemplos de BRT (Bus Rapid Transit), com corredores exclusivos para ônibus tão eficientes quanto o metrô. Primeiramente testado em Curitiba (PR), o sistema hoje é um sucesso em Vancouver, Paris e Bogotá.
Futuro em pedais
Em Copenhague, cerca de 38% da população utiliza bicicletas nos compromissos diários. Mas, por mais que os dinamarqueses reconheçam os danos causados pelas emissões de dióxido de carbono dos automóveis, não é esse o principal motivo pela escolha das duas rodas. Do total de ciclistas, 61% pedalam por ser mais conveniente; 19%, porque é saudável; 6%, por ser mais econômico; e apenas 1%, por se preocupar com o meio ambiente.
Por ser o meio de transporte mais rápido, eficiente e – não menos importante para a cidade – menos poluente, o plano é elevar o índice de ciclistas diários para 50%, se possível, até 2015. “É uma meta importante, mas um grande desafio. À medida que aumenta o número de ciclistas, aumenta a necessidade por mais infraestrutura. Mas temos um bom ponto de partida”, pondera Abildgaard.
O diretor do programa municipal admite à PLANETA que o maior número de bicicletas nas ruas já causa congestionamentos nas ciclovias na hora de pique. Não se trata, portanto, apenas de convencer as pessoas a abrir mão dos carros. O sistema só é eficiente se for seguro, inteligente e integrado ao transporte público. “Em Copenhague existem valetas que separam o trânsito, primeiro dos pedestres, então das bicicletas e, depois, dos carros, estacionados ou em movimento”, explica David Sim. Falta aumentar o número de ciclovias de acordo com a demanda e a oferta de bicicletas para alugar.
Coleta automatizada
Na década de 1990, quando Barcelona passava por reformas para sediar a Olimpíada de 1992, foi instalado um moderno sistema subterrâneo de coleta de lixo na cidade. Hoje, são mais de 1,5 mil comportas espalhadas pelas ruas e praças, nas quais as pessoas podem jogar o lixo orgânico e o não reciclável. É confortável e funciona como um relógio.
Nesses compartimentos, os dejetos caem em tubulações abaixo do solo e são impulsionados por turbinas, à velocidade de 80 quilômetros por hora, por 35 quilômetros, até os centros de processamento. Dali, o lixo orgânico segue para centrais de compostagem e o lixo não reciclável vai para usinas de metanização, onde é decomposto em metano e dióxido de carbono.
Há também caminhões que coletam o lixo reciclável nos contêineres de coleta seletiva, espalhados por praticamente toda a cidade, e o levam às centrais de reciclagem. A prefeitura oferece pontos para o recolhimento de óleo de cozinha, baterias, peças de computadores e outros resíduos contaminantes.
Eficiência energética
A onda de consciência ecológica que conquistou a Alemanha na década de 1970 tornou Friburgo uma das pioneiras a adotar ações para reduzir os impactos ambientais. Hoje, a cidade é mundialmente reconhecida pela eficiência energética. Com a vantagem de ser um dos pontos mais ensolarados do país, Friburgo produz muita energia com painéis solares. O novíssimo bairro de Schlierberg, projetado pelo arquiteto alemão Rolf Disch, foi construído com 59 casas equipadas com painéis fotovoltaicos nos tetos. A vizinhança produz quatro vezes mais energia do que consome.
A economia energética é de fazer inveja a Melbourne, na Austrália, onde um terço do topo do mercado histórico de Queen Victoria foi ocupado por painéis fotovoltaicos, em 2003. A instalação gera 252.000 quilowatts-hora por ano, o suficiente para abastecer 46 casas.
Também Berlim, na Alemanha, implantou um plano de readequação da rede elétrica em todas as suas construções, públicas e privadas. A companhia de energia municipal moderniza os equipamentos velhos, substituindo por componentes automatizados, mais econômicos, os sistemas de aquecimento, ventilação e iluminação – sem custo. O proprietário paga pelo serviço em prazos de até 12 anos, de forma proporcional ao valor da economia na conta de luz, que chega a 26%.
Reformas urbanas estão avançando em Londres, Copenhague e outras cidades, para torná-las mais prazerosas e racionais. Isoladas, as iniciativas não podem transformar as metrópoles em curto prazo, mas seu papel cultural fará com que a soma das pequenas mudanças provoque uma revolução de dentro para fora em futuro não distante. Quem disse que as megalópoles não têm solução?