01/11/2008 - 0:00
Político dedicado às causas humanitárias, espírita e um dos primeiros ecologistas do País, o médico cearense foi um modelo de vida numa sociedade carente de referências de bons exemplos. Parte da sua trajetória pode ser conhecida no filme – O Diário de um Espírito, cujo DVD chega ao mercado em dezembro
O ator Carlos Vereza protagoniza o médico cearense no filme – O Diário de um Espírito
Em plena era da nanomedicina e de revolucionárias descobertas na área da saúde, há quem não Eabra mão da homeopatia. Até aí não há nenhuma novidade, mas o que muita gente não sabe é que esses remédios já eram recomendados em tratamentos de pacientes do médico alopata Adolfo Cavalcanti, um dos grandes ícones do espiritismo e um dos pioneiros de sua difusão no Brasil, na segunda metade do século 19.
Nascido na vila cearense de Riacho do Sangue (atual Jaguaretama) em 1831, faleceu em 1900. Teve contato com a homeopatia depois de se tornar espírita, e desde 1890 até o último dia em que exerceu a medicina prescreveu aos seus pacientes receitas homeopáticas, sob inspiração espiritual. Segundo os espíritas, mesmo depois de ter falecido vítima de um acidente vascular cerebral, continuou trabalhando com a homeopatia – durante um certo tempo, inclusive, por meio do médium Chico Xavier, que psicografava seus tratamentos e mensagens.
EM TERMOS DE IMPORTÂNCIA, BEZERRA DE MENEZES ESTÁ PARA O SÉCULO 19 COMO CHICO XAVIER
ESTÁ PARA O SÉCULO 20
Making of das filmagens da produção que integra o DVD, a ser lançado em dezembro.
Passados mais de cem anos de sua morte, o médico cearense hoje empresta seu nome a um incontável número de ruas, centros espíritas, orfanatos, creches e hospitais, entre outras instituições brasileiras. Mas poucos sabem exatamente quem ele foi e o que fez para merecer essas homenagens – incluindo- se aí muitos adeptos do espiritismo, doutrina que adotou quando ela era vista como uma coisa do demônio, totalmente rejeitada pela sociedade, perseguida pela Igreja católica e criticada pelos cientistas, que consideravam seus fenômenos como falsos e seus praticantes, charlatães.
O primeiro contato de com o espiritismo aconteceu em 1875, quando um amigo lhe deu de presente um exemplar de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. Na época, ele comentou: “Lia, mas não encontrava nada que fosse novo para o meu espírito. Entretanto, tudo aquilo era novo para mim… Parece que eu era espírita inconsciente, ou, como se diz vulgarmente, de nascença.” Aos 55 anos, o médico anunciou publicamente sua adesão ao espiritismo, durante uma conferência pública sobre a doutrina, que reuniu mais de 2 mil pessoas no auditório da Guarda Velha, no Rio de Janeiro, em 1886. Nem é preciso contar o tamanho do escândalo que causou.
Extremamente religiosa, a sua família no Ceará também não apreciou nem um pouco a sua decisão. Pacientemente, ele respondeu à carta enviada pelo irmão, líder católico cearense, rebatendo críticas e explicando os seus pontos de vista. Como resposta às reações moralistas da sociedade da época, afirmou em alto e bom tom que não só acreditava na doutrina codificada por Allan Kardec como vivia tais princípios em seu dia-a-dia. Posteriormente, foi presidente da Federação Espírita Brasileira, em 1889 e 1895.
ALGUNS DESSES episódios sobre a trajetória do médico cearense estão sendo contados no filme – O Diário de um Espírito, cujo DVD vai ser lançado no próximo dia 13 de dezembro. Dirigido por Glauber Filho e Joe Pimentel, o longa-metragem de 70 minutos é uma cinebiografia de , um médico exemplar, político respeitado e fervoroso praticante e propagador do espiritismo no século 19. O filme estreou em 12 capitais brasileiras (Belém, Teresina, Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília, Goiânia, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) no dia 29 de agosto, surpreendendo o mercado cinematográfico: em apenas duas semanas em cartaz, atraiu cerca de 203 mil espectadores para os 56 cinemas brasileiros onde até então estava sendo exibido (posteriormente, o número de salas foi ampliado).
Com uma impecável reconstituição do século 19, o longa é baseado em pesquisa de Luciano Klein, biógrafo de e roteirista do filme ao lado de Glauber Filho. O ator Carlos Vereza protagoniza o médico cearense. Também integram o elenco Lúcio Mauro, Paulo Goulart Filho, Nanda Costa, Caio Blat e Ana Rosa. Produzido pela Trio Filmes e a ONG Estação da Luz, o filme foi orçado em quase R$ 2,4 milhões, tendo 1/4 do seu custo de produção patrocinado pela Lei Rouanet.
Nascido em família de latifundiários cearenses, viveu até a adolescência em Riacho do Sangue, mudando-se posteriormente para o Rio de Janeiro, onde foi estudar medicina. Formou-se em 1856, não antes de ter ministrado muitas aulas particulares de latim e matemática para pagar o curso. Mais tarde, ingressou no Partido Liberal, legenda pela qual elegeu-se vereador (cargo que exerceu até 1881) e deputado geral em várias legislaturas até 1885.
Como político, defendia idéias abolicionistas: era contra a escravidão e as oligarquias. Achava que o Brasil poderia ser, sim, uma monarquia, desde que o trono ficasse no meio do povo e não o povo aos pés do trono. Foi um parlamentar de projeção, coordenou reformas no sistema de abastecimento de água, trabalhou pela educação, visando à melhoria de salários de professores, e foi um dos primeiros ecologistas do País.
Carlos Vereza e Lúcio Mauro em uma cena do filme que retrata a faceta espírita de
SE FOSSE VIVO hoje, Bezerra certamente se indignaria com o comportamento de alguns médicos. Motivo? Prestem atenção em sua declaração sobre o exercício da profissão: “Um médico não tem o direito de terminar uma refeição nem de perguntar se é longe ou perto, quando um aflito qualquer lhe bate à porta. O que não acode por estar com visitas, por ter trabalhado muito e achar-se fatigado, ou por ser alta hora da noite, mau caminho ou mau tempo, ficar longe ou no morro, o que sobretudo pede um carro a quem não tem como pagar a receita, ou diz a quem lhe chora à porta que procure outro – esse não é médico, é negociante da medicina, que trabalha para recolher capital e juros dos gastos de formatura. Esse é um desgraçado…”
Em termos de importância, está para o século 19 como Chico Xavier está para o século 20: enquanto o primeiro é considerado o Allan Kardec brasileiro por sua extrema dedicação e amor ao próximo, o segundo é apontado como principal médium brasileiro do século 20. De fato, o médico cearense era mesmo um exemplo de caridade – muitas vezes tirava de seu próprio bolso, repartindo o que tinha com as pessoas mais humildes sem condições de comprar medicamentos. Por conta de gestos como esse e pelo trabalho em favor dos mais desfavorecidos, ganhou reconhecimento e o título de “Médico dos Pobres”.
SERVIÇO
Informações sobre o DVD – Estação da Luz, www.estacaluz.org.br
Site do filme – O Diário de um Espírito: www.bezerrademenezesofilme.com.br