12/03/2021 - 9:24
Pela primeira vez, cientistas usando o telescópio espacial Hubble, da Nasa/ESA, encontraram evidências de atividade vulcânica reformando a atmosfera em um planeta rochoso ao redor de uma estrela distante. O planeta, GJ 1132 b, tem densidade, tamanho e idade semelhantes aos da Terra.
GJ 1132 b, ou Gliese 1132 b, está a 39 anos-luz de nós, na constelação de Vela. Ele parece ter começado a vida como um mundo gasoso com um espesso manto de atmosfera. Inicialmente com várias vezes o raio da Terra, esse chamado “sub-Netuno” rapidamente perdeu sua atmosfera primordial de hidrogênio e hélio, desfeita pela intensa radiação de sua jovem estrela quente. Em um curto período de tempo, o planeta foi reduzido a um núcleo vazio do tamanho da Terra.
- ‘Super-Terra’ abre caminho para estudo de atmosferas em exoplanetas
- Exoplaneta tem metais vaporizados em sua atmosfera
Para surpresa dos astrônomos, novas observações do Hubble descobriram uma atmosfera secundária que substituiu a primeira atmosfera do GJ 1132 b. Ela é rica em hidrogênio, cianeto de hidrogênio, metano e amônia, e também possui uma névoa de hidrocarbonetos. Os astrônomos teorizam que o hidrogênio da atmosfera original foi absorvido pelo manto de magma derretido do planeta e agora está sendo lentamente liberado pelo vulcanismo para formar uma nova atmosfera. Essa segunda atmosfera, que continua a vazar para o espaço, está continuamente sendo reabastecida a partir do reservatório de hidrogênio no magma do manto.
As descobertas serão divulgadas em artigo na revista “The Astronomical Journal”.
Janela para a geologia de outro mundo
“Essa segunda atmosfera vem da superfície e do interior do planeta e, portanto, é uma janela para a geologia de outro mundo”, explicou o membro da equipe Paul Rimmer, da Universidade de Cambridge (Reino Unido). “Muito mais trabalho precisa ser feito para examiná-la adequadamente, mas a descoberta dessa janela é de grande importância.”
“A princípio pensamos que esses planetas altamente irradiados seriam muito enfadonhos porque acreditamos que eles perderiam suas atmosferas ”, disse Raissa Estrela, do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech, nos EUA). Mas olhamos as observações existentes nesse planeta com o Hubble e percebemos que há uma atmosfera lá.”
“Quantos planetas terrestres não começam como terrestres? Alguns podem começar como sub-Netunos e se tornarem terrestres por meio de um mecanismo pelo qual a luz evapora a atmosfera primordial. Esse processo funciona no início da vida de um planeta, quando a estrela está mais quente”, disse o líder da equipe Mark Swain, do JPL. “Então a estrela esfria e o planeta fica parado ali. Assim, você tem esse mecanismo que pode queimar a atmosfera nos primeiros 100 milhões de anos, e então as coisas se acalmam. E se você pode regenerar a atmosfera, talvez consiga mantê-la.”
Em alguns aspectos, o GJ 1132 b tem vários paralelos com a Terra, mas em outros é muito diferente. Ambos têm densidade, tamanho e idade (cerca de 4,5 bilhões de anos) semelhantes. Ambos começaram com uma atmosfera dominada por hidrogênio e eram quentes antes de esfriarem. O trabalho da equipe sugere até que o GJ 1132 b e a Terra têm pressão atmosférica semelhante na superfície.
Histórias diferentes
No entanto, as histórias de formação dos planetas são profundamente diferentes. Não se acredita que a Terra seja o núcleo sobrevivente de um sub-Netuno. E a Terra orbita a uma distância confortável de nosso Sol, uma estrela anã amarela. O GJ 1132 b está tão perto de sua anã vermelha hospedeira que completa uma órbita em torno da estrela uma vez a cada dia e meio. Essa grande proximidade mantém o GJ 1132 b travado por maré, mostrando a mesma face para sua estrela o tempo todo – assim como nossa Lua mantém um hemisfério permanentemente voltado para a Terra.
“A questão é: o que mantém o manto quente o suficiente para permanecer líquido e alimentar o vulcanismo?”, perguntou Swain. “Esse sistema é especial porque tem a oportunidade de bastante aquecimento de maré.”
O fenômeno do aquecimento de maré ocorre por atrito, quando a energia da órbita e da rotação de um planeta é dispersa como calor dentro do planeta. O GJ 1132 b está em uma órbita elíptica, e as forças de maré agindo sobre ele são mais fortes quando ele está mais próximo ou mais distante de sua estrela hospedeira. Pelo menos um outro planeta no sistema da estrela hospedeira também exerce uma atração gravitacional no planeta. As consequências são que o planeta é comprimido ou esticado por esse “bombeamento” gravitacional. Esse aquecimento de maré mantém o manto líquido por muito tempo. Um exemplo próximo em nosso Sistema Solar é a lua de Júpiter Io, que tem vulcanismo contínuo como resultado de um cabo de guerra entre Júpiter e as luas vizinhas.
Atividade geológica real
A equipe acredita que a crosta do GJ 1132 b é extremamente fina, talvez com apenas centenas de metros de espessura. É muito fraca para suportar qualquer coisa que se pareça com montanhas vulcânicas. Seu terreno plano também pode ser rachado como uma casca de ovo pelo aquecimento de maré. O hidrogênio e outros gases podem ser liberados por meio dessas rachaduras.
“Essa atmosfera, se for fina – ou seja, se tiver uma pressão de superfície semelhante à da Terra –, provavelmente significa que você pode ver até o solo em comprimentos de onda infravermelhos. Isso significa que se os astrônomos usarem o Telescópio Espacial James Webb para observar esse planeta, existe a possibilidade de que eles vejam não o espectro da atmosfera, mas sim o espectro da superfície”, explicou Swain. “E se houver reservatórios de magma ou vulcanismo acontecendo, essas áreas serão mais quentes. Isso gerará mais emissão e, portanto, eles estarão potencialmente olhando para a atividade geológica real – o que é empolgante!”
“Esse resultado é significativo porque dá aos cientistas de exoplanetas uma maneira de descobrir algo sobre a geologia de um planeta a partir de sua atmosfera”, acrescentou Rimmer. “Também é importante para entender onde os planetas rochosos em nosso Sistema Solar – Mercúrio, Vênus, Terra e Marte – se encaixam no quadro mais amplo da planetologia comparativa, em termos da disponibilidade de hidrogênio versus oxigênio na atmosfera.”