01/07/2014 - 14:03
A geração de crianças que assistiu pela tevê à chegada do ser humano à Lua, em 1969 – e cresceu ouvindo teólogos da conspiração afirmarem que tudo não passava de uma montagem –, já pode viver experiências antes reservadas a astronautas. Na última década, a indústria do turismo espacial vem se estruturando e agora está pronta para decolar. Já existe um cardápio mínimo de destinos, espaçoportos prontos e em construção para cosmoturistas, naves projetadas para viagens de lazer e até hotéis planejados para orbitar a Terra ou ser instalados na Lua ou em Marte. Mas, para comprar um “pacote de férias” espacial, ainda é preciso ser astronomicamente rico.
Passar dos 100 quilômetros de altura– o limite entre a atmosfera terrestre e o espaço conhecido como Linha de Kármán – custa de US$ 95 mil a US$ 250 mil na Virgin Galactic ou na XCOR Aerospace, respectivamente. O voo de cerca de duas horas permite a “visão divina” da curvatura da Terra e da escuridão do universo, além da experiência de gravidade zero.
Já uma temporada de dez dias como visitante da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês para International Space Station), que orbita a aproximadamente 400 quilômetros do planeta, é vendida por não menos de US$ 50 milhões pela Space Adventures, em parceira com a Agência Espacial Russa. Isso mesmo: US$ 50 milhões!
Mas, para turista delirantemente ricos, há roteiros mais ousados. Uma opção é percorrer 380 mil quilômetro até a Lua e sobrevoar 100 quilômetro da sua extensão, visitando o lado iluminado do satélite e vendo a Terra em meio à imensidão do espaço, pela bagatela de 150 milhões de verdinhas. Demorou alguns anos, mas no mês passado, a Space Adventures anunciou ter vendido o segundo lugar dos dois disponíveis para essa missão. O plano inicial de lançamento é 2017. Já a opção de pisar na Lua foi anunciada pela Golden Spike, mas está em fase de planificação, e só deve acontecer em 2020. A empresa calcula um valor de US$ 1,5 bilhão por missão, que dá direito a dois lugares. Quem pagará isso?
Já a Bigelow Aerospace planeja colocar módulos infl áveis em órbita para receber turistas. O termo “inflável” não inspira sólida confiança, mas sua composição é comprovadamente mais resistente que as instalações da ISS. Dois módulos já estão em órbita – o Genesis I foi lançado por um foguete russo em dezembro de 2006 e o Genesis II, seis meses depois – para testes de sistema. Outras configurações de módulos habitáveis aguardam lançamento para 2016. É possível que passem a complementar ou substituir a Estação Espacial.
A ideia do fundador da empresa, Robert Bigelow, famoso no ramo da hotelaria como dono da rede de hotéis Budget Suites of America, é nada menos que instalar módulos na Lua e em Marte e criar um complexo no espaço que viraria o primeiro hotel cósmico com comodidades planejadas para o entretenimento. Um luxo que a ISS não pode oferecer.
Para o alto e avante
Apesar de grande parte da oferta ser mais viável do que se supõe, quando o assunto é viagem sideral, pairam dúvidas no ar. Desde 2013, esperam-se com ansiedade os lançamentos inaugurais das viagens suborbitais (aquelas que não chegam a dar a volta na Terra, mas atingem a linha de Kármán).
Para o único astronauta brasileiro que já conheceu o espaço, o piloto de teste Marcos Pontes, os atrasos acabam tendo consequências positivas e negativas no setor – um dos mais promissores do cosmoturismo por ser o menos caro. “Se, por um lado, as viagens curtas mantêm aceso o marketing do turismo espacial, por outro levantam suspeitas se esses projetos realmente vão decolar”, comenta. Pontes enfatiza que as questões técnicas estão sendo equacionadas, mas a parte burocrática e a homologação dos voos não permitem previsões muito certeiras.
“Um novo modelo de avião comercial leva cerca de quatro anos para ser homologado, já uma espaçonave costuma levar muito mais”, destaca. A falta de uma legislação para regulamentar o trânsito de turistas pelo espaço complica o panorama. Por isso, o acordo anunciado no fim de maio, entre a Virgin Galactic, do visionário britânico Richard Branson, e a Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA, em inglês), representou um avanço considerável. Pela primeira vez foram definidas coordenadas para os futuros voos comerciais ao espaço harmonizadas com o tráfego aéreo habitual.
“Na profissão de astronauta, o risco de morte em missão espacial é intrínseco, mas, com um passageiro comercial, isso não pode acontecer”, completa Pontes, que empresta seu nome à Agência Marcos Pontes: Aventuras para a Vida, montada em sociedade com Marcos Palhares. Com apenas um ano de atuação, a empresa ficou em quinto lugar no ranking mundial de vendas da Virgin em 2013. A companhia britânica anunciou recentemente a marca de 700 passagens espaciais vendidas.
Entre os clientes estão atores como Brad Pitt, Angelina Jolie, Ashton Kutcher, o físico Stephen Hawking e o piloto Rubens Barrichello. Palhares também já garantiu a sua passagem. “Fui o meu primeiro cliente, para dar chancela ao meu negócio”, explica. Sua previsão de decolagem é 2015, embora a própria Virgin, por cautela, venha adotando 2017.
O futuro do mercado das viagens suborbitais depende do sucesso dos primeiros voos, da opinião dos primeiros passageiros e, principalmente, da redução dos preços. Estas foram as conclusões da pesquisa “Suborbital Reusable Vehicle: A Ten-Year Forecast of Market Demand” (em tradução livre, Veículos Suborbitais Reutilizáveis: Uma previsão da demanda de mercado nos próximos 10 anos), feita em 2012 pela consultoria americana Tauri Group, sob encomenda da agência aeroespacial Space Florida e do Escritório de Transporte Espacial Comercial da Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos.
O estudo calcula que, se o setor seguir o atual ritmo de desenvolvimento, poderá gerar US$ 600 milhões na primeira década. Se encontrar um cenário mais conservador (com problemas econômicos), deve cair para metade disso. Mas, se superar as expectativas, pode atingir US$ 1,6 bilhão.
Já sobre a XCOR, a dupla de Marcos se mostra menos confiante. Algumas passagens já foram distribuídas por meio de promoções da KLM, da Axe e da Volkswagen – dois brasileiros integram a lista dos selecionados, o paulista Marco Aurélio Gorrasi, e o brasiliense Pedro Henrique Doria Nehme. Outras foram comercializadas pela holandesa Space Expedition Corporation (SXC). Mas o motor da espaçonave Lynx está em testes e ela só existe em protótipo. Nunca foi testada, como é o caso da nave SpaceShipTwo e do avião transportador WhiteKnightTwo, da Virgin.
Desenvolver foguetes e espaçonaves de lançamento reutilizáveis para propulsionar o turismo espacial e também o transporte de astronautas é o foco de empresas como a SpaceX, do bilionário americano Elon Musk, da Blue Origin, de Jeff Bezos (dono da loja virtual Amazon e do jornal Washington Post), e da Boeing. A tecnologia reutilizável consome muito mais energia e investimento na fase de desenvolvimento, mas reduz em muito os custos de operação.
Público e privado
Com a nova aeronave Dragon V2, apresentada em maio, a SpaceX espera reduzir para US$ 20 milhões o gasto do governo dos Estados Unidos com o transporte de astronautas para a ISS – hoje o país paga US$ 63 milhões por um assento da nave russa Soyuz.
Além dessa cápsula – concebida como área de habitação e controle da tripulação –, a empresa já anunciou uma nova versão do foguete reutilizável, o Falcon Heavy. As criações fi nanciadas por Musk concorrem com a Boeing e sua cápsula CST-100, e com a Blue Origin e seu foguete New Shepard.
Essas são, atualmente, as principais companhias parceiras de investimentos da Nasa. Ao interromper os programas de ônibus espaciais (em 2011) e o programa Constelation (de exploração da Lua e de Marte), a agência norte-americana decidiu redirecionar seus investimentos para as empresas privadas desenvolverem tecnologia espacial.
Os frutos dessa mudança estratégica estão ganhando o espaço e prometem se tornar uma opção à Soyuz. Além de ser a única forma de transporte de seres humanos para a ISS, a espaçonave russa inaugurou a exploração espacial comercial em 2001, com a ida do americano Dennis Tito à Estação Espacial. Esse pacote turístico foi bem mais simples de implementar por pegar carona na Soyuz. O maior entrave, no caso, foi a resistência da agência espacial norteamericana em aceitar um turista entre os tripulantes num ambiente espacial totalmente dedicado à ciência. Há sempre riscos.
Quando a Nasa precisou tirar de circulação os ônibus espaciais, por determinação do Congresso, a agência passou a ocupar os assentos da Soyuz e restringiu o espaço para turistas. A venda de passagens comerciais foi interrompida, de 2006 até 2012. No ano passado, entretanto, foi anunciado o oitavo turista a embarcar rumo à ISS. Será a cantora britânica Sarah Brightman, que tem data prevista de embarque para setembro de 2015. Outro futuro passageiro a entrar na lista de espera é o cofundador do Google, Sergey Brin, que aguarda sua vez para 2017.
Após mais uma vez a Rússia sair na frente na corrida espacial, de novo os Estados Unidos estão concentrando esforços para superar a concorrência. Inicialmente focadas para atender ao transporte dos astronautas e de suprimentos norte-americanos para a ISS, empresas como SpaceX e Boeing não descartam o uso de suas naves – com capacidade para seis ou mais pessoas – no turismo. Uma indicação disso é a aposta das fabricantes no visual futurista e no conforto interno das naves.
Bilionários e atrevidos, os donos das empresas de exploração espacial da atualidade estão com a cabeça no espaço, na Lua ou em Marte, mas com os pés no chão. “Em 50 anos, 500 pessoas foram para o espaço, patrocinadas por diferentes governos. Assim que o turismo espacial decolar de fato, a mesma quantidade de pessoas viajará em questão de dois anos”, calcula Palhares.