19/08/2014 - 16:17
Ao contrário do que se esperava, a maior decepção da Copa do Mundo no Brasil aconteceu em campo, não na organização do evento. No balanço geral, preocupações com segurança e atrasos em aeroportos se mostraram infundadas. Do ponto de vista ambiental, embora o evento não tenha sido referência em sustentabilidade como planejado, há o que se comemorar.
Um dos planos do governo era aproveitar o evento para implementar nas cidades-sede sistemas modelo de gestão de resíduos e recicláveis. Seria uma forma de impulsionar as mudanças previstas pela Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída em 2010. A Lei nº 12.305 prevê, em linhas gerais, a reduçãoda geração de resíduos, o máximo de reciclagem possível, a inclusão social dos catadores e a substituição de lixões por aterros sanitários.
Megaeventos esportivos como a Copa costumam gerar volumes excedentes de lixo. Um cálculo feito pela Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) estimou que seriam produzidas por dia, em cada uma das 12 cidades-sede, aproximadamente 15 mil toneladas de resíduos a mais do que o normal. Para dar conta desse montante seria necessário adotar uma estratégia que integrasse todo o processo: da coleta ao descarte, passando pelo tratamento do rejeito. O que, na prática, demanda um contingente maior de funcionários de limpeza, muita logística de transporte, centros de reciclagem capacitados e aterros sanitários adequados ao descarte do lixo contaminado.
O prognóstico não era animador. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2008, 50,8% dos municípios do Brasil ainda despejam resíduos sólidos em lixões, vazadouros a céu aberto, sem preparação correta do solo; 22,54% usam aterros controlados, sistema intermediário entre o lixão e o aterro sanitário; e 27,68% trabalham com aterros sanitários, modelo mais adequado ao descarte do lixo não tratável.
No que diz respeito à coleta seletiva e à reciclagem o panorama é ainda mais incipiente: apenas 3,79% dos municípios têm unidade de compostagem de resíduos orgânicos e 11,56% têm unidade de triagem de resíduos recicláveis. Em um cenário onde cerca de 70% dos municípios brasileiros não apresentaram o plano de gestão integrada de resíduos em tempo hábil, conforme exigido pela lei, o desafio é enorme. “Com um megaevento como a Copa nós acreditávamos que muitas cidades-sede, que já não tinham um sistema desses pensado para uma população regular, não dariam conta do volume excedente produzido pelo evento”, diz Gabriela Otero, coordenadora técnica da Abrelpe.
Boa notícia
A surpresa foi que as cidades-sede da Copa contaram com auxílio do governo e de empresas privadas. Algumas obtiveram apoio financeiro específico para a limpeza dos estádios e Fan Fests. Outras conseguiram financiamentos com o BNDES para estruturar a rede de coleta seletiva, tendo como condição incluir os catadores de lixo, linha adotada por Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.
Ao todo, 2.400 catadores foram envolvidos na coleta seletiva dos 12 estádios. A iniciativa foi apontada como determinante para o sucesso da operação de limpeza. “As cidades estavam preparadas graças ao trabalho dos catadores e das cooperativas que mostraram capacidade de fazer o serviço”, afi rma André Vilhena, diretor do Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem). “O aparelhamento das cooperativas é um dos legados que ficam”, diz Vilhena.
O projeto recebeu elogios de Dan Epstein, chefe de desenvolvimento sustentável e regeneração da Olimpíada de Londres, em 2012, considerado o megaevento esportivo mais sustentável da história. Para ficar em apenas um exemplo: 70% dos resíduos gerados nos jogos londrinos foram reciclados, enquanto a média de reciclagem em eventos semelhantes é de 15%.
Ainda não se sabe quanto o Brasil reciclou. Nem o Ministério do Meio Ambiente, a Abrelpe ou o Cempre possuíam balanços do trabalho de manejo de resíduos da Copa, até o fechamento desta reportagem. Mas, de fato, as cidades- sede sobreviveram. Resta saber se o trabalho terá continuidade e se será capaz de influenciar outros municípios e a Olimpíada de 2016.