26/03/2021 - 8:27
O Canal de Suez foi inaugurado em novembro de 1869. Ícone do imperialismo europeu do século 19, palco de crises internacionais e símbolo do nacionalismo egípcio, passagem ainda é uma rotas vitais do comércio global.”O governo egípcio anuncia a estatização do Canal de Suez”, com essas palavras sóbrias, em outubro de 1956, o presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, tornava pública uma decisão que causou júbilo no país, mas horror na Europa.
Antes de anunciar da decisão, Nasser esperou, durante muito tempo, por um empréstimo americano para a construção da Barragem de Assuã. A Casa Branca, no entanto, temia que o líder egípcio pudesse apoiar os soviéticos na Guerra Fria, e por isso o então presidente americano, Dwight D. Eisenhower, reteve esse dinheiro.
Indignado, Nasser resolveu obter de outra forma os recursos para construção da barragem: estatizando o Canal de Suez, que pertencia majoritariamente, contudo, à Sociedade Franco-Britânica de Suez. O presidente egípcio prometeu compensação adequada, mas os dois Estados europeus se recusaram a aceitar. Com o fracasso das negociações, os dois países atacaram o Egito no fim de outubro, com o apoio de Israel.
Em resposta ao ataque na região do canal, por intermédio da ONU os Estados Unidos e a União Soviética forçaram a retirada das tropas francesas, britânicas e israelenses. O Oriente Médio deveria ser uma região de influência das grandes potências e não dos europeus.
Segundo o cientista político Thomas Demmelhuber, da Universidade de Erlangen-Nürnberg, Nasser desejava com a ação, sobretudo, arrecadar recursos para seu projeto de prestígio, a Barragem de Assuã, no entanto, desde sua inauguração, o Canal de Suez sempre foi um objeto de prestígio nacional.
“Desde que foi construído, há mais de 150 anos, por agricultores egípcios, o Canal de Suez é um símbolo do progresso do país. Esse pensamento também teve um papel na estatização”, pondera Demmelhuber.
O próprio Nasser deu a entender, em outubro de 1956, que a estatização era mais do que um mero ato econômico. Para ele, a tomada do canal era um sinal do nacionalismo que “brota dos sentimentos dos árabes, dos corações dos árabes. Eles querem viver com dignidade e ser independentes”, exortava o presidente egípcio.
Obra entre dois mares
Os planos para a construção de um canal entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho existiam há muito tempo, explica Demmelhuber. “Os otomanos já pensavam nisso desde o século 16. Engenheiros franceses também foram ao Egito junto com as tropas de Napoleão em 1798 e realizaram estudos, porém, chegaram a conclusão de que o projeto não era viável. Inicialmente os britânicos tinham uma opinião semelhante, mas Ferdinand de Lesseps levou a ideia adiante.”
Na construção, milhares de europeus foram engajados para abrir a zona navegável. Diante da dificuldade de recrutar homens suficientes para tocar a obra, em 1861 o governante egípcio Mohammed Said obrigou cerca de 10 mil trabalhadores do Alto Egito a trabalharem no canal. Um ano depois, mandou trazer mais 18 mil homens.
O líder egípcio tinha também preocupações demográficas, temendo que a zona do canal pudesse se transformar num posto europeu. Embora inicialmente o canal tenha permanecido egípcio, ele acabou se tornando uma zona internacional de fato.
“Port Said é quase uma cidade”, comentava o orientalista francês Narcisse Berchère – que passou um mês na região a convite de Lesseps – sobre o local ao norte do canal onde se iniciaram as obras, em 1861/1862. “Contam-se 1.023 europeus e 1.578 árabes. Há restaurantes, cafés, alfaiates e cantinas.”
Um viajante inglês ponderou, ainda, que os que foram atraídos para a cidade não eram apenas “pessoas honradas”: “É um lugar onde os pecados do Ocidente e do Oriente encontram asilo comum.”
O canal realmente promoveu uma mudança enorme no Egito. As cidades de sua região, principalmente Port Said, se tornaram centros comerciais dinâmicos, que conectaram o país à rede de comércio global.
A “Estrada do Império Britânico”, como o canal era chamado, encurtou consideravelmente a distância entre Londres e Mumbai, de 19.855 quilômetros para 11.593 quilômetros. A mudança impulsionou o transporte marítimo.
Em 1870, atravessaram o canal 486 navios, somando 26.758 passageiros. Em 1913 eram 5.085 embarcações com 234.320 viajantes. “Meu país não é mais parte da África”, afirmou então o paxá do Egito Ismail, durante a abertura do Canal de Suez, em 17 de novembro de 1869. “Eu o tornei parte da Europa.”
Novo canal
Desde 2015, com a conclusão das obras de ampliação, mais navios podem navegar pelo Canal de Suez. Depois que o presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi, deu o aval para a obra, foram retirados 258 milhões de metros cúbicos de areia e a via foi ampliada num trecho de quase 40 quilômetros.
“A construção da rota paralela mais de 35 quilômetros, assim com a ampliação e aprofundamento de um trecho igualmente longo, representa para Sisi basicamente o mesmo que a Barragem de Assuã foi para Nasser: um objeto de prestígio que deve testemunhar a eficiência do governo”, resume Demmelhuber.
A obra duplicou a capacidade de transporte do canal. Em vez de 49, até 100 navios podem agora cruzá-lo por dia. Economicamente, porém, o uso do canal ainda não chegou ao máximo. “No orçamento de 2018/19, está prevista uma receita de 5,9 bilhões de dólares. Isso é imenso, mas longe de ser a receita que a expansão pretendia gerar”, diz o cientista político.
Assim, o canal permanece um parâmetro do prestígio nacional e, ao mesmo tempo, um lembrete de que o país ainda não esgotou suas possibilidades.
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