21/04/2021 - 9:17
Pesquisadores internacionais descobriram uma nova função para os odontoblastos, as células que formam a dentina, a casca sob o esmalte do dente que envolve a polpa dentária macia contendo nervos e vasos sanguíneos. A novidade foi publicada na revista “Science Advances”.
“Descobrimos que os odontoblastos, que sustentam o formato do dente, também são responsáveis pela detecção do frio”, diz o patologista dr. Jochen Lennerz, um dos autores sêniores do artigo e diretor médico do Centro de Diagnóstico Integrado do Hospital Geral de Massachusetts (MGH, nos EUA). “Esta pesquisa contribui com uma nova função para essa célula, que é empolgante do ponto de vista da ciência básica. Mas agora também sabemos como interferir com essa função de detecção de frio para inibir a dor dentária.”
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A dor nos dentes devido à exposição ao frio pode ocorrer por vários motivos. Muitas pessoas experimentam dores intensas de frio quando têm um orifício em um dente originário de uma cárie não tratada, por exemplo. Mas os dentes também podem se tornar muito sensíveis ao frio devido à erosão gengival causada pelo envelhecimento. Alguns pacientes com câncer tratados com quimioterapias à base de platina apresentam extrema sensibilidade ao frio em todo o corpo. “Uma brisa no rosto é registrada como dor extrema nos dentes, o que pode até fazer com que alguns pacientes interrompam a terapia”, diz Lennerz.
Difícil de estudar
A dor de dente é reconhecidamente difícil de estudar. A dureza de um dente torna-o um tecido desafiador para investigar. Induzir dor de dente em humanos requer a abertura do dente. A equipe de pesquisadores, portanto, conduziu experimentos em ratos cujos molares foram perfurados sob anestesia. Camundongos com lesões dentais manifestam dor com seu comportamento; eles bebem até 300% mais água com açúcar do que seus irmãos sem ferimentos dentais, por exemplo.
Em pesquisas anteriores, a equipe descobriu a TRCP5, uma proteína codificada pelo gene TRCP5 que se expressa nos nervos em muitas partes do corpo. Sua descoberta anterior permitiu que os pesquisadores se concentrassem no TRCP5 como um mediador da dor do frio.
Ao estudarem ratos geneticamente alterados que não tinham o gene TRCP5, os pesquisadores descobriram que os ratos com dentes feridos não manifestaram o aumento do comportamento de beber e se comportaram como ratos sem lesões dentárias.
Prova definitiva
“Agora temos a prova definitiva de que o sensor de temperatura TRCP5 transmite o frio através do odontoblasto e leva os nervos a inflamar, criando dor e hipersensibilidade ao frio”, diz Lennerz. “Essa sensibilidade ao frio pode ser a maneira de o corpo proteger um dente danificado de ferimentos adicionais.”
Especificamente, em resposta ao frio, a proteína TRCP5 abre canais na membrana dos odontoblastos, permitindo que outras moléculas, como o cálcio, entrem e interajam com a célula. Se a polpa do dente está inflamada por uma cárie profunda, por exemplo, a TRCP5 é superabundante, causando aumento da sinalização elétrica através dos nervos que emergem da raiz do dente e correm para o cérebro, onde a dor é percebida. Quando as gengivas retrocedem com o envelhecimento, os dentes podem se tornar hipersensíveis porque os odontoblastos estão sentindo o frio em uma região recém-exposta do dente.
“A maioria das células e tecidos desacelera seu metabolismo na presença de frio, razão pela qual os órgãos de doadores são colocados no gelo”, diz Lennerz. “Mas a TRPC5 torna as células mais ativas no frio, e a capacidade dos odontoblastos de sentir o frio via TRPC5 torna essa descoberta muito empolgante.”
Alvo farmacológico
Lennerz confirmou a presença da proteína TRPCS em dentes humanos extraídos, o que foi um tour de force técnico. “Nossos dentes não devem ser cortados em camadas ultrafinas para que possam ser estudados ao microscópio”, diz Lennerz. Ele primeiramente teve de descalcificar os dentes e colocá-los em resina epóxi antes de fatiá-los e identificar os canais da TRPC5 nos odontoblastos.
A equipe de pesquisa também identificou um alvo farmacológico para minimizar a sensibilidade do dente ao frio. Durante séculos, o óleo de cravo foi usado como remédio para dores de dente. O agente ativo no óleo de cravo é o eugenol, que bloqueia a TRCP5. Os dentifrícios contendo eugenol já estão no mercado, mas os resultados deste estudo podem levar a aplicações mais potentes para tratar dentes hipersensíveis ao frio. E pode haver novas aplicações para o eugenol. Um exemplo é o tratamento sistemático de pacientes com extrema sensibilidade ao frio por causa da quimioterapia. “Estou animado para ver como outros pesquisadores aplicarão nossas descobertas”, disse Lennerz.