02/05/2021 - 17:45
Quase 8% dos americanos que receberam a primeira dose da vacina contra a covid-19 não voltaram para a segunda injeção. Quão eficaz é tomar apenas uma dose? Pessoas que tiveram covid-19 podem descartar a segunda?Por que milhões de americanos pularam a segunda dose da vacina contra a covid-19?
Nos Estados Unidos, quase 8% das pessoas que tomaram a primeira dose das vacinas contra a covid-19 da Pfizer-Biontech ou da Moderna não retornaram para receber a segunda dose, segundo uma reportagem recente do jornal americano The New York Times. Especialistas acreditam haver variadas razões para explicar esse número.
“Algumas pessoas podem ter lido especulações de que uma dose seria suficiente [para proteger contra o coronavírus]”, afirmou à DW a virologista Angela Rasmussen, da Organização de Vacinas e Doenças Infecciosas (Vido). Segundo ela, essa ideia instigaria nas pessoas um falso senso de segurança.
Outra razão que pode desencorajar alguns vacinados a tomarem a segunda dose é o medo de possíveis reações adversas da imunização. “Algumas pessoas podem ter tido efeitos colaterais relacionados à primeira dose e decidiram por si mesmos que não querem viver isso de novo com a segunda dose”, diz a virologista.
“Acredito que outras pessoas foram aconselhadas por seu seguro de saúde a não receber a segunda injeção, e isso se eles já tiveram uma reação alérgica ou têm um histórico ruim ao receber segundas doses – provavelmente é uma minoria de casos, mas acho que algumas pessoas por razões médicas foram aconselhadas a não tomar a segunda dose”, completa Rasmussen.
A especialista cita ainda outras possíveis razões, como obstáculos logísticos que fogem do controle dos vacinados, bem como horários para vacinação cancelados ou farmácias que não estocaram doses do tipo certo da vacina. Um número pequeno de pessoas pode ainda ter simplesmente esquecido que precisava tomar uma segunda injeção.
Fatores sociais também podem desempenhar um papel. Segundo a médica Lisa Cooper, chefe do Centro Johns Hopkins para Equidade na Saúde, pessoas de classes mais baixas e afro-americanas enfrentam barreiras estruturais específicas para ter acesso até mesmo à primeira dose da vacina.
“Se você não tem um celular sofisticado ou um computador, provavelmente se sente mais confortável usando um telefone comum – mas alguns centros de vacinação não têm número para receber ligação, e a única forma de se registrar [para se vacinar] é estando online”, disse Cooper em entrevista à DW.
“Mesmo que você consiga [se registrar], descobrirá que o local da vacinação fica no outro lado da cidade, e você não tem carro – você quer pegar o transporte público durante a covid-19? E vai lhe custar um dinheiro extra para fazer todas essas coisas.”
Preocupações econômicas também contribuem para a hesitação em relação à vacina. Muitos trabalhadores americanos dizem que gostariam de se vacinar, mas nem sempre obtêm o apoio de seus empregadores. Para evitar isso, o presidente dos EUA, Joe Biden, pediu aos empregadores que concedessem licença remunerada para permitir que seus funcionários sejam vacinados, e ofereceu créditos fiscais a pequenas e médias empresas para cobrir os custos.
Uma dose da vacina é suficiente?
Especialistas têm explicado repetidamente que, a fim de obter uma proteção maior e a longo prazo contra o coronavírus, é necessário tomar duas doses da vacina – no caso dos imunizantes que exigem duas doses, é claro. Há estudos que sugerem que, ao menos em curto prazo, a primeira dose já oferece certa proteção, mas não é claro quanto tempo dura essa proteção.
Dois estudos recentes do Instituto Nacional de Estatísticas do Reino Unido e da Universidade de Oxford mostraram que pessoas vacinadas apresentaram uma forte resposta imunológica após receberem qualquer uma das doses.
Um dos estudos apontou uma redução de 72% em infecções sintomáticas entre as pessoas que receberam a primeira dose das vacinas da Pfizer-Biontech e da AstraZeneca-Oxford. Após duas doses da Pfizer-Biontech, contudo, houve uma redução de 90% nas infecções sintomáticas. Os dados sobre a proteção após a segunda dose da AstraZeneca ainda estavam disponíveis.
Koen Pouwels, autor do estudo e pesquisador na Universidade de Oxford, frisa que tomar a segunda dose dos imunizantes leva a uma proteção muito mais eficaz e mais duradoura contra a covid-19. “É muito importante receber a segunda dose.”
“Como acontece com qualquer doença infecciosa, inicialmente [após a primeira dose] você terá alta proteção e, depois, essa eficácia diminuirá”, disse Pouwels à DW. “Ao observar as respostas dos anticorpos, a queda é relativamente rápida. A segunda dose é muito protetora e aumenta muito mais os níveis de anticorpos, especialmente em pessoas idosas.”
Segundo a virologista Angela Rasmussen, o problema não é que a segunda dose não funcionará se o paciente esperar mais tempo para recebê-la, mas que ele pode não ter a proteção que pensa ter durante aquele intervalo entre uma dose e outra.
“O que as pessoas podem estar esquecendo é que essa segunda dose é considerada realmente necessária para obter essas respostas imunológicas de longo prazo”, afirma ela.
Quem já teve covid-19 pode tomar apenas uma dose?
Um estudo americano realizado pelo Centro Médico Cedars-Sinai com mais de 260 pessoas mostrou que “uma dose da vacina da Pfizer-Biontech em indivíduos que já tiveram covid-19 gera uma resposta imunológica similar à dos indivíduos que receberam as duas doses recomendadas”.
Ou seja, segundo os pesquisadores, os dados sugerem que uma segunda dose pode não ser necessária para aqueles que se recuperaram de uma infecção pelo coronavírus. A questão é quão eficaz seria uma única dose.
“Muitos indivíduos tiveram covid-19, e a disponibilidade da vacina ainda é limitada na maioria das regiões. Portanto, a dosagem única em indivíduos com [histórico] anterior de covid-19 poderia acelerar significativamente o número de pessoas protegidas pela imunização e ajudar a alcançar níveis comunitários [de vacinação] que impedem a disseminação da infecção”, afirmou à DW o coautor do estudo Jonathan Braun, professor de medicina no Centro Médico Cedars-Sinai.
Outra pesquisa realizada pelo Instituto Penn de Imunologia, da Universidade da Pensilvânia, também descobriu que pessoas que se recuperaram de uma infecção apresentaram uma forte resposta de anticorpos após a primeira dose das vacinas que utilizam a técnica de mRNA, como o imunizante da Pfizer-Biontech.
Em comunicado à imprensa, o imunologista e coautor do estudo E. John Wherry afirmou que “esses resultados são encorajadores tanto para a eficácia de curto prazo da vacina quanto para a de longo prazo”.
Na Alemanha, o Comitê Permanente de Vacinação (Stiko, na sigla em alemão) atualizou recentemente seus informes para incluir novos dados que recomendam que, para as pessoas que desenvolveram covid-19, “uma única vacinação deve ser considerada, mas não antes de seis meses após a recuperação […], devido à imunidade existente após a infecção”.