01/12/2010 - 0:00
O biomimetismo está presente no Airbus A380, o maior avião de passageiros do mundo: seus winglets (componentes aerodinâmicos verticais na ponta das asas) copiam um detalhe observado nas asas da águia-das-estepes durante seu voo.
Oque o velcro, um maiô de corpo inteiro e o maior avião de passageiros do mundo têm em comum? A resposta está em um campo crescente de estudos científicos por meio do qual engenheiros, cientistas e arquitetos estão olhando não para o que podemos extrair do mundo natural, mas para o que podemos aprender com ele: o biomimetismo.
David Hills é gerente sênior de Pesquisas Físicas de Voo da Airbus, um dos maiores fabricantes de aviões do mundo, com 52 mil empregados. A companhia constrói aviões que vão desde a família A320, que começa com aviões com cerca de 100 assentos, até a primeira aeronave do mundo, de dois andares, o A380, que tem mais de 500 lugares! Residindo no Reino Unido, Hills trabalha com colegas engenheiros de todo o mundo para projetar novas aeronaves e melhorar as já existentes para que elas consumam menos combustível, gerem menos ruído e menos emissões e tenham menor impacto sobre o meio ambiente. Para muitos desses engenheiros, a natureza é uma grande fonte de inspiração.
Por que um fabricante de aeronaves estaria interessado em biodiversidade?
Mais de 30% das espécies conhecidas no mundo inteiro estão sob ameaça. Para a Airbus, o prejuízo potencial para o nosso planeta e as gerações futuras já é desastroso, mas, o que é pior, significa também a perda de fontes vitais de inspiração e inovação. Nos últimos 40 anos, a inovação tecnológica tem reduzido a queima de combustível e as emissões de poluentes das aeronaves em 70% e o ruído em 75%. Hoje, a indústria da aviação contribui com 2% de todas as emissões antropogênicas de CO2. Ela continua a procurar soluções tecnológicas para ajudar a reduzir esse impacto ainda mais – e a natureza pode fornecer as respostas.
O mundo natural, obviamente, sempre tem sido uma fonte de inspiração para a indústria da aviação, desde que o inventor italiano Leonardo da Vinci começou a desenhar aviões e helicópteros, cerca de 500 anos atrás. Seus desenhos intrigantes foram baseados em observações contínuas do mundo ao seu redor.
O que exatamente é biomimetismo?
Biomimetismo é a engenharia inspirada biologicamente. Simplificando, é o estudo e a imitação das melhores ideias da natureza para ajudar a resolver os desafios humanos: a ciência inspirada na natureza, se você assim preferir. É por isso que o famoso maiô usado pelo nadador americano Michael Phelps nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 foi capaz de replicar a habilidade de um tubarão para reduzir o atrito e ficar limpo, propriedades que não só fizeram Phelps ficar mais liso na água, mas também protegem superfícies sensíveis a bactérias em hospitais.
Da Vinci e o sonho de voar
O gênio renascentista Leonardo da Vinci está na origem da invenção do avião. Seu interesse pelo tema levou-o a estudar a fundo a estrutura e o mecanismo de voo das aves e dos morcegos. Em 1485, ele projetou o ornitóptero (esquerda), cujas asas deveriam ser batidas com a ajuda do piloto. Um ornitóptero moderno, com asas móveis (extrema esquerda), foi testado em 2001 no Canadá.
Como as aeronaves imitam a natureza?
Um número crescente de inovações aeronáuticas é inspirado por uma vasta gama de estruturas naturais, órgãos e materiais – os padrões experimentados e testados no mundo natural. Deixe-me dar dois exemplos.
A estrutura da superfície das folhas de lótus é projetada para manter a superfície limpa e seca em condições de umidade. A água da chuva é incapaz de penetrar; ela foge, levando toda a sujeira consigo. Isso é conhecido como super-hidrofobicidade, ou “efeito lótus”. Essas propriedades inspiraram revestimentos de cabines de aeronaves. Os revestimentos reduzem a quantidade de fluido de limpeza necessária para lavar os interiores da cabine, removendo impressões digitais e derramamentos deixados por centenas de passageiros. Os revestimentos são particularmente úteis para os lavatórios, porque as substâncias não aderem às superfícies e podem simplesmente ser lavadas, usando-se menos água do que seria necessário. Isso melhora a higiene e reduz a quantidade de água que a aeronave tem de transportar; diminui, por sua vez, o peso da aeronave e, portanto, a quantidade de combustível queimado e as emissões geradas pelo voo.
O traje especial que permitiu ao supercampeão Michael Phelps (acima, à esquerda) bater recordes na Olimpíada de Pequim foi inspirado na capacidade do tubarão (acima) de diminuir o atrito e manter-se limpo.
Para dar outro exemplo, da mesma forma que as aves marinhas sentem as rajadas de vento no ar com seu bico e ajustam o formato das penas de suas asas para suprimir a força de ascensão, sondas no novo Airbus A350 XWB detectam rajadas de vento na frente da asa e posicionam as superfícies móveis para um voo mais eficiente.
Que espécie inspirou o A380?
Nossos engenheiros aprenderam muito a partir de aves como a águiadas- estepes (Aquila nipalensis). As asas da águia não podem ser muito longas ou seu diâmetro da curva (a distância entre os pontos opostos de um círculo) irá levá-la para fora das térmicas, as colunas ascendentes de ar quente, com cerca de 20 metros de largura, em que ela se baseia para voar alto no céu. As asas da águia equilibram perfeitamente a máxima elevação com o mínimo comprimento. Ela pode manipular as penas nas pontas, enrolando-as para cima até que elas estejam quase na vertical, para criar um winglet (componente aerodinâmico, em geral com a forma de uma aba vertical ou inclinada, posicionado na extremidade livre da asa de uma aeronave a fim de reduzir o arrasto induzido), uma adaptação natural que atua como uma barreira contra o vórtice de voo altamente eficiente.
Os engenheiros do A380 enfrentaram quase o mesmo problema – só que dessa vez o problema não estava girando dentro de térmicas, mas dentro de aeroportos! Como eles poderiam criar sustentação suficiente para o maior avião de passageiros do mundo de modo a ainda encaixá-lo nos aeroportos, onde a largura da envergadura (e extensão das asas) é limitada a 80 metros? Se fosse construída a partir de um projeto convencional, a envergadura do A380 teria de ser aproximadamente 3 metros mais longa, a fim de criar o impulso necessário para pôr a fuselagem no ar. Isso é por causa de pequenas bolsas de ar chamadas de vórtices de ponta de asa, criadas por escapes de ar de alta pressão sob a asa, em torno das extremidades. Elas significam que as extremidades da asa não fornecem nenhuma elevação e, assim, a asa tem de ser maior. Mas, graças a pequenos dispositivos, os winglets, que imitam o movimento de elevação das penas da águia, as asas do A380 têm apenas 79,8 metros de largura – mantendo-se, desse modo, 20 centímetros dentro do limite dos aeroportos mais importantes.
Na verdade, a técnica é tão eficaz que a Airbus aplica a mesma teoria para todas as suas aeronaves, apesar de serem muito menores: a asa de uma aeronave A320, por exemplo, tem o mesmo comprimento que o estabilizador vertical do A380!
O presidente da WhalePower, Frank Fish, inspirou-se nas nadadeiras das baleias para criar pás de turbinas eólicas que fazem menos barulho e propiciam mais eficiência na geração de energia.
O mergulho rapidíssimo do martim-pescador rumo a sua presa na água solucionou o problema representado pelo estalo brusco contra o ar provocado quando um trem-bala sai em alta velocidade de um túnel.
A Mercedes-Benz copiou o peixe-cofre em um carro-conceito em 2005, de olho em sua aerodinâmica e eficiência de forma. O resultado apresentou coeficiente de atrito 65% menor do que um modelo comum da época.
A BioPower Systems inspirou-se na fauna e na flora dos oceanos para conceber suas turbinas submarinas.
A forma do copo-de-leite está na criação de um novo misturador de água da Pax Technologies. O desenho de uma espiral centrípeta aumenta muito a eficiência do aparelho na mistura de líquidos.
Asas de borboleta que refletem a luz em função da longitude distinta de onda levaram a Qualcomm a melhorar as telas de visualização de seus aparelhos, tornando-os mais brilhantes e legíveis e poupando energia.
Qual será a impo rtância da biodiversidade pa ra os fabricantes de aeronaves no futuro?
A natureza continua a ser uma fonte de inovação para nós, mas isso envolve muito mais do que imitar pássaros ou animais voadores. Tratase de construir sobre a diversidade dos padrões naturais disponíveis. Em face das alterações ambientais, a natureza confia em seu capital de biodiversidade para se adaptar e a indústria da aviação usa esse capital para renovar-se.
O que tudo isso mostra é que a natureza é uma biblioteca a partir da qual a indústria pode aprender. Olhe para todos os exemplos importantes em indústrias que empregam a biomedicina, a nanotecnologia e a ciência dos materiais. Você tem de se perguntar quantas indústrias não poderiam pagar para proteger os recursos que podem ser a chave para o futuro da inovação de produtos competitivos, de menos impacto ambiental e de crescimento sustentável. Muitas pessoas sabem que a perda de biodiversidade poderia atuar como um catalisador para questões como a escassez de água, a erosão do solo e do litoral, os deslocamentos de populações, as doenças e a segurança alimentar incerta. Mas mais pessoas precisam entender que a perda da biodiversidade significa também perder a oportunidade de encontrar soluções inovadoras para os desafios enfrentados pela humanidade.
O que a Airbus está fazendo pa ra ajudar a proteger a biodiversidade?
A Airbus trabalha com o Secretariado da ONU da Convenção sobre Diversidade Biológica para apoiar o Programa Onda Verde. A Onda Verde incentiva os jovens a plantar uma árvore ou celebrar a natureza ao seu redor, às 10 horas, em 22 de maio de cada ano, que é o Dia Internacional da Biodiversidade. Como a celebração passa por várias zonas horárias do mundo, cria uma “onda verde” da consciência e da atividade de leste a oeste, reunindo jovens de todo o mundo à medida que eles fazem o upload para a rede de fotos, vídeos e histórias sobre sua atividade relacionada ao programa.
SERVIÇO
Sobre o Programa Onda Verde: http://greenwave.cbd.int
Sobre biomimetismo: http://brainz.org/15-coolest-cases-biomimicry/
Sobre o A380 e a Airbus: www.airbus.com