23/12/2015 - 22:29
A jornada de 43 anos de PLANETA teve início com um pequeno grupo de pessoas arrojadas, para dizer o mínimo. No comando da recém-nascida Editora Três, Domingo Alzugaray, Luis Carta (ambos egressos da Editora Abril, onde ocupavam cargos de direção) e Fabrizio Fasano. Para dirigir PLANETA, a primeira publicação da casa, o jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão, que havia deixado o conforto e o salário de redator-chefe da revista Cláudia para ganhar menos fazendo uma revista “fantástica”. Com poucos recursos e muita ousadia, eles construíram em pouco tempo um sucesso de público, com tiragens superiores a 100 mil exemplares e grande repercussão. Loyola repassa a seguir a gestação e os primeiros tempos da revista, sempre transformadora para quem entra em contato com ela.
PLANETA – Vamos relembrar os velhos tempos: setembro de 1972…
LOYOLA – Foi a primeira PLANETA. Eu era redator-chefe de Cláudia, da Editora Abril. Luis Carta me chamou para conversar. Ele havia saído da Abril para fundar uma editora. Fui lá ver o que era. Ele me disse: “Há uma revista que acho que você não conhece, mas pela qual temos um certo fascínio”. A Planète existia na França e eu e um grupo de leitores a comprávamos todo mês na Livraria Francesa, no centro de São Paulo. Eu disse: “Conheço a revista e ela é fantástica. Mas é tão intelectual, com assuntos tão fora de todas as alçadas… Você acha que ela pega aqui?” Ele respondeu: “É uma aventura nossa, mas queremos uma coisa inteligente. Você toparia fazer?” Respondi: “Toparia.” Ele me perguntou quanto eu ganhava, respondi e ele propôs 2/3 daquele valor. Eu trabalhava na Cláudia havia quase sete anos e estava cheio de moda, cozinha, beleza e decoração. Decidi pela novidade. Eu devia muito ao Luis, uma das pessoas que me chamaram para a Abril. No início, a Três era na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, perto da Avenida Paulista. Eu tinha só uma mesa, uma cadeira e uma máquina de escrever. O Luis me disse: “Antes de mais nada, você vai a Paris para um encontro com o Louis Pauwels.” O Pauwels havia fundado a Planète em 1961, com Jacques Bergier. Os dois haviam escrito em 1960 o livro O Despertar dos Mágicos, que eu já tinha lido. O Pauwels era um homem elegantérrimo e afável. Ele me disse: “Essa revista não vai durar muito mais tempo. O Bergier está doente, morrendo, e não vou fazer a revista sozinho. Venha ao meu escritório, pegue todos os fotolitos e leve embora. Já acertei um preço com o Luis.” Fui ao escritório. Eram pacotes e pacotes, com um peso incrível. Acabei fazendo três viagens para buscar fotolitos e ilustrações. Aproveitei uma dessas vezes para visitar livrarias ligadas a assuntos da revista que o Pauwels havia listado para mim. Voltei para o Brasil e me enfronhei nos números da Planète. Comecei a falar com amigos e um deles, o Luis Ernesto Gadelha, arquiteto, me disse: “Já que você vai fazer isso aqui, tem de falar em Gurdjieff” [George Gurdjieff, pensador e mestre espiritual armênio – Nota da Redação]. O Gadelha tinha vários livros dele, e pensei: “Então, tem gente por aí interessada nisso”.
PLANETA – Gadelha era um dos nomes da seção de cartas da edição nº 1, ao lado de Jorge Amado, Fernanda Montenegro…
LOYOLA – Eu era amigo do Jorge Amado do Almeida Salles, presidente da Cinemateca, e do Caio Graco (que, aliás, era meu editor). Tinha entrevistado a Fernanda Montenegro muitas vezes. Foi só ligar dizendo: “Vamos fazer PLANETA, o que vocês acham?” Acharam muito bom. Comecei a montar aquilo durante meses. O Luis falou em certo momento: “Tem de ter colaborador brasileiro”. Respondi: “Sim, mas não tenho a mínima ideia de quem está nesse mundo”. Aí apareceu o Edison Carneiro, folclorista e estudioso das religiões afro-brasileiras. Depois veio o Herculano Pires, espírita, muito aberto. Alguém me disse que em Poços de Caldas (MG) havia um especialista em todos os assuntos esotéricos. Fui atrás e, ajudado por um amigo que morava lá, descobri o Edmundo Cardillo. “Me mande ideias, pois preciso montar o primeiro número”, pedi. Ele nunca deixou de mandar. Publicamos o primeiro número, que tinha na capa um fundo vermelho…
PLANETA – E seu tema eram cultos afro-brasileiros…
LOYOLA – Exatamente. Havia uma enorme expectativa, e a tiragem esgotou. Os jornais falaram, teve gente metendo o pau. O sucesso foi aumentando e, no número 4, a tiragem chegou a 120 mil exemplares. Pensei: “O que a gente tem na mão?” Não sabíamos nem quem era o público. A partir do quarto número, comecei a receber cartas, telefonemas, visitas na redação…
PLANETA – Você ainda sozinho.
LOYOLA – Fiquei sozinho por um bom tempo. Mais tarde, o Zezé Brandão, meu primo, e o Antonio Zago colaboraram. O Luis Pellegrini veio lá na frente, e foi uma grande descoberta. Ele ficou no meu lugar quando fui fazer as revistas Lui, Ciência e Vida e uma coleção de literatura clássica brasileira. Fui abandonando PLANETA, e saí de vez da Editora Três em 1979.
PLANETA – Por que saiu da revista?
LOYOLA – Chegou um momento em que o Luis e o Domingo me diziam que eu precisava popularizar a revista. “Ela tem que chamar a atenção, provocar”, falavam. Quem olhar as capas vai notar que os títulos foram ficando mais sensacionalistas. Tenho uma certa nostalgia de PLANETA. Até ela surgir, ninguém havia falado aqui de teosofia, Madame Blavatsky, Loren Eiseley, Gurdjieff, Nicolas Flamel, alquimia… – a não ser grupos muito restritos, que comecei a descobrir. A revista abriu caminhos. Egito, Atlântida, deuses astronautas… Lembro que uma matéria sobre universos paralelos foi um sucesso. Outra das matérias que mais me impressionaram foi feita pela Elsie Dubugras [jornalista especializada em espiritualismo, que trabalhou 30 anos na revista – N. da R.] …
PLANETA – Quando ela chegou?
LOYOLA – Foi lá por 1974. Veio com sugestões de pauta e conversamos uma tarde inteira. Ela tinha livros que havia trazido da Inglaterra sobre fadas. Rendeu uma matéria deliciosa, com grande repercussão. No início, ela escrevia com alguma dificuldade; fui ajudando-a e, num certo momento, ela já escrevia normalmente. Tinha muito talento, inteligência, sensibilidade, solidariedade e amor pelas pessoas. Voltando à revista, falar de cultos afro-brasileiros causava um certo distanciamento do público. “Isso é coisa de gente baixa”, diziam, cheios de preconceitos. Outro artigo que chamou a atenção nesse sentido foi sobre a existência de Deus. Fizemos uma edição muito bonita sobre o Festival das Bruxas na Colômbia, em 1977, com fotos da Madalena Schwartz, uma fotógrafa, principalmente de retratos, que a Editora Três revelou, publicando seus primeiros trabalhos. Uma noite, eu e alguns outros jornalistas fomos levados por um grupo de cientistas a uma montanha de Bogotá. Ali havia uma tribo indígena que, segundo os cientistas, tinha o poder da telepatia. Naquele momento, no Novo México (EUA), uma tribo e cientistas esperavam receber algo do nosso grupo. Deram a cada um de nós uma folha de papel e disseram: “Desenhe algo que só você conheça”. Eu desenhei, meu índio olhou bastante, mostrou para os outros, eles ficaram mentalizando por um bom tempo. Assim foi com os outros. No dia seguinte, vieram por telefoto as coisas que tínhamos pensado. A minha veio – em alguns traços, algo que só eu, na Colômbia, naquele momento, podia saber: o escudo grená da Associação Ferroviária de Esportes, de Araraquara. O poder da mente existe.
PLANETA – Você disse numa entrevista recente que partilhava da ideia da sincronicidade.
LOYOLA – Mostrei isso no último capítulo do livro Veia Bailarina. Descobri que me apaixonei pela minha mulher, Márcia, 12 anos antes de ela nascer. Quando eu tinha 9 anos, em Araraquara, em 1945, era apaixonado por uma moça que via numa janela, uma morena de olhos castanhos e cabelo preto. Cresci, saí da cidade e nunca mais ouvi falar da mulher. Ela era simplesmente a tia da Márcia. Caso, descaso, caso mais uma vez, descaso, e aí caso com a Márcia, cujo pai era irmão da moça da janela.
PLANETA – O que ficou da revista na sua vida?
LOYOLA – PLANETA me permitiu entrar num mundo estranho, em que cabia tudo. O fantástico não é fantástico; é uma realidade que está aí, mas as pessoas têm um certo medo dela ou a veem diferente. Esse realismo mágico, de alguma forma inconsciente ou subliminar, se reflete na literatura feita depois por Gabriel García Márquez, Juan Carlos Onetti, Juan Rulfo e outros. A revista me mostrou que eu não devia ter medo nem do fantástico, nem do absurdo, porque o absurdo é mais real do que a própria realidade. E também que eu não devia duvidar de nada.