10/06/2021 - 3:56
A melhor defesa é o ataque: numa convenção partidária em 10 de junho de 2001, futuro prefeito de Berlim Klaus Wowereit abriu o jogo sobre sua orientação sexual. E desencadeou uma onda de liberação, para além da Alemanha.Segundo o próprio ex-prefeito-governador de Berlim Klaus Wowereit, a frase mais importante de sua vida foi “Sou gay, e está bem assim!”. A nação ficou de queixo caído: era a primeira vez que um político de alto escalão assumia abertamente ser homossexual. Uma revolução, um fanal, uma virada de época para uma Alemanha conservadora e então ainda em grande parte empoeirada.
Para o copresidente do Partido Social-Democrata (SPD) Norbert Walter-Borjans, a frase de seu correligionário marcou uma ruptura, “porque naquele momento ainda havia enorme dificuldade de realmente aceitar na prática a constatação de que há diferentes modos de vida”.
Wowereit lançou o icônico comentário em 10 de junho de 2001, numa convenção extraordinária do SPD na capital alemã. Em seu discurso de nomeação, o futuro prefeito-governador de Berlim (2001-2014) quis deixar as coisas claras, informando os camaradas sobre sua homossexualidade. Assim, “demonstrou coragem” e desencadeou um processo “no sentido positivo”, avaliou Walter-Borjans, falando à DW.
Fim do “não pergunte, não conte”
A segunda metade do dito – “… e está bem assim” –, que se tornaria um bordão no país, saiu sem querer, admitiu Wowereit mais tarde. Porém o ato de assumir em público sua homossexualidade foi precisamente planejado. E não foi acaso ele ter pronunciado a frase em tom firme, decidido, nada defensivo.
O político sabia que a imprensa marrom pretendia publicar uma reportagem sobre sua orientação sexual, o que, na época, teria sido um escândalo. Então ele partiu para a ofensiva, privando seus adversários de toda munição.
A maior parte da opinião pública avaliou a confissão de forma positiva. “Don't ask, don't tell”: não se deve falar de orientação sexual, é melhor dissimular e cochichar. De um golpe, tal comportamento se tornara coisa do passado, para os políticos, ficou muito mais fácil assumir a própria homossexualidade.
Em entrevista ao jornal Tagesspiegel, Wowereit, que há vários anos se afastou da política, confirmou que, olhando para trás, se sente também “um pouco orgulhoso de ter mudado algo para ou outros”: “A extensão, eu só percebi depois, as ondas que a coisa tinha desencadeado, não só em Berlim e na Alemanha, mas por todo o mundo.”
Iniciativa pioneira
Com sua revelação, o social-democrata de fato desencadeou uma onda. No mesmo ano, Ole von Beust, da União Democrata Cristã (CDU), foi eleito prefeito de Hamburgo sem precisar esconder sua homossexualidade.
Em seguida foi a vez de Guido Westerwelle sair do armário: o político liberal morto em 2016 foi o primeiro ministro alemão do Exterior abertamente gay, aparecendo frequentemente nas fotos ao lado do marido.
Essa opção nem sempre foi fácil para seu cargo, por vezes chegando a ser um jogo de alto risco do ponto vista diplomático. Como em 2010, quando Westerwelle foi visitar a Arábia Saudita, um país onde os homossexuais estão ameaçados de pena de morte.
Para o líder do Partido Liberal Democrático (FDP), Christian Lindner, o exemplo de seu antecessor permanece até hoje uma espécie de dever moral para a legenda. Em resposta a uma consulta da DW, respondeu: “Todo ser humano deve poder realizar seu projeto de vida, independentemente da orientação sexual que tenha. […] Também para um engajamento na política, vale que a orientação sexual não pode ser uma desvantagem.”
Um país se abre gradualmente
Hoje em dia, na Alemanha, gays e lésbicas estão equiparados aos casais ou parcerias heterossexuais – pelo menos teoricamente, e do ponto de vista jurídico, quase inteiramente. Até 1969, em geral, a homossexualidade masculina era passível de pena na Alemanha, com base no Parágrafo 175 do código penal imperial de 1872. Por isso os gays eram denominados, em geral pejorativamente, como “o pessoal do 175”. Só em 1994 o parágrafo foi definitivamente eliminado.
Em 2001 criou-se a possibilidade das parcerias registradas para pessoas do mesmo sexo, praticamente equivalentes aos “casamentos normais”, excetuadas diferenças no direito tributário e de família. O próximo grande passo foi a histórica aprovação do “casamento para todos” pelo parlamento, em 2017.
Sobretudo para as conservadoras União Democrata Cristã (CDU) e União Social Cristã (CSU), essa liberalização foi altamente controversa. Ainda assim, a lei entrou em vigor, representando o total reconhecimento legal das parcerias homoafetivas por parte do Estado.
Mais tolerados do que aceitos?
Pesquisas de opinião indicam que já há bastante tempo a maior parte da população consegue imaginar ser governada por um gay ou lésbica. O que não quer dizer que não haja homofobia na política.
Um exemplo recente partiu do popular político democrata-cristão Friedrich Merz: em setembro de 2020 o tabloide Bild lhe perguntou se ele, então pré-candidato à sucessão da chanceler Angela Merkel, teria ressalvas a um chanceler federal homossexual. Não, isso não tem a menor relevância pública, afirmou, “contanto que se mantenha nos quadros da lei e não envolva crianças – esse ponto é um limite absoluto para mim”.
Para diversos críticos, Merz aproximou a homossexualidade da pedofilia. O vice-presidente do SPD Kevin Kühnert, que é assumidamente gay, tuitou: “Esses são os rodeios de alguém que não consegue esconder que, na verdade, a normalização do modo de lidar com a homossexualidade não lhe diz nada.”
Por sua vez, o ministro da Saúde Jens Spahn, declaradamente gay e também da CDU, como Merz, mostrou-se apenas surpreso, mas não pessoalmente ofendido. Contudo, numa entrevista anterior ao jornal Die Zeit, ele revelou que ainda sofria injúrias devido a sua orientação sexual.
Em setembro, por exemplo, um negacionista da pandemia de covid-19 o havia insultado de “bicha nojenta”. Portanto, na política, também da Alemanha, a homossexualidade é tudo, menos normal. “Acho isso triste e quero dar minha contribuição para que isso mude”, prometeu Spahn.
“Pobre, mas sexy”
Consultado pela DW, o diretor-gerente da Associação de Lésbicas e Gays na Alemanha (LSVD), Klaus Jetz, condenou o fato de até hoje a orientação dos políticos de ambos os sexos continuar sendo levada em conta: “Sair do armário ainda pode ser uma desvantagem para a carreira. Nesse aspecto, para as políticas e políticos, não é diferente de outros assalariados.”
O líder social-democrata Walter-Borjans igualmente segue presenciando tiradas homofóbicas contra seus colegas: “Isso é mau, e receio que não vai acabar de um dia para o outro.” Sua receita é dirigir-se até os céticos e “conquistá-los para que aceitem que todos ganhamos se, também nesse aspecto, esta sociedade se tornar mais livre e tolerante.”
Aliás, Klaus Wowereit não ficou famoso apenas por seu dito sobre ser gay. Em novembro de 2003, ele comentou sobre sua cidade natal, que governaria por tantos anos: “Berlim é pobre, mas é sexy” – frase que se tornou uma espécie de lema inoficial da capital alemã. Mais uma vez, o político conhecido como “Wowi” teve a coragem de dizer a coisa certa, do jeito e na hora certa – como em 10 de junho de 2001.