10/07/2021 - 8:28
Enquanto os já imunizados querem mais liberdades, muitos se esquivam da injeção. E a nova mutação do coronavírus se alastra. Há quem proponha até loterias de incentivo à vacina.A situação é contraditória: por todo o território alemão o número de novos casos de covid-19 baixou fortemente, e a cada achatamento da curva de contágios, os estados vão suspendendo as medidas de confinamento restantes.
No estado mais populoso, a Renânia do Norte-Vestfália, desde sexta-feira (09/07) estão permitidas danceterias, eventos esportivos, festivais de música e festas populares – a céu aberto. Onde a incidência por 100 mil habitantes chega a zero, pretende-se até suspender as restrições de contato e a obrigatoriedade do uso de máscaras médicas e de rastreamento de infecções.
Como isso combina com a propagação da altamente contagiosa variante delta? Ela acaba de se tornar a forma prevalecente do coronavírus na Alemanha, e o que se sabe sobre ela é motivo de apreensão: no Reino Unido, em poucas semanas sua incidência chegou a 250 por 100 mil habitantes.
Ainda assim, o governo britânico de Boris Johnson quer acabar com todas as medidas restritivas em 19 de julho. A partir de meados de agosto, os adultos duplamente vacinados não precisarão mais entrar em quarentena após contato com infectados. A imprensa britânica exulta, com “Freedom boost for the double-jabbed” (Reforço de liberdade para os duplamente vacinados) na manchete do tabloide Daily Express.
Segundo o ministro da Saúde, Sajid Javid, é preciso encontrar uma forma condizente com a pandemia de encarar o vírus, e isso inclui cuidar da liberdade, que é importante para todos. Mas nem todos no Reino Unido partilham esse ponto de vista: cientistas falam de “risco calculado”, e o oposicionista Partido Trabalhista, de “leviandade”.
A dupla promessa da injeção
Como a Alemanha vai gerir a quarta onda de pandemia, que previsivelmente já se aproxima? Um pouco de normalidade está apenas começando a retornar ao dia a dia, mais cidadãos trabalham novamente no escritório, viajam, vão ao cinema ou fazem esporte, batem perna na cidade, frequentam cafés e cervejarias.
Muitos vacinados acham que assim é que deve ser. Para eles, a picada no braço estava conjugada a uma dupla promessa: a proteção da saúde e a possibilidade de deixar de lado proibições e limitações. Isso fomentou uma atitude de expectativa que, diante das eleições iminentes, também preocupa os políticos. Cada vez mais são os que reivindicam mais regalias para quem tomou a segunda dose da vacina há mais de 14 dias.
Segundo o ministro do Exterior Heiko Maas, se todos na Alemanha recebessem sua oferta de vacinação “não há mais justificativa, legal ou política, para qualquer tipo de restrição”. Andreas Gassen, presidente da KBV, a associação dos médicos do seguro de saúde público da Alemanha, expressa uma opinião semelhante.
Para o chefe da Chancelaria Federal, Helge Braun, no outono (setembro-dezembro), “muitos setores que no passado estiveram totalmente fechados, não precisam mais, de forma alguma, ficar assim para essa grande parcela da população que está vacinada”.
Numa consulta do instituto de pesquisa de opinião YouGov, a metade dos participantes se pronunciou pela suspensão de todas as medidas anti-covid para os completamente vacinados, a partir de setembro.
Cai vontade de se vacinar
Em contrapartida, o especialista em vacinas Leif Erik Sander considera “pouco inteligente” acenar desde já com flexibilizações concretas para os vacinados. Ele conta com o surgimento de cada vez mais surtos espúrios do novo coronavírus, atingindo também os imunizados. Essa estimativa é confirmada por um estudo realizado em Israel.
“O que me intranquiliza nesse estudo é o fato de que 7% dos vacinados tenham ficado gravemente doentes”, comentou o especialista em saúde do Partido Social-Democrata (SPD) Karl Lauterbach, em entrevista a um jornal. Possivelmente a variante delta não foi a única responsável pela baixa eficácia, mas também as amplas flexibilizações: em Israel, grande parte das restrições foi suspensa, à medida que cresceu a quota dos vacinados.
Como muitos outros, também Lauterbach insiste que a Alemanha intensifique a campanha de imunização. O Instituto Robert Koch (RKI), responsável pela prevenção de doenças infecciosas, também defende que, para poder ter sob controle a covid-19, apesar da variante delta, é preciso estarem totalmente vacinados pelo menos 85% dos indivíduos entre 12 e 59 anos, e 90% dos maiores de 60.
Na prática, até 8 de julho de 2021 41,5% da população estava totalmente imunizada. Entre aqueles com mais de 60 anos, a quota era de 67%. Nas últimas duas semanas, caiu consideravelmente o número de vacinações por dia: na terça-feira, o RKI registrou a aplicação de pouco menos de 700 mil doses. Na semana anterior, haviam sido 917 mil, nas duas terças-feiras anteriores, mais de 1 milhão. Em princípio, o país dispõe de suficientes vacinas, e consta ser relativamente fácil marcar horário nos centros de vacinação ou com o médico de família.
Nível salarial e idade são fatores
Um estudo da Fundação Hans Böckler, ligada aos sindicatos, indicou haver um número desproporcional de não vacinados entre os cidadãos de baixa renda. Na consulta realizada em junho, dos que ocupam o último quinto da escala salarial, apenas 49% declararam já ter tomado pelo menos uma dose – contra 71% dos mais altos assalariados.
Aparentemente, para quem tem boa formação e bons contatos, é muito mais fácil obter um horário no médico ou no centro de vacinação. Assim, crescem os apelos da política para que se ofereçam muito mais oportunidades de imunização nos locais de trabalho, mas também com equipes móveis nas áreas menos favorecidas: a ideia é que os médicos se dirijam até a população, não o contrário.
Porém o status socioeconômico não é o único fator determinante para o volume de vacinações, mas também a idade. Para as crianças de menos de 12 anos, ainda não há um imunizante; e para as maiores, um único acaba de ser autorizado na União Europeia. A Comissão Permanente para Vacinas da Alemanha (Stiko) só recomenda o medicamento para os portadores de condições clínicas prévias.
Ainda assim, a demanda cresce: pediatras relatam que os adolescentes aparecem nos consultórios mesmo sem os pais, querendo marcar um horário para a inoculação. Ao que tudo indica, porém, o que os move não é tanto a preocupação pela própria saúde.
“Eles querem a liberdade deles de volta”, afirmou o pediatra Michael Achenbach em entrevista ao jornal Bild. Na ocasião, ele também fez severas críticas ao governo federal alemão. “Os políticos diziam que nenhuma criança sofreria desvantagens por não estar vacinada. Mas tal não corresponde à realidade.”
Da loteria à vacina compulsória
A partir de 2 de agosto, começa a volta às aulas nos 16 estados alemães, após as férias de verão. Pais e alunos já temem que, devido à variante delta, também no novo ano letivo não seja possível ter aulas normais. E pais irados são algo que a política quer evitar a qualquer custo, de olho nas eleições gerais de setembro.
“Não importa se vem a quarta, quinta, sexta ou sétima onda: deixem as escolas abertas!”, apelou numa entrevista Friedrich Merz, da União Democrata Cristã (CDU), o qual tem ambições de ocupar um cargo de ministro após o pleito.
O ministro da Saúde, Jens Spahn, urge a que se vacine o maior número possível de estudantes: “Temos, agora em julho, e também em agosto, vacina suficiente para aplicar também em crianças e adolescentes”, assegurou na televisão. “Para quem deseje, possibilitamos uma primeira dose até, no máximo, o fim de agosto, e aí receber a segunda em breve.”
A fim de aumentar a quota de vacinação em geral, Spahn aposta em atrativos e flexibilizações no dia a dia: “Quem quer voltar a fazer muitas coisas, com muita segurança, do estádio à festa, a reunião familiar e o cotidiano profissional, deve se vacinar e convencer muita gente a fazê-lo.”
O governador do estado do Sarre, Tobias Hans, também da CDU, chega a propor a instituição de loterias para os dispostos a se vacinar, em que se ofereça “uma bicicleta, um curso de língua estrangeira, ou algum outro prêmio bacana”.
Mas será que isso vai bastar? Até agora só esparsamente se cogita sobre vacinação obrigatória na Alemanha: os políticos asseguram que ela não haverá. Mas entre a população já inoculada e, sobretudo, entre os que temem pela própria liberdade, o tema já é discutido. O mais tardar no outono, quando a eleição tiver passado e a Alemanha estiver nas garras da variante delta, pode ser que o assunto ganhe impulso.