13/07/2021 - 11:36
Você provavelmente conhece esta história, ou uma versão dela: na Ilha de Páscoa, as pessoas cortam todas as árvores, talvez para preparar áreas para a agricultura ou para erguer estátuas gigantes destinadas a homenagear seus clãs. Essa decisão tola levou a um colapso catastrófico, com apenas alguns milhares de moradores restantes para testemunhar os primeiros navios europeus chegando a suas costas remotas em 1722.
Mas será que o colapso demográfico no cerne do mito da Ilha de Páscoa realmente aconteceu? A resposta, de acordo com uma nova pesquisa dos antropólogos Robert DiNapoli e Carl Lipo, da Universidade de Binghamton (EUA), é não. Sua pesquisa sobre o tema foi publicada recentemente na revista Nature Communications. Os coautores incluem Enrico Crema, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), Timothy Rieth, do International Archaeological Research Institute, e Terry Hunt, da Universidade do Arizona (ambos dos EUA).
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A Ilha de Páscoa (ou Rapa Nui, na língua nativa) há muito é um foco de estudos sobre questões relacionadas ao colapso ambiental. Mas, para resolver essas questões, os pesquisadores primeiramente precisam reconstruir os níveis populacionais da ilha a fim de verificar se tal colapso ocorreu e, em caso afirmativo, a escala.
Impacto negativo
“Para Rapa Nui, grande parte da discussão acadêmica e popular sobre a ilha gira em torno da ideia de que houve um colapso demográfico e que está correlacionado no tempo com mudanças climáticas e ambientais”, explicou DiNapoli, pós-doutorando associado em estudos ambientais e antropologia.
Algum tempo depois de ter sido colonizada, entre os séculos 12 a 13 d.C., a ilha antes coberta por florestas foi despojada de árvores. Na maioria das vezes, os estudiosos apontam para o desmatamento estimulado pelo homem para a agricultura e a introdução de espécies invasoras, como os ratos. Essas mudanças ambientais, afirma o argumento, reduziram a capacidade de carga da ilha e levaram a um declínio demográfico.
Além disso, por volta do ano 1500, houve uma mudança climática no Índice de Oscilação Sul. Essa mudança levou a um clima mais seco em Rapa Nui.
“Um argumento é que as mudanças no meio ambiente tiveram um impacto negativo. As pessoas veem que houve uma seca e dizem: ‘Bem, a seca causou essas mudanças’”, disse Lipo, professor de antropologia e estudos ambientais e reitor associado da Faculdade Harpur. “Há mudanças. A população muda e o ambiente muda; com o tempo, as palmeiras se perderam e no final o clima ficou mais seco. Mas essas mudanças realmente explicam o que estamos vendo nos dados populacionais por meio da datação por radiocarbono?”
Reconstruindo mudanças populacionais
Os arqueólogos têm diferentes maneiras de reconstruir o tamanho da população usando medidas substitutas, como observar as diferentes idades dos indivíduos em cemitérios ou contar locais de casas antigas. Essa última medida pode ser problemática porque faz suposições sobre o número de pessoas que moram em cada casa e se as casas foram ocupadas ao mesmo tempo, disse DiNapoli.
A técnica mais comum, no entanto, usa datação por radiocarbono para rastrear a extensão da atividade humana durante um momento no tempo e extrapolar as mudanças populacionais a partir desses dados. Mas as datas de radiocarbono podem ser incertas, reconheceu DiNapoli.
Pela primeira vez, DiNapoli e Lipo apresentaram um método que pode resolver essas incertezas e mostrar como as mudanças no tamanho da população se relacionam com as variáveis ambientais ao longo do tempo.
Os métodos estatísticos padrão não funcionam quando se trata de vincular os dados de radiocarbono às mudanças ambientais e climáticas, e às mudanças populacionais relacionadas a eles. Fazer isso envolveria estimar uma “função de verossimilhança”, que atualmente é difícil de calcular. A computação bayesiana aproximada (ABC, na sigla em inglês), no entanto, é uma forma de modelagem estatística que não requer uma função de verossimilhança e, portanto, oferece aos pesquisadores uma solução alternativa, explicou DiNapoli.
Produtividade aumentada
Usando essa técnica, os pesquisadores determinaram que a ilha experimentou um crescimento populacional constante desde seu assentamento inicial até o contato com a Europa, em 1722. Após essa data, dois modelos mostram um possível platô populacional, enquanto outros dois modelos mostram um possível declínio.
Em suma, não há evidências de que os ilhéus usaram as palmeiras agora desaparecidas para se alimentar, um ponto-chave de muitos mitos do colapso. A pesquisa atual mostra que o desmatamento foi prolongado e não resultou em erosão catastrófica; as árvores foram substituídas por jardins cobertos com pedras que aumentaram a produtividade agrícola. Durante os períodos de seca, as pessoas podem ter contado com infiltrações costeiras de água doce.
A construção das estátuas (moais), consideradas por alguns como um fator que contribuiu para o colapso, na verdade continuou mesmo após a chegada dos europeus.
Em suma, a ilha nunca teve mais do que alguns milhares de pessoas antes do contato com os europeus, e seu número estava aumentando em vez de diminuir, mostram as pesquisas.
“Essas estratégias de resiliência tiveram muito sucesso, apesar do fato de que o clima ficou mais seco”, disse Lipo. “Eles são um caso muito bom para resiliência e sustentabilidade.”
Enterrando o mito
Por que, então, a narrativa popular do colapso da Ilha de Páscoa persiste? Provavelmente tem menos a ver com o antigo povo rapa nui do que com nós mesmos, explicou Lipo.
O conceito de que as mudanças no meio ambiente afetam as populações humanas começou a decolar na década de 1960, disse Lipo. Com o tempo, esse foco se tornou mais intenso, à medida que os pesquisadores começaram a considerar as mudanças no ambiente como o principal motor de mudanças e transformações culturais.
Mas essa correlação pode derivar mais de preocupações modernas com a poluição causada pela industrialização e as mudanças climáticas, em vez de evidências arqueológicas. As mudanças ambientais, destacou Lipo, ocorrem em diferentes escalas de tempo e em diferentes magnitudes. A maneira como as comunidades humanas respondem a essas mudanças varia.
Vejamos um exemplo clássico de superexploração de recursos: o colapso da pesca do bacalhau no nordeste dos Estados Unidos. Embora as economias de comunidades individuais possam ter entrado em colapso, esforços maiores de pesca simplesmente mudaram para o outro lado do mundo.
Muito a aprender
Em uma ilha isolada, no entanto, a sustentabilidade é uma questão de sobrevivência da própria comunidade e os recursos tendem a ser administrados de forma conservadora. Um passo em falso no gerenciamento de recursos pode levar a consequências catastróficas e tangíveis, como fome.
“As consequências de suas ações são imediatamente óbvias para você e para todos ao seu redor”, disse Lipo.
Lipo reconheceu que os proponentes da história do colapso da Ilha de Páscoa tendem a vê-lo como um negador da mudança climática; isso enfaticamente não é o caso. Mas ele advertiu que as formas como os povos antigos lidaram com as mudanças climáticas e ambientais não refletem necessariamente as crises globais atuais e seu impacto no mundo moderno. Na verdade, eles podem ter muito a nos ensinar sobre resiliência e sustentabilidade.
“Há uma tendência natural de pensar que as pessoas no passado não eram tão inteligentes quanto nós e que, de alguma forma, cometeram todos esses erros. Na verdade, porém, é o contrário”, disse Lipo. “Eles produziram descendentes e o sucesso que criou o presente. Mesmo que suas tecnologias sejam mais simples do que as nossas, há muito a aprender sobre o contexto em que foram capazes de sobreviver.”